Não quero parecer pretensioso com o título acima, mas acredito que ir contando resumidamente a história de nossa cidade enriquece a nossa própria história, dando-lhe mais autenticidade e tornando-a mais interessante. No meu caso, nascido no interior, creio que um pouco da história da cidade onde nasci ajudará no entendimento da minha formação como ser humano.
Em meados do século passado, a cidade de Guarulhos ainda podia ser chamada de cidade do interior. Uma ida até a Capital do Estado (nossa amada Sampa) carecia de preparativos, horários de ônibus e demorava de uma a duas horas. Hoje, devido às facilidades de locomoção, essa viagem encurtou-se significativamente e a cidade já faz parte da Grande São Paulo.
Guarulhos surgiu como elemento de defesa da cidade de São Paulo e, em 1560, do povoado dos índios Guarus, surgia o primeiro aldeamento que daria origem à cidade. Passou pelo garimpo de ouro, depois agricultura e criação de gado, até atingir sua atual vocação, como aglomerado industrial.
No início do século passado foi inaugurado o Ramal Guapyra-Guarulhos (o trem da Cantareira), com a finalidade de transportar madeira, pedra e tijolos. No território guarulhense, foram cinco as estações: Vila Galvão, Torres Tibagy, Gopoúva, Vila Augusta e Guarulhos, além do posterior prolongamento até a Base Aérea (hoje Aeroporto Internacional de Guarulhos – Cumbica).
Também dessa época é a chegada da energia elétrica (Light & Power) e já se iniciavam as demandas pela instalação da rede telefônica e para licenças de implantação das primeiras indústrias que foram se espalhando a partir da Estrada do Rio, a futura Rodovia Presidente Dutra. A partir da década de 40 começaram a chegar indústrias dos setores: elétrico, metalúrgico, plástico, alimentício, borracha, peças para automóveis, farmacêutica entre muitos outros. A Via Dutra aproximou bastante os guarulhenses dos paulistanos, já que a capital podia ser atingida tanto pela Dutra quanto pela Penha, até então o único caminho disponível.
E foi em Guarulhos que nasci, mais precisamente em Gopoúva. Meus pais tinham uma pequena casa nesse bairro, fruto de anos de trabalho e que, durante minha infância acabou sendo trocada por outra um pouco maior. Nossa família não era rica, mas era assim considerada por residirmos em casa própria e termos um automóvel na garagem, coisa rara naquela época.
Também meus pais, que sempre foram vaidosos e gostavam de vestirem-se muito bem, contribuíam para os boatos de riqueza. Meu pai saia todos os dias para o trabalho usando ternos bem cortados em alfaiates da capital e minha mãe com seus vestidos confeccionados por modistas renomadas e sempre bem penteada e levemente maquiada. O que as pessoas não percebiam era que, para ter aquele padrão de vida, ambos trabalhavam bastante, numa época em que a maioria das donas de casa ficava em casa cuidando dos afazeres domésticos e da criação dos filhos. Em casa, minha avó materna fazia as vezes de dona de casa, cuidando de tudo e da educação dos netos, sempre auxiliada por uma empregada doméstica, outra raridade na sociedade local. Com isso quero dizer que eu e meu irmão tivemos uma infância tranqüila, sem qualquer privação e até com algum conforto, maior do que o dos nossos coleguinhas de escola ou de bairro.
Uma coisa que marcou bastante nossa infância foi que, em razão da vontade que meus pais tinham de vencer na vida, nos mudamos de residência várias vezes, o que não nos permitia solidificar amizades. Quando estávamos nos acostumando e formando um grupo de amiguinhos, nova mudança para outro bairro ou até mesmo outra cidade - quando nos mudamos para o Jabaquara eu estava com sete anos, justamente iniciando o primeiro ano primário, que perdi devido a essa mudança. Mas ganhei mais um ano para brincar e para re-conhecer o novo bairro.
Esse é o início de uma história de uma infância feliz, que foi se transformando em adolescência, mocidade e maturidade ao longo da segunda metade do século passado, tendo como ponto alto a Revolução de 1964. Afetando o mundo e, claro, meu microcosmo, houve, desde o advento do rock and roll, passando pelos movimentos feministas, uma significativa mudança na estrutura familiar, o esvaziamento e a gradativa perda de poder das igrejas tradicionais como fonte de educação moral, o ganho de poder da juventude dentro da sociedade e o impacto imenso da comunicação de massa sobre um número cada vez maior de pessoas. Mas para não esticar demais o assunto, se me permitirem, pretendo ir falando sobre tudo isso nos próximos textos.
Por Zeca Paes Guedes
Em meados do século passado, a cidade de Guarulhos ainda podia ser chamada de cidade do interior. Uma ida até a Capital do Estado (nossa amada Sampa) carecia de preparativos, horários de ônibus e demorava de uma a duas horas. Hoje, devido às facilidades de locomoção, essa viagem encurtou-se significativamente e a cidade já faz parte da Grande São Paulo.
Guarulhos surgiu como elemento de defesa da cidade de São Paulo e, em 1560, do povoado dos índios Guarus, surgia o primeiro aldeamento que daria origem à cidade. Passou pelo garimpo de ouro, depois agricultura e criação de gado, até atingir sua atual vocação, como aglomerado industrial.
No início do século passado foi inaugurado o Ramal Guapyra-Guarulhos (o trem da Cantareira), com a finalidade de transportar madeira, pedra e tijolos. No território guarulhense, foram cinco as estações: Vila Galvão, Torres Tibagy, Gopoúva, Vila Augusta e Guarulhos, além do posterior prolongamento até a Base Aérea (hoje Aeroporto Internacional de Guarulhos – Cumbica).
Também dessa época é a chegada da energia elétrica (Light & Power) e já se iniciavam as demandas pela instalação da rede telefônica e para licenças de implantação das primeiras indústrias que foram se espalhando a partir da Estrada do Rio, a futura Rodovia Presidente Dutra. A partir da década de 40 começaram a chegar indústrias dos setores: elétrico, metalúrgico, plástico, alimentício, borracha, peças para automóveis, farmacêutica entre muitos outros. A Via Dutra aproximou bastante os guarulhenses dos paulistanos, já que a capital podia ser atingida tanto pela Dutra quanto pela Penha, até então o único caminho disponível.
E foi em Guarulhos que nasci, mais precisamente em Gopoúva. Meus pais tinham uma pequena casa nesse bairro, fruto de anos de trabalho e que, durante minha infância acabou sendo trocada por outra um pouco maior. Nossa família não era rica, mas era assim considerada por residirmos em casa própria e termos um automóvel na garagem, coisa rara naquela época.
Também meus pais, que sempre foram vaidosos e gostavam de vestirem-se muito bem, contribuíam para os boatos de riqueza. Meu pai saia todos os dias para o trabalho usando ternos bem cortados em alfaiates da capital e minha mãe com seus vestidos confeccionados por modistas renomadas e sempre bem penteada e levemente maquiada. O que as pessoas não percebiam era que, para ter aquele padrão de vida, ambos trabalhavam bastante, numa época em que a maioria das donas de casa ficava em casa cuidando dos afazeres domésticos e da criação dos filhos. Em casa, minha avó materna fazia as vezes de dona de casa, cuidando de tudo e da educação dos netos, sempre auxiliada por uma empregada doméstica, outra raridade na sociedade local. Com isso quero dizer que eu e meu irmão tivemos uma infância tranqüila, sem qualquer privação e até com algum conforto, maior do que o dos nossos coleguinhas de escola ou de bairro.
Uma coisa que marcou bastante nossa infância foi que, em razão da vontade que meus pais tinham de vencer na vida, nos mudamos de residência várias vezes, o que não nos permitia solidificar amizades. Quando estávamos nos acostumando e formando um grupo de amiguinhos, nova mudança para outro bairro ou até mesmo outra cidade - quando nos mudamos para o Jabaquara eu estava com sete anos, justamente iniciando o primeiro ano primário, que perdi devido a essa mudança. Mas ganhei mais um ano para brincar e para re-conhecer o novo bairro.
Esse é o início de uma história de uma infância feliz, que foi se transformando em adolescência, mocidade e maturidade ao longo da segunda metade do século passado, tendo como ponto alto a Revolução de 1964. Afetando o mundo e, claro, meu microcosmo, houve, desde o advento do rock and roll, passando pelos movimentos feministas, uma significativa mudança na estrutura familiar, o esvaziamento e a gradativa perda de poder das igrejas tradicionais como fonte de educação moral, o ganho de poder da juventude dentro da sociedade e o impacto imenso da comunicação de massa sobre um número cada vez maior de pessoas. Mas para não esticar demais o assunto, se me permitirem, pretendo ir falando sobre tudo isso nos próximos textos.
Por Zeca Paes Guedes
7 comentários:
Olá, Zeca!
Eu não imaginava que você nasceu em Guarulhos, nossa cidade irmã e vizinha, que está se tornando tão gigante quanto Sampa...
Que legal!
Mas, vindo aos 7 anos para Sampa, creio que você é mais paulistano que guarulhense, não é mesmo?!
Brincadeiras a parte, ficamos felizes em conhecer um pouco de sua história, somada à história de São Paulo.
Obrigada, amigo!
Muita paz!
Guedes, sua narrativa a respeito de Guarulhos, emenda-se com minha vivência por ter grandes clientes em Guarulhos e que visitei por muitos anos. Vc menciona a expanção industrial da cidade e ela está justificada com Pfizer, Bauducco, Warner-Lambert, Melita etc. Seu texto bem dosado, é uma grata satisfação pra quem o lê. Parabén, Zeca.
Zecamigão,
li com sofreguidão o teu texto, vc me jogou na cara tempos vividos e por razões defensivas, muitas vezes esquecidos.
Foi ótimo relembrar e, temnho certeza, melhor ainda serão as proximas recordações.
Fico aguardando.
Ola, Zeca, gostei da narrativa, e como haverá continuação fico aguardando ansioso os próximos capítulos e por enquanto no lugar de dar os parabéns por inteiro vou dizer apenas: O PARA.
O BÉNS SÓ NO FINAL DA HISTORIA OK. (DESCULPE A BRINCADEIRA)
Belo texto, Zeca, correto e límpido como sempre. Então, de Guarulhense vc passou ao Jabaquara...de qualquer forma, se continuasse em Guarulhos estaria tb nas vizinhanças de um aeroporto, mas vc escolheu o de Congonhas. Brincadeira! Mas, de qualquer forma, veio para uma região que me é familiar desde
1960. Sempre residi por aí: Planalto Paulista, Jabaquara, Brooklin. Sempre seguindo, como vc, a rota das aeronaves. Grande abraço.
Zeca, parabéns pela narrativa, vou esperar ansioso pela continuação, o Jabaquara é aquí pertinho do meu querido Ipiranga, abraços, Nelinho.
Sempre é (muito) bom saber de nossas histórias e de como tudo começou. A cultura só é completa com os fatos e registros históricos, registros mais que importantes para o conhecimento e aprendizado de nossa juventude e gostosas lembranças de nossas saudades.
Abraços.
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