domingo, 31 de março de 2013

São Paulo- Amor à terceira vista



imagem: Cidade Universitária - SP


Amigos, tendo nascido e vivido em uma cidade grande e bastante complicada, o meu critério de beleza é bastante questionável. Querem um exemplo? Gramado. É para mim uma linda e grande casa de boneca, mas eu jamais conseguiria morar lá. Dessa forma, vez por outra falarei sobre as cidades que eu gosto (ou não). Hoje a homenageada será São Paulo.
Fui a São Paulo ainda garota pela primeira vez e não sei dizer se gostei ou não porque fui do aeroporto direto para a casa de amigos do meu pai. A casa tinha tudo que uma criança poderia gostar e praticamente não saí de lá, mas não sei dizer o motivo de não ter gostado. Aliás, nem lembro ao certo.
Por volta dos 20 anos fui sozinha para fazer um curso e fiquei muito assustada com o tamanho. Não gostei de absolutamente nada. Gente esquisita com cara de bicho papão. Fui fazer uma visita a uma amiga paulistana que tinha acabado de sair do Rio para trabalhar na USP como professora mesmo. Conheci os seus amigos, curti muito, inclusive a vida noturna. O único senão é que no último dia fui a uma festa com essa amiga e ela tão logo chegou, saiu com um rapaz que tinha acabado de conhecer para ir transar (tentem imaginar essa situação para uma mocinha como eu era).
Fiquei sozinha e não houve uma única pessoa que chegasse perto de mim para falar uma palavra qualquer. Retorna a garota de banho tomado e cabelos molhados e lá fomos nós para a sua casa. Odiei aquela desconsideração e, naturalmente, São Paulo também.
No ano seguinte, conheci uma moça que foi ao Rio participar de um evento no banco onde eu trabalhava e ela me convidou para passar um final de semana em sua casa. Falei com ela sobre o meu trauma com relação à cidade e ela jurou, de pés juntos, que iria fazer de tudo para desfazer a má impressão. E realmente fez.
Prá começar, não fiquei na casa dela e sim em um apartamento imenso cheio de jovens de outros estados que foram tentar a vida na cidade e se juntaram para pagar um único aluguel. Todo mundo maravilhoso. Não só os que lá moravam como também os amigos que frequentavam o apartamento. Todos muito duros ,e por essa razão, ficamos enfurnados no local tomando cervejas, comendo coisinhas gostosas, ouvindo música até não poder mais e rindo bastante. Foi lá que conheci Elba Ramalho, quer dizer, o disco e não a pessoa ao vivo.
O único passeio interessante que fiz foi ir a uma feira em pleno sábado. Feira mesmo de legumes, verduras e frutas. E foi ali, ao ver aquelas pessoas, que eu captei o espírito da cidade. Aquele não era um programa qualquer; era O programa. Tinha gente de todo o Brasil, jovens e velhos. Tinha música, pastel, bagunça e gente animada. De noite, quando fui para o aeroporto e reparei mais uma vez nas pessoas que andavam pelas ruas, passei a adorar a cidade.
Voltei diversas outras vezes e todas as viagens que fiz foram muito agradáveis. Não voltei à feira, aliás, nem sei onde fica, mas conheci outros lugares ótimos. Curto absolutamente tudo, até mesmo a feiura que existe em alguns locais. O que mais me atrai é justamente o povo. São caras e culturas completamente diferentes e esse caldeirão de misturas é o maior patrimônio da cidade. Os paulistanos (nativos ou não) são muito mais fechados do que os cariocas, mas eu penso que quando a gente capta a energia do lugar, a conversa deslancha. Nunca tive problemas com motoristas de táxi, informações erradas ou descortesia de alguém. Até mesmo o meu "s" chiado e o "r" carregado foram motivo de gozações carinhosas por parte de uma senhora dona de cantina do Bixiga que me pedia a todo o momento para dizer determinadas palavras só para rir depois.
Tenho tido saudades, gostaria de ter ido no primeiro semestre, mas não foi possível.
Pois é, São Paulo não tem a beleza estonteante de muitas das cidades brasileiras, é triste em determinados momentos, mas tem um charme que é impressionante, especial e único.
Um viva para São Paulo!



Por Yvonne Dimanche

quinta-feira, 28 de março de 2013

Memórias Augustas





Já lá se vão mais de 60 anos e, sem muito esforço, essas memórias ainda povoam minha mente.
Corriam, de forma acelerada, os anos 50. Eu moleque, torcia para que eles corressem cada vez mais sem desconfiar que no futuro, na segunda década do século XXI, eu iria chorar pedindo a Deus que os dias andassem  de forma lenta para me permitirem ficar por aqui um pouco mais de tempo.
Sabendo que não poderei interferir, nunca, nessa decisão, me deixo levar pelos pensamentos e vou me encontrar menino, ainda usando calças curtas e sapatos de pneu de caminhão, brincando, despreocupado, nas calçadas da “movimentadíssima” Rua Augusta, no quarteirão compreendido pelas Ruas Caio Prado Jr e Marques de Paranaguá.
Estou defronte ao numero 291 que, coincidentemente, é a casa onde moro. Olhando para frente, na calçada oposta da que estou, posso distinguir os portões da Escola Santa Monica, onde estudo todas as manhãs e, uns poucos passos depois, um aparelho estranho, enorme, fincado na calçada. Era a bomba de gasolina recém inaugurada, de propriedade do sapateiro estabelecido nessa mesma rua Augusta, na calçada de número impar, bem na esquina da Rua Marques de Paranaguá e, lógico, em frente à bomba (ou seria geringonça?). É preciso esclarecer que naquela época, no pós-guerra, inexistiam os Postos de Serviço como atualmente, mesmo por que estávamos saindo da situação de uso dos carros à gasogênio que, por sinal, eu cheguei a conhecer.
Bem, voltemos ao tema central desta narrativa.
O sapateiro, proprietário da bomba de gasolina atendia pelo nome de Pedro Sernagiotto, recebido na pia batismal, porém era muito mais conhecido por seu famoso apelido “Ministrinho”, craque alviverde da época do Palestra Itália, o primeiro futebolista a fazer nome no exterior, no Juventus de Turim (Itália).
Ponta direita veloz, depois de fazer nome  na Europa voltou ao Brasil em 1934, jogando pelo Palestra até 1935, jogou depois na Portuguesa de Desportos e no São Paulo e encerrou sua carreira nos anos 40, então Palmeiras.
Esse homem, franzino, sapateiro remendão, tinha por mim um carinho especial, éramos palmeirenses de coração, coisa que o Serginho, seu sobrinho e meu amigo  não era, pois torcia para o tricolor, naquela época do Canindé.
Ministrinho, embora levando vida humilde e regrada, não abria a mão de comer bem. Assim, encomendava seus almoços diários, e os recebia no mesmo horário, do Restaurante Transmontano, tradicional casa paulistana que estava estabelecida em frente ao prédio dos Correios, no vale do Anhangabaú.
As cenas que relato neste texto estão vivas e à cores na minha mente e fico triste por não ter poder narrá-las com mais fidelidade e clareza. Mas, dentro dos meus  limites, acho que consegui fazer um pequeno esboço da saudade que sinto no peito.



Por Miguel Chammas

sábado, 23 de março de 2013

De avô para neto



Há muito tempo, quase nada escrevo, pouco pretendo escrever no futuro.
Não poderia, porém, deixar de escrever alguma coisa, hoje.
Feliz aniversário, João Carlos.
Que este primeiro ano que completas hoje, seja o primeiro dentre tantos, dentre muitos.
Que cresças saudável, tenhas uma infância feliz, adolescência tranquila e por aí em diante.
Que tua cor seja sempre o branco e preto do teu pai, do teu avô, bisavô, tios e tias, dos amigos mais presentes ou dos ausentes. E, se por acaso, outra cor escolheres, que sejas feliz com ela, posto que o que melhor escolhestes, o melhor para mim será ( mas aviso que não mudarei a minha cor branca e preta). 
Não obstante o teu futuro será o que sonhares, quero que entendas o que para ti, sonho.
Teu berço é de ouro. Não o ouro metal, mas o ouro vida. Ouro de luta intensa, de horas despertas, de sabores e dissabores que a todos se oferecem, e que teus pais sabem muito bem, e que eu também o sei. Ouro do ganho suado, das horas insones, do trabalho intenso.
Mas o teu ouro sairá de ti, unicamente de ti. Do teu esforço pessoal , da visão que tiveres das coisas da vida; daqueles que estiverem ao teu redor, por isso deves cultivar o que te for caro, seres integro, honesto, humilde e visionário.
Sei que pouco entenderas o que ora te digo. 
Não importa, ao longo da tua vida, cada uma destas situações te aparecerá e tu saberás cuidar dela desde que não esqueças o berço de ouro do qual vens.
Quero que rolemos na grama, que nos esparramemos na areia, que brinquemos no mar.
Ofereço-te um pouco do que construí ao longo da minha vida para que possamos deste pouco usufruir. Vamos colher frutas para que tomes um suco feito na hora, vamos correr atrás de pássaros e ver os coelhos e esquilos compartilhando nossas árvores; tu irás me levar à exaustão para mais uma volta ao redor da casa ou uma corrida na praia e eu te levarei ao limite do teu riso com quanto que vou te cutucar e te fazer cócegas ou te derrubar ao chão numa intensa, renhida e simulada luta. Tu irás me derrubar também, me encheras de socos e me prostrarei ao solo derrotado, esperando apenas o golpe final do teu corpo em cima do meu, celebrando a vitoria.
Quero que passeemos pelas cidades, que vejas as vitrines, que olhes as pessoas e os lugares.
Vamos nos lambuzar com o molho dos sanduiches, empanturrar com guloseimas e levar broncas da tua mãe pelas maluquices que fizemos, ( e faremos ) . Vai se legal, podes crer. Convida teu irmão para fazer tudo isso, vai ser melhor ainda.
Quero que partilhe tua vida com teu irmão. Ele é mais velho, sabe mais, entende melhor as coisas.
Fala com ele, ouça-o sempre, tenham amizade fraternal, ajuda-o sempre que puderes e peças ajuda sempre que necessitares. Estejam sempre juntos em qualquer situação. Faça-o feliz assim como ele te fará. Esse é o caminho da vida. 
Sou o mais velho do teu time, tu és o mais novo, por isso sei o que estou falando. 
Sejas humilde sem seres tímido; sejas ousado sem seres imprudente; sejas amigo sem seres servil. A humildade te dará o tempero da vida; a ousadia, o esforço para ultrapassares teus limites; a amizade, a medida para auferires o teu tamanho. Não te arrependas de nada que fizeres, sejas único. 
Não entres em brigas, nem provoques outrem. Não deixes que com ti queiram brigar pois já terás muito o que te preocupar na luta que terás contigo mesmo para ultrapassar teus limites.
Honra teu pai e tua mãe. Pouco saberás um dia o que fizeram, fazem e farão por ti. Por mais que não entendas, o esforço deles é o tudo de melhor para que tu e teu irmão se saiam bem na vida. E, se por acaso, encontrares alguém que tenha mais que ti, releve, pois o que tens é do ouro que acima falei.
Lá em cima, ficou uma palavrinha mais ou menos perdida, visionário.
Falo dela agora. Percebas tudo à tua volta, pensa no que fazer no futuro. Saibas que o desejo não realizado é apenas um sonho que se desvanece quando acordamos pela manhã. Persiga o que entendes correto, projeta teu futuro, trabalhe para que ele vire presente e assim sucessivamente, todos os futuros e todos os presentes. 
Tornes sagrado qualquer gesto teu. 
Não sei o quanto irei usufruir da tua companhia. Todos temos os dias contados, embora não saibamos nunca o quanto são, mas enquanto isso não ocorrer estejas certo que terás um avô meio moleque fazendo estripolias e buscando o melhor para ti. 
Talvez este texto seja mais para mim do que para ti. Não importa, se quiseres, tenha-o como teu. É um simples presente que me dou, na lembrança deste teu primeiro aniversário. Um dia o leras e (talvez) entenderás um pouco mais este despretensioso e amalucado avô.
Há muito tempo, quase nada escrevo, pouco pretendo escrever no futuro.
Não poderia, porém, deixar de escrever alguma coisa, hoje.
Feliz aniversário, João Carlos, que Nossa Senhora estenda sempre seu manto azul em torno de ti.




Por José Carlos Munhoz Navarro

sábado, 16 de março de 2013

Causos de fogueira



Que barulho é este? Veio daquele lado. Perguntando e respondendo, ao mesmo tempo.
Todos olharam na mesma direção, olhos arregalados e enigmáticos. O medo pairado no ar.
Tem bambuzal logo ali, portanto, tem saci. Foi ele quem fez o barulho. Peralta demais e disposto a promover uma bagunça daquelas. Foi o saci.
Todos se juntaram ainda mais, protegendo-se mutuamente. A conversa ia solta, ao redor da imensa fogueira no quintal enorme da chácara da Bisa, em Santa Teresinha, interior de São Paulo, cidadezinha próxima à Garça. Nas noites frias e com céu estrelado daquele Julho longínquo, depois do banho tomado e ainda sentindo o sabor delicioso do jantar preparado no fogão a lenha, sentávamos ao redor da fogueira para ouvirmos os “causos” engraçados e os relatos fantasmagóricos de todos os participantes. Cada um tinha uma história pra contar e, cada uma delas, era mais aterrorizante que a outra.
Por mais que teimávamos em cantar as canções da época e as mais antigas, a conversa sempre convergia para o sobrenatural.
O vento colaborava fazendo farfalhar as folhas e galhos das árvores, provocando arrepios variados, de frio e de medo. O trepidar das chamas da fogueira fazia-nos enxergar um sem números de imagens, exageradas pela nossa imaginação.
À noite a história é sempre diferente.
Novo barulho e mais forte fez alguns de nós gritarmos junto com muitas gargalhadas dos mais velhos. Eles adoravam assustar a criançada e as primas, vindas da cidade grande, acostumadas com outros estereótipos de monstros e fantasmas.
Os meninos mais velhos faziam questão de cenografar a história e, previamente, até colocavam manchas de sangue feitas com os famosos molhos de tomate e o caldo da beterraba. Sempre depois de nós, que já estávamos sentados ao redor da fogueira, se aproximavam aos gritos, mostrando o falso ferimento, dizendo terem sido atacados pelo lobisomem ou pelo Zé bicudo do velho casarão da estradinha.
Depois de serem socorridos e fartos de verem nossa cara assustada com lágrimas de dó e medo, eles caiam na risada sem o menor escrúpulo. É certo que também levavam uns bons petelecos das tias, mas, nada era capaz de tirar-lhes o prazer de ver a cara de todos.
Quando as chamas da fogueira já se recolhiam ao descanso, deixando brasas maravilhosas e convidativas para assar batatas, a Bisa nos alertava que já era hora de dormir. Fazia-nos tomar outro banho para tirar o cheiro da fumaça e mangava dos pequenos para não fazerem xixi na cama.
Fiquei a recordar esta e outras tantas passagens de minha infância, enquanto embalava em meus braços, minha filhinha, meu bebê que não queria dormir, na sala de minha casa, na Vila Prudente.
Sinto saudade daqueles velhos tempos de férias escolares quando podíamos passar o mês todo em casa de cada um dos parentes que moravam no interior.
Sinto saudade, também, dos meus filhos pequeninos. O tempo passou muito rápido e eles cresceram e se tornaram adultos.
Velhos tempos, belos dias.



Por Sonia Astrauskas

quinta-feira, 14 de março de 2013

Niagara Falls (do Modesto)



imagem: Hospital das Clínicas de São Paulo

O título desse trabalho não tem nada  haver com a famosa catarata que fica entre o Canadá e os Estados Unidos; apenas quando mencionar meu problema, lembro-me delas e as quedas do Iguaçu.
Há dois anos, fui a um especialista que diagnosticou princípio de catarata, uma pequena “queda d’água”.

 Fui me inscrever no Hospital das Clínicas. Com três visitas, exames preparatórios, data marcada para o dia 26\03\13 e agora, esperar que tudo corra bem e eu possa voltar a enfrentar a tela do computador, sem encostar o nariz na mesma e poder dirigir a noite.
No último exame que fiz pra motorista, o médico falou que, com essa visão, “você vai ficar a ver navios”, não serei aprovado, irá cancelar minha carta. Ai, nem navios e nem barquinhos.

No trajeto de minha casa, no Parque Continental, zona oeste paulistana, posso ir de carro, mas decidi ir de ônibus. Não porque viajo de graça e sim pelas vantagens (e desvantagens) que a condução dá aos usuários. E uma enorme curiosidade em voltar a andar de ônibus.
Saio de casa, tomo o ônibus “Anhangabaú” no terminal do parque; o trajeto é toda a av. Corifeu de Azevedo Marques, até seu início,  entra na Vital Brasil e logo depois, av. Rebouças, até as portas do HC.
Às vezes, não tem lugar na área dos “mutilados de guerra” (idosos); aí, resta o recurso de pagar a passagem pra não ficar de pé. Servi-me da experiência pra observar que, boa parte das pessoas é educada, se estão sentados, cedem seus lugares que, por direito, são dos idosos.  Existem aqueles que estão num sono ferrado (sic), nem se mechem. O cobrador, que está de olho, dá um berro, “tem idoso de pé, vamos levantar, turma”. O “cara acorda”, como quem não sabe o que está ocorrendo.
Outra emoção que tenho é quando viajo numa poltrona solitária, quase ao lado do motorista. Como um copiloto, noto que ele, o motorista, não perde tempo, principalmente na Rebouças. Segue pela faixa destinada exclusivamente aos ônibus, livre, e eu gozando as centenas de motoristas em seus carros, parados num trânsito infernal de uma tarde de verão. Gozando em termos, apenas me gratificando pela opção sobre a melhor condução pra ir às clínicas.

Outra “descoberta” que faço é o HC, uma verdadeira cidade hospital dentro dessa fabulosa cidade de São Paulo. Fui atendido no Centro Oftalmológico, um número espantoso de atendentes, a maioria estagiários e residentes, todos capitaneados por especialistas, procurando sempre dar um atendimento humano, pois se tratando de problemas de visão, a grande maioria de pacientes é de idosos. É preciso ter paciência, a demora é justamente por ser  uma tratativa pessoal, cada caso examinado, minuciosamente. Fui atendido pelo Dr. Kyu Sub Shin, num total de três vezes,  que solicitou os exames, agendou quando deveriam ser feitos no próprio HC. Como eu tinha já pronto, depois de duas semanas me apresentei com o mesmo médico e ele, sempre com o especialista do lado,  agendou pra dia 26\03 a cirurgia. Agora é só esperar, essa é uma das razões de meu distanciamento e falhas nos comentários que deixei de fazer. Perdoem-me. Logo que “secar” as águas dessa catarata, vou voltar com tudo.
Obrigado a todos.


Por Modesto Laruccia

segunda-feira, 11 de março de 2013

Enfermagem: Profissão Perigo

Quando toco no assunto 'Enfermagem', o texto acaba sendo meio que autobiográfico, não tem jeito. Sinceramente não quero que alguém pense que sou um sujeito pernóstico, egocêntrico, metido a besta; a verdade é que eu me conheço, eu sei quem sou e sabendo como costumo ser, não vou envolver meus antigos colegas vivos ou mortos, por ordenações éticas da profissão, nas narrativas que costumo escrever sobre meus tempos em hospitais e empresas. Que fique bem claro: não sou herói e nem pretendo ser protagonista em nada; apenas eu estava lá quando dos acontecimentos, só isso! e eu estou aqui para contar um pouco de minha experiência e minha atuação profissional.
Domingo, muito sol, quase 14:00h, plantão terminando. Peço para meu colega esperar que eu lhe daria uma carona até a Miguel Stefano, ou pelo menos até o relógio de ponto mas ele agradece:
-"Não precisa não, Juca! Vou subindo à pé ou pego carona em algum caminhão... fico esperando no relógio... Domingão?... Domingão é dia de mandar umas 'espumosas pa dentro' com uns tira-gosto de torresmo... vou ficar um pouco no botequim do japonês..."
- 'Tá muito quente, muito calor e você ainda vai passar pela aciaria e pela laminação...mas você que sabe!
Trabalhar em uma siderúrgica é trabalhar no inferno. Fogo prá tudo quanto é lado, ferro fundido passando sobre as cabeças, fornos a carvão, fornos a gás, altos fornos, silos, locomotivas, carvão, fumaça, pó de refratários, queimaduras horríveis, óbitos, Enfermagem do Trabalho atuando sem parar... É trabalho prá macho, no dizer da mineirada (90% dos tabalhadores em siderúrgicas vêm de Minas Gerais).
Acabei de escrever o relatório do plantão e fechei o grande cadernão de capa dura ao mesmo tempo que o telefone tocava:
- Corre aqui, seu Joaquim, tem acidente na aciaria...
- O que aconteceu? fala sem gritar, calma... respira fundo...
- ...Tem um eletricista pendurado no trilho da ponte rolante... a cabine está em cima da perna dele...
- 'Tou indo aí! O engenheiro já está aí?
- Engenheiro?
- É...! O engenheiro de segurança... bipa ele, pede prá ele chamar o médico, cazzo!...
A situação estava mais feia do que espancar a mãe por causa de 'mistura' na hora do almoço.
A ambulância não poderia entrar dentro da aciaria, um galpão enormíssimo e cheio de máquinas, pistas para a 'corrida' do aço, pórticos, trilhos ferroviários, fornos, lingoteiras, calor extremo; a 40 metros de altura, a cabine da ponte rolante parada numa posição estranha; o gancho da ponte segurando uma caçamba suspensa no ar com aço derretido a 1200ºC e assando, praticamente, o acidentado, quase que totalmente exposto à radiação. O que fazer? Simples: a) baixar a caçamba imediatamente até o chão . b) isolar o acidentado com mantas refratárias. c) prendê-lo ao trilho com cordas. d) preparar um balancim para baixar o acidentado quando tudo estiver resolvido. e) com o acidentado em choque, tomar o máximo cuidado ao manipulá-lo durante curativos e medicações para analgesia. f) afastar a cabine da ponte que, praticamente estava segurando o acidentado no espaço...
Como dá para se depreender, tudo muito simples, corriqueiro... O problema era chegar até lá! Pelas escadas em caracol eu não conseguiria pois a cabine estava a meio caminho sobre os trilhos; a saída foi fazer uma espécie de ponte feita com escadas de pintura, amarradas umas as outras e colocadas entre a plataforma de um alto forno e os trilhos da ponte rolante, num vão solto no espaço de uns 20, 25 metros.
Foi por essa ponte improvisada que eu consegui chegar até o acidentado me arrastando pelos degraus, com cinto de segurança, ganchos, mosquetões, mochilas com material para primeiros socorros, muita vontade de fazer alguma coisa mas morrendo de pavor. Em determinado momento de minha tormentosa travessia senti o bafo do Satanás queimando meu peito, estavam colocando a caçamba sobre o vagonete na ferrovia e o balanço fazia o aço derretido lançar baforadas que subiam até onde estavamos; olhar prá baixo? Nem pensar...
- Seu Joaquim, me mate... não vou aguentar muito tempo... pede pro guindasteiro passar com a ponte por cima de mim 'duma' vez... por favor...
- Para de falar merda, cala essa boca, meu... já-já a gente tira você desse sufoco...
A verdade é que não havia nada que eu pudesse fazer a não ser medicá-lo para dor e fazer o possível para que ele não perdesse os sentidos, mexendo com seus brios, fazendo-o reagir à provocações...
O rapaz acabou sendo retirado pelos bombeiros que trouxeram um super macaco para levantar a cabine e, em seguida, levado para o hospital que atendia Acidentes do Trabalho. Seu femur direito foi reconstruido pois fora esmagado e partido em quase uma dezena de pedaços... De alta no hospital voltou para Minas Gerais para se recuperar junto à família, e assim a vida continuou por algumas semanas.
Um dia ficamos sabendo que ele estava de volta e fazendo tratamento contra gangrena gasosa na câmara barisférica do metrô no Parque D. Pedro II.
Foi-nos transmitido pela Assistência Social que na sua cidadezinha, lá em Minas, estavam lavando a incisão no que restara de sua perna com urina de mulher grávida. Depois não tivemos mais notícias dele, apenas tomamos conhecimento que estava aposentado por invalidez e que perdera mais alguns pedaços da perna...conseguiram salvar alguma coisa...
**************
Cheguei em casa quase meia noite. A empresa me trouxe em um carro e outro motorista trouxe minha intimorata Brasilia. Fui recebido pela Odete:
-Ué, pensei que você fosse morar no emprego!... E ainda me aparece todo sujo, mais preto do que você já é!... Essa roupa que você está usando já pode jogar fora, não tem jeito dela ficar branca de novo... a empresa vai ter que te fornecer outra... cobra deles...
- 'Tá bom, tá bom, Dé... 'tô indo tomar banho... você não quer esfregar as minhas costas?
- Não! Suas intenções me parecem ser as piores possíveis!
- Eu? Com más intenções?
- É!! Eu te conheço...é assim que os rolos começam!
 
**************
E foi assim que eu 'peguei'essa cabreiragem de andar nas alturas, pisando (ou me arrastando) em superfícies de 30cm de largura...
Ia esquecendo: a empresa não me deu outro uniforme. Precisei comprar outro, se não não poderia trabalhar!
Mas tudo rotina no desempenho da profissão... nada de novo no front ocidental. Como eu já disse, não sou heroi nem nada, sou até meio medroso (precavido?); as coisas aconteceram em meu plantão mas poderiam ter acontecido com outro colega. Sorte dele...
 
Por Joaquim Ignacio

quinta-feira, 7 de março de 2013

A minha infância querida



imagem: Lavadeiras na Marginal do Tietê, tendo ao fundo o centro, com as torres do Banespa e do Martinelli, na década de 1940. 


Eu era ainda pequeno
morava na Freguesia
em uma casinha antiga,
que ainda hoje esta lá
no velho Largo da Matriz.
Minha mãe viúva,
pobre e analfabeta,
teve que lutar a beça,
para criar a mim e minhas duas irmãs.
Perdi meu pai muito cedo,
então, cresci cheio de medo.
de perder também minha mãe.

Naquele tempo no bairro
não havia nem shopping
nem supermercados
e para comprar certas coisas,
ninguém saia de casa.
Quase tudo que a gente queria
batia em nossa porta.
Tinha padeiro, leiteiro, jornaleiro,
amolador de facas, soldador de panelas,
e é claro, até carroça do lixeiro,
que sempre nos fins de ano
entregava um cartão de Natal
para faturar as gorjetas.

Ninguém comprava em lojas.
Moveis, camisas, calças ou calção,
tudo isso era vendido
pelo "turco" da prestação.
Tinha também muita coisa
que dava água na boca.
Machadinho,quebra queixo,
e bijuzeiro, de deixar a turma louca,
nessa época eu ainda menino
esperava as vezes o dia inteiro
para ouvir o som da matraca.
e a pior coisa nessa hora
era ouvir minha mãe dizer:
- “Meu filho hoje não tem dinheiro”.

Um dia o meu padrinho,
que um dia me batizou,
no dia do meu aniversário
escrito a caneta tinteiro
deu-me um bonito envelope,
contendo cinquenta cruzeiros.
Gastei tudo em Biju!
Depois passei muito mal
noite inteira no banheiro,
limpando-me com jornal.
Naquele tempo apurado
de carestia pós-guerra,
O jornal velho era usado,
cortadinho e pendurado
pelos pobres, no banheiro.

Na escola a gente apanhava.
E para não apanhar de novo,
quando chegava a casa,
ninguém contava para os pais.
Curtia calado a surra,
esquecia e se preparava,
pois todo mundo sabia
que quem não andasse na linha
com certeza no dia seguinte,
daquele mesmo "bom" professor
iria apanhar muito mais.

Os dias de um menino que viveu
aqui em São Paulo, entre quarenta,
e cinquenta, eram uns dias compridos,
que pareciam sem fim.
Depois de sair da escola,
eu ia para casa almoçar
depois estudava depressa
e ia correndo brincar.
Então as ruas e as praças
Eram o nosso quintal,
futebol em qualquer espaço,
no campo, ou nas calçadas,
na rua ou qualquer lugar já servia
para gente fazer um racha,
no bairro da Freguesia.

Tinha jogo de bolinha,
Pião, malha, caxeta,
e quem saísse dos jogos...
Levaria muita cachuleta,
nos braços ou nas orelhas,
mas o que mais se fazia
de tarde, de noite ou de dia,
era muito troca-troca
de figurinhas, é claro.
Tinha brincadeira de se esconder,
jogo de taco, passar anel e pega-pega.
Mas do que eu mais gostava,
era brincar de cabra-cega,

Roubar frutas nas chácaras,
pescar no Rio Tietê,
ver TV no vizinho.
Fumar escondido no mato
era o maior dos baratos.
E de noite antes de tomar banho.
ter de catar carrapatos,
levar picadas de abelhas,
fazer trocas de gibis.
Desmanchar formigueiro,
olhar para as copas das arvores
para ver se havia ninhos.
Depois armar arapuca
ir caçar passarinhos.
O chato de tudo isso
era ouvir a mãe gritar
chamando a filharada,
a ir para casa jantar.
E no outro dia bem cedo
sair da cama, com frio.
e junto com aquele povo
seguir para escola de novo
e estudar,rezando 
e quase implorando
para aquela aula acabar,
e a gente poder de novo
recomeçar a brincar.




Por Arthur Miranda