sexta-feira, 23 de março de 2018

Eu vou morrer



No ano de 1960, mês de fevereiro, meu irmão mais velho, estava fazendo 15 anos. Nós morávamos na Parada Inglesa, desde 1944, portanto ele havia nascido lá, e conhecia todo mundo. Eu estava com 9 anos, prestes a fazer 10, era assim, ainda muito criança e ingênuo. Naquele tempo, as famílias não costumavam ter refrigerantes em suas casas, isso só acontecia em dias de festa. E os meus pais resolveram fazer uma festa para meu irmão, e como vinha muita gente, compraram muito refrigerante. 
Na época, havia apenas, crush, coca-cola, guaraná e o meu preferido, soda limonada. A casa encheu e a festa corria solta, desta forma a minha mãe, que era muito rígida, principalmente comigo que era muito peralta, não conseguia me monitorar, e eu estava livre, leve e solto.

Ela havia falado para mim, que não tomasse muito refrigerante que era perigoso e fazia mal, essa história de mãe, mas que nada, sem ela de olho em mim, eu enchi a cara de soda.
Muito, bem, no dia seguinte, pela manhã, uma segunda-feira, ficamos sabendo de uma tragédia que havia acontecido a poucas casas da nossa. Uma vizinha, que havia enviuvado recentemente, deprimida, suicidou-se. Foi um burburim tremendo no bairro. A tarde, quando meu pai chegou do trabalho, minha mãe contou-lhe a nefasta novidade, e ela questionou minha mãe: " Mas como ela se matou?" minha mãe respondeu:" Tomou soda"!!!!! Soda cáustica, claro. Eu escutei, mas não sabia diferenciar as coisa. A hora que eu ouvi:" Tomou soda", cai no desespero e comecei chorar copiosamente. Meus pais não entenderam nada, afinal, não podia ser por causa do suicídio, e ao ver-me em prantos, meu pai perguntou por que daquilo? Eu respondi:" Porque eu vou morrer, ontem a mãe falou para eu tomar pouca soda e eu tomei um montão". Os dois caíram na risada, e ai fui eu que não entendi nada. Minha mãe, me abraçou, me beijou e me disse que não era aquela soda, que aquela não matava ninguém, que era outro tipo de soda. Mas, assim que eu me acalmei, tomei um belo puxão de orelhas por tê-la desobedecido. 
Mas nestas alturas do campeonato, até que o puxão de orelhas foi um lucro, não é mesmo?

Por Marcos Aurélio Loureiro

segunda-feira, 19 de março de 2018

A Era do gelo



Até hoje, ainda me pergunto o porquê de tanto mistério.
Ora bolas, as coisas andam, desandam, mas sempre vamos progredindo.
Seu João, dono da mercearia falou à pequena plateia que se amontoava na calçada: 
- Vai nos trazer muito conforto!
A pequena multidão de vizinhos  abaixou a cabeça, como se tivessem ouvido uma profecia.
Silêncio se fez. Só por segundos e logo todo mundo palpitava.
Um chato decretou o fim do diz que diz:
- Mas isso é um desrespeito, deixarem na calçada! Onde já se viu?!
Seu João, português forte, apesar dos anos entrados em não sei quantos “enta”. Bem disposto, convidou a plebe reunida ali, com a garantia, a chance dourada, de experimentar e depois se falava disso ou daquilo.
Foi um abrir e fechar de portas que não dava sossego! Teve até alguém que gritou agoniado:
- Desse jeito a gente adoece!
Mas ninguém registrou nada. Nem o Seu João. Todos alvoroçados numa espécie e frenesi.
As crianças, como sempre, acharam um bom uso da ocasião.
Maravilhadas, todas as crianças foram vasculhando, como detetives os destroços do grande pacote, que logo foi destrinchado e esquecido.
O que mais  intrigou, a nós, as crianças, foi o dia seguinte.
Meu pai levantava-se cedo, para ir trabalhar.
Nessa manhã fui até o portão, vendo-o subir a rua para pegar condução na Primeira Seção, assim era conhecida, a hoje Praça da Árvore.
Mas logo, de repente, minha cabeça acelerou!  Outro embrulho?! O que será?
Era um tipo de super tijolo grande no tamanho, retangular na forma.  Embrulhado em tecido, que anos mais tarde, descobri ser estopa.
Corri para casa. Alguém mais teria visto o segundo pacote?
Voltei novamente, percorrendo o longo corredor da vila onde eu morava, abri o portão e...     Lá estava “ele”! O embrulho!
Só que algo mais também.
A calçada molhada e serragem, pó grosso de madeira, caída como farofa grossa avermelhada pelo chão...
Também fui lá com a lupa da curiosidade! E descobri no seu interior, um grande bloco de gelo, lindo, com mil raiados enfeitando aquele corpo gélido!
Seu João, como sempre, chegou e já foi fazendo boca de trombone:
- Quem mexeu aqui?... – Crianças.  Só pode ser. Xeretas, etc, etc...
Deste dia em diante, todos podiam comprar Guaraná Paulistinha (garrafa verde, rótulo preto e branco em risquinhos), bem gelado!
A geladeira funcionava perfeitamente!
Movida? Melhor dizendo, gelada à gelo!
E foi assim, uma  grande vez, lá nos anos cinquenta e poucos, foi descoberta a geladeira no bairro do Bosque da Saúde.

Por Márcia Becker Saidenberg