Ainda menino - meados da década de 50 - nos mudamos para o Jabaquara, numa casa na rua Eng.George Corbisier. Após uns dois meses, passamos para outra casa, sobre uma loja que minha mãe estava abrindo e que ficava bem em frente ao Cine Maringá. Minha memória diz que era a Avenida Conceição, mas procurando nos mapas do Google, não consegui encontrar essa avenida. Então, minha referência é o cinema, que ficava no triângulo formado pela primeira rua e pela segunda, onde moramos durante dois anos.
Foi nesse período que comecei minha vida escolar, numa escola que ficava na Vila Guarani e cujo nome não recordo. Lembro apenas da professora, já com mais de quarenta anos e que se chamava Geni. Ela tinha uma filha que estudava na mesma escola e parecia não gostar de crianças. Não me lembro de vê-la dando um sorriso ou fazendo um elogio. E eu era um excelente aluno, conseguindo sempre as melhores notas! Apenas no comportamento minhas notas eram mais baixas, por eu ser questionador e curioso, o que fazia com que ela sempre me desse alguma bronca.
Perto da escola havia uma igreja católica e foi lá que fiz o curso de catecismo, preparando-me para a primeira comunhão. Não curtia muito as aulas de catecismo - questionava os dogmas e a obrigação de acreditar neles - e costumava cabulá-las e ir, com meus colegas, roubar frutas num quintal que tinha um pomar dos mais completos. Quando minha mãe descobriu minhas faltas, tirou-me do catecismo e acabei não recebendo o sacramento da comunhão naquele ano. No ano seguinte, minha mãe me transferiu para o GEE Almirante Barroso, perto da Igreja de São Judas Tadeu, um pouco mais distante de casa do que a escola anterior. Minha professora era a Dona Gabriela, uma simpatíca septuagenária, com os cabelos azulados e que eu adorava, como se fosse minha vovó. Lembro que era uma boa caminhada a pé, que faziamos eu e meu irmão, todas as manhãs, na ida e na volta. Mas íamos com outros colegas e sempre brincando, sem nenhum dos perigos que rondam hoje a criançada.
As maiores traquinagens que faziamos nesse período era pegar carona nos bondes abertos que circulavam pela avenida em frente à escola e pulando mais adiante, quando eles faziam uma curva não sei para onde. A outra era passar pelo aeroporto, que ficava relativamente perto e cercado de um mato baixo. Faziamos isso quando alguma aula terminava mais cedo. Meus pais apenas descobriram as caronas nos bondes, pois um dia, ao pular, caí e esfolei feio os joelhos e os cotovelos. E o meu irmão deu com a língua nos dentes.
Na Igreja de São Judas Tadeu fiz, pela segunda vez, o curso de catecismo e, no dia anterior à festa da primeira comunhão, ao me confessar pela primeira vez, não menti ao padre e disse que não ia à missa todos os domingos. Por isso ele disse que eu não poderia participar e fui chorando de decepção para casa. À tarde meu pai foi até a igreja conversar com o padre e, no dia seguinte, lá estava eu, com terninho branco, uma fita no braço e uma vela branca nas mãos, fazendo a minha primeira comunhão, feliz da vida. Hoje eu questiono se meu pai realmente conversou com o padre, conseguindo seu consentimento. Ele era ateu e pode perfeitamente ter mentido para me agradar... mas isso eu nunca descobrirei.
Esse dia costumava ser um dia de festa na própria igreja, com doces e refrigerante para a criançada. Mas eu não pude participar, pois minha mãe estava de cama, com a gripe asiática e meu pai – ateu – não quis me acompanhar. Fui e voltei sozinho.
Em frente de casa havia uma mata fechada, se não me engano, um eucalipal, onde diziam os adultos que havia monstros que devoravam crianças. Então, embora sempre curioso para ver o que havia lá dentro, jamais atravessei a rua e não sei o tamanho do tal matagal. Lembro que parecia enorme.
No mesmo quarteirão, todo de casas de dois pavimentos, com casa em cima e comércio embaixo, havia a loja de minha mãe, que vendia fogões a gás (ainda eram novidade na década de 50), uma farmácia na esquina, outras lojas que não lembro o que vendiam e um armazém. O armazém do “Seu” Luiz, pai do Luiz César e da Lígia. Minha mãe fazia as compras de casa lá e as crianças eram nossas amigas. Fizemos muita peraltagem na calçada! Só que tudo isso hoje soa tão esquisito, pois as nossas crianças não costumam mais brincar nas calçadas – e nem podem, devido a violência que as ameaça sempre!
Havia também uma casa, coladinha ao Cine Maringá - onde assistí, entre outros, ao filme Marcelino, Pão e Vinh. Todos os domingos, havia um programa radiofônico de calouros mirins. Não lembro se era uma rádio, um clube, ou outra coisa. Só sei que gostava de ir lá aos domingos pela manhã, para concorrer com as outras crianças, ao prêmio oferecido aos melhores cantores do dia. E acho que cantava bem, pois ganhei vários prêmios! Coisas simples, como jogos de lápis de cor, cadernos ou livros infantís.
Essas são as principais lembranças desse período em que moramos naquele lugar, hoje totalmente irreconhecível para mim, descaracterizado pelas largas avenidas, trânsito intenso e monstruosas estações do metrô. Mas para mim são boas e agradáveis lembranças de um tempo em que a vida era mais amena, a violência não nos oprimia e podíamos ter uma infância feliz, com brincadeiras ao ar livre, com outras crianças e, além de tudo, inocentemente infantís.
Por Zeca Paes Guedes
Foi nesse período que comecei minha vida escolar, numa escola que ficava na Vila Guarani e cujo nome não recordo. Lembro apenas da professora, já com mais de quarenta anos e que se chamava Geni. Ela tinha uma filha que estudava na mesma escola e parecia não gostar de crianças. Não me lembro de vê-la dando um sorriso ou fazendo um elogio. E eu era um excelente aluno, conseguindo sempre as melhores notas! Apenas no comportamento minhas notas eram mais baixas, por eu ser questionador e curioso, o que fazia com que ela sempre me desse alguma bronca.
Perto da escola havia uma igreja católica e foi lá que fiz o curso de catecismo, preparando-me para a primeira comunhão. Não curtia muito as aulas de catecismo - questionava os dogmas e a obrigação de acreditar neles - e costumava cabulá-las e ir, com meus colegas, roubar frutas num quintal que tinha um pomar dos mais completos. Quando minha mãe descobriu minhas faltas, tirou-me do catecismo e acabei não recebendo o sacramento da comunhão naquele ano. No ano seguinte, minha mãe me transferiu para o GEE Almirante Barroso, perto da Igreja de São Judas Tadeu, um pouco mais distante de casa do que a escola anterior. Minha professora era a Dona Gabriela, uma simpatíca septuagenária, com os cabelos azulados e que eu adorava, como se fosse minha vovó. Lembro que era uma boa caminhada a pé, que faziamos eu e meu irmão, todas as manhãs, na ida e na volta. Mas íamos com outros colegas e sempre brincando, sem nenhum dos perigos que rondam hoje a criançada.
As maiores traquinagens que faziamos nesse período era pegar carona nos bondes abertos que circulavam pela avenida em frente à escola e pulando mais adiante, quando eles faziam uma curva não sei para onde. A outra era passar pelo aeroporto, que ficava relativamente perto e cercado de um mato baixo. Faziamos isso quando alguma aula terminava mais cedo. Meus pais apenas descobriram as caronas nos bondes, pois um dia, ao pular, caí e esfolei feio os joelhos e os cotovelos. E o meu irmão deu com a língua nos dentes.
Na Igreja de São Judas Tadeu fiz, pela segunda vez, o curso de catecismo e, no dia anterior à festa da primeira comunhão, ao me confessar pela primeira vez, não menti ao padre e disse que não ia à missa todos os domingos. Por isso ele disse que eu não poderia participar e fui chorando de decepção para casa. À tarde meu pai foi até a igreja conversar com o padre e, no dia seguinte, lá estava eu, com terninho branco, uma fita no braço e uma vela branca nas mãos, fazendo a minha primeira comunhão, feliz da vida. Hoje eu questiono se meu pai realmente conversou com o padre, conseguindo seu consentimento. Ele era ateu e pode perfeitamente ter mentido para me agradar... mas isso eu nunca descobrirei.
Esse dia costumava ser um dia de festa na própria igreja, com doces e refrigerante para a criançada. Mas eu não pude participar, pois minha mãe estava de cama, com a gripe asiática e meu pai – ateu – não quis me acompanhar. Fui e voltei sozinho.
Em frente de casa havia uma mata fechada, se não me engano, um eucalipal, onde diziam os adultos que havia monstros que devoravam crianças. Então, embora sempre curioso para ver o que havia lá dentro, jamais atravessei a rua e não sei o tamanho do tal matagal. Lembro que parecia enorme.
No mesmo quarteirão, todo de casas de dois pavimentos, com casa em cima e comércio embaixo, havia a loja de minha mãe, que vendia fogões a gás (ainda eram novidade na década de 50), uma farmácia na esquina, outras lojas que não lembro o que vendiam e um armazém. O armazém do “Seu” Luiz, pai do Luiz César e da Lígia. Minha mãe fazia as compras de casa lá e as crianças eram nossas amigas. Fizemos muita peraltagem na calçada! Só que tudo isso hoje soa tão esquisito, pois as nossas crianças não costumam mais brincar nas calçadas – e nem podem, devido a violência que as ameaça sempre!
Havia também uma casa, coladinha ao Cine Maringá - onde assistí, entre outros, ao filme Marcelino, Pão e Vinh. Todos os domingos, havia um programa radiofônico de calouros mirins. Não lembro se era uma rádio, um clube, ou outra coisa. Só sei que gostava de ir lá aos domingos pela manhã, para concorrer com as outras crianças, ao prêmio oferecido aos melhores cantores do dia. E acho que cantava bem, pois ganhei vários prêmios! Coisas simples, como jogos de lápis de cor, cadernos ou livros infantís.
Essas são as principais lembranças desse período em que moramos naquele lugar, hoje totalmente irreconhecível para mim, descaracterizado pelas largas avenidas, trânsito intenso e monstruosas estações do metrô. Mas para mim são boas e agradáveis lembranças de um tempo em que a vida era mais amena, a violência não nos oprimia e podíamos ter uma infância feliz, com brincadeiras ao ar livre, com outras crianças e, além de tudo, inocentemente infantís.
Por Zeca Paes Guedes
11 comentários:
Zecamigaço (quanto tempo não inicio um comentário com este carinho)
Feliz com a leitura do seu texto posso afirmar que viajei com você e vi o velho Jabaquara.
Para lá fui muitas vezes, em tempos idos, pagando promessas de minha mãe. Depois de muitos anos, ao sair pela 2a. vez do Bixiga, já casado e com 2 filhas para criar, fui morar no velho Jabaquara (Rua Perobas 115)onde vivi os melhores anos de minha vida.
Abraço amigão, e volte a registrar mais memórias de Sampa no nosso blog.
Caro Zeca, seu texto nos mostra como nossa infância era rica em atividades.
Sempre conto estórias do meu tempo para meus netos. Outro dia ouvi de um deles o seguinte - "Vovó,vou pedir emprestado umas estórias do seu tempo de criança, para eu contar aos meus filhos, porque aqui no Play, não acontece nada interessante"
Um abraço / Bernadete
Olá, Zeca, querido Zeca!
Fico emocionada demais, a cada texto que leio, aqui neste espaço onde todos registram suas memórias, histórias de suas vidas, retratos de São Paulo.
Fiqueimuito feliz e grata por você ter aceito o convite e se juntar a nós, paulistanos que moram fora de sampa, aos que também ainda vivem em nossoa cidade querida.
SObre Jabaquara, também lembro quando íamos à paróquia, em dia de São Judas Tadeu, com minha avó para poder honrar os compromissos com o Santo...tb lembro de casamentos que assisti nesta igreja.
A importância, de hoje, do terminal de Metro Jabaquara e, também, a Rodoviária...nossa...não consigo imaginar São Paulo, hoje, sem estes pontos.
Embora São Paulo antiga fosse mais calma e charmosa, hoje conserva seu charme através de tudo o que ela oferece, mesmo com seus contrastes sociais.
Amo Sampa, meu berço esplêndido.
Obrigada, Zeca.
Queremos mais.
Muita paz! Beijosssssss
Zeca,
que delicioso ler tuas memórias de infância, tuas traquinagens e tuas aventuras, que nessa fase de nossas vidas tem um sabor diferente de perigo imaginário, de momentos que sempre ficarão na nossa memória. Hoje os perigos são reais e a infância está longe de ser a de outrora. São os tempos modernos aos quais temos que nos adptar.
Deliciosa tua narrativa, o que não é uma novidade para quem tem o dom da palavra.
Beijos nostálgicos
Puxa Zeca, você chegou com tudo, sua narrativa me levou de arrastão de volta a um passado muito gostoso. Acho que nossa mocidade foi muito semelhante, graças a você lembrei-me de todos meus professores inclusive Dna. Benedita Alves, uma pessoa santa e minha professora de catecismo. Então agradecido, orei uma Ave Maria por todos eles e também por você. Deus te proteja e obrigado. Não sou um grande escritor, mas sei reconhecer um grande talento. Parabéns e seja muito bem vindo.
Benvindo, Zeca, com seu belo texto narrativo. Conheço relativamente bem essa região do Jabaquara, hoje muito transformada. Provávelmente onde era A Av. Conceição situa-se hoje o Lgo.Conceição, com sua estação de metrô, e dominado por grande conjunto azul dos prédios do Itau. Contorna-o a Av.Armando Arruda Pereira, e dele saiia George Corbusier. Talvez tenha ido uma vez ao Cine Maringá, para ver um show. Mas não estou certo, nem se era mesmo o Maringá. Mutatis mutandis. Aqui tudo muda muito rápido...abraços.
Diz-se falar do passado é viver duas vezes... ow... que bela imagem do passado vc nos trouxe. Boa iniciativa de vcs reviverem a SP antiga. Que legal. Cada mergulho na nossa infância é como resgatar a alice que vive dentro de cada um de nós. Amo e morro de saudades de vc.
Bemvindo a família, Zeca, com uma crônica desta, vc sua tem o dever de continuar a contar estas recordções apaixonadas, de um tempo que é só nosso. Quando vc fala da Igreja de São Judas, lembro quando ia a pé, do Braz ate lá, pagar promessa, com mais dois amigos, Paulo e Rafael, (antigo craque do Corinthians, já falecido). Pagas com a graça recebida, graças a Deus. Bela crônica, Zeca, parabéns.
Amigo Zeca, como você foi feliz! São momentos vividos, como estes que você relata do seu passado, é que ficam para sempre em nossas lembranças. Cada um faz sua historia e você nos mostrou um pedacinho da sua. Seja bem vindo e um grande abraço.
Zeca, parabéns pelo lindo texto, repleto de boas lembranças de um tempo que infelizmente não volta mais, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Zeca, parabéns pelo lindo texto, repleto de boas lembranças de um tempo que infelizmente não volta mais, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
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