sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sob os ponteiros do Mappin

Em Encontro Marcado, Fernando Sabino fala de um apontamento com seus amigos mineiros, para uma data no futuro. Mas, aqui volto ao passado, para lembrar que, se havia algum lugar para encontros marcados, na São Paulo dos anos 60, esse era debaixo do relógio do Mappin, na Praça Ramos.
Quem não já ali esteve, sentindo o pulsar do coração, coincidindo com o estalar dos po
nteiros? Para encontrar a mulher de seus sonhos, ou apenas uma miragem ilusória, ou mesmo- bem que eu soube- num encontro às cegas, e acabava fugindo, ao ver que não era bem aquilo que esperava?
O relógio ocupava-se apenas em marcar as horas e em nada se alterava pelas emoções dos encontros e desencontros, bem debaixo de seu nariz, se nariz tivesse. Ficava-se ali, sempre em ansiedade- ela está demorando - e aproveitava-se para, ao abrigo das marquises, dar uma conferida nos últimos lançamentos de consumo, ainda mais na época da esperada Liquidação -Venha correndo, Mappin!... Ele sabia que um dia isso ia se acabar.
Mas, para ser sincero, comigo ocorreu uma única vez esse tipo de encontro. Cenas de um calendário desbotado, outro século, outro Centro, outra mulher, tudo levado pelo mesmo tempo que o relógio assinalava. Também eu era outra pessoa.
Tudo rodava, como um carrossel tresloucado, muito rapidamente. Desloquei-me também para outras áreas, inclusive sentimentais, movidas agora a automóvel, movido agora a jato. Para longe, cada vez mais longe do Mappin.
O relógio, no entanto, permaneceu. Embora creia que, agora, pouca gente lhe dê aten
ção. E nem marque encontros; os muitos trabalhadores que ainda passam pelo Centro estão mais preocupados em sair dali depressa, pressionados por outra população, bem mais esquecida pela Fortuna. Competindo, ombro a ombro, para sobreviver nas calçadas, debaixo dos toldos da velhas lojas, há muito desaparecidas.
Como o próprio Mappin, sobrevivendo apenas nas memórias dos amantes ali postados, esquecidos do implacável Tempo, simbolizado pela engrenagem suspensa acima. Medindo, secretamente, os minutos contados de cada sonho, cada paixão, cada angústia.
Como o corvo de Poe, empoleirado no portal e repetindo infinitamente:- Nunca, nunca mais...

Por Luiz Saidenberg

8 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Lindo texto Luiz. Nela homenagem ao velho relógio que nos abrigou e acalentou por tantos anos.
Li e lembrei. Foi excelente.

Soninha disse...

Olá, Luiz!

Não só para encontros amorosos o famoso relógio do Mappin servia.
Quantas vezes, marcávamos com colegas de escola e amigos diversos, este local (a marquise do Mappin, sob o relógio), para nos encontrarmos e irmos para outros pontos da cidade. Bibliotecas, consulados e outros tantos setores, para trabalhos escolares, ou, simplesmente, para passear.
Muito legal você ter se reportado a mais este ícone de Sampa.
Valeu, Luiz!
Muita paz!

Zeca disse...

Luiz,
este é mais um texto para ler, reler, relembrar e sentir aquele gostinho nostálgico de um tempo que não volta mais!
Quantos encontros marcados, com amigos, namoradas, conhecidos, para os mais diversos fins!
Até mesmo como orientador, quando queríamos saber a hora certa e não tínhamos muita confiança no relógio que a maioria de nós ostentava no pulso!
E não só o relógio, mas também o prédio eram ponto de referência e de encontro. Não lembro de alguém marcando encontro em frente ao Teatro Municipal, ou mesmo em frente à Light. Mas "em frente ao Mappin" era batata (outra expressão que usávamos naquela época)!
Parabéns por mais este rico e nostálgico texto!
Abraço.

Arthur Miranda disse...

Saidenberg, não tenho mais vocabulário para exaltar suas historias, então vou dizer apenas muito obrigado por me levar de volta ao passado,em torno do velho Mappin, onde diariamente eu fazia hora no horário do meu almoço, quando em 1960 eu trabalhava numa loja da 7 de Abril, e então ainda solteiro paquerava diariamente as balconista do Mappin.

Modesto disse...

Realmente o relógio do Mappin era o "norte" para o paulistano apressado. Sua narrativa, Luiz, trazendo de volta a nossa memória, é gratificante. Quantas lembranças que chega até nós com a simples menção do relógio. Muito obrigado, Saidenberg e parabéns.

margarida disse...

Saidenberg, quantas saudades nos traz! Não só o relógio, mas o Mappin, além de ser um ponto de encontro, era também um ponto de referencia para todos nós.Quando ia ao Centro, ele era o ponto base de locomoção para os outros lugares da cidade. Seu texto está maravilhoso. Um abraço.

Leoneloo Tesser (Nelinho). disse...

Luiz, emocionante texto! o relógio até a pouco esteve inativo, voltou agora a funcionar para marcar as horas que já passaram e não voltam mais, parabéns, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

Wilson Natale disse...

Saidenberg,
Tempinho bom, não é mesmo?
"Tá marcado! Encontre-me a 20:00hs, sob o relógio do Mappin"... Incontáveis vezes eu repetí essa frase!
E, quantas vezes, este Office Boy adolescente ia à porta do Mappin viver o supra-sumo do erotismo: Olhar as vendedoras peitudas que ficavam às bancas de saldo de sutiãs e langeries...(risos)
Abração,
Natale