
Na cozinha, a mãe e a avó se esmeravam naquele fabuloso lanche de sempre. Na sala, já meio extenuados por tantas brincadeiras, meu neto e eu sucumbíamos ante um belo e reconfortante sono. Claro, depois de tantas cabeçadas e dores fingidas, amenas mordidas, ( favor não confundir com menos mordidas), risos e gargalhadas só nos restava cair no sono e assim, nós dois nos enroscamos, em brinquedos, lençóis e xales e como dizíamos antigamente, “capotamos”.
Somos dotados de um dom maior e através do sonho e da imaginação viajamos no tempo e no espaço, rompemos barreiras e nos tornamos senhores únicos de tudo o que acontece à nossa volta e naquele sonho, liguei minha super nave e alcei vôo onde piloto e co piloto - cérebro e coração – tomaram assento e fomos os dois, o neto e eu, entre os brancos flocos de nuvens dar uma pequena volta, pois queria lhe mostrar coisas, ensinar-lhe algo..
E fomos. Ele tinha muito mais que seus 11 meses de agora, talvez cinco, seis, sete anos, sei lá, falava e perguntava como todos as crianças dessa idade que são movidos a comos e por quês. Eu o levava às costas, como super herói presente e inteiramente respondante.
Saímos da sua casa e a primeira parada foi Interlagos. Mostrei do alto o Autódromo, descrevi o traçado velho, voamos pelo Laranjinha, pela Ferradura, pelo bico do pato e o coloquei no podium, lá no alto. Não teve champ

Ali é o Pacaembu onde a gente assistia jogo de futebol. Era mais bonito que agora, tinha uma certa arte e eu vinha com meu pai quase todo domingo. Às vezes vinha feliz e voltava feliz, às vezes nem tanto, afinal eu comecei vir aqui em 1960 e desde esse ano até 1977, eu li e ouvi coisas não muito

Por aqui a gente chega no centro da cidade. Aquela ponte enorme não é uma ponte é um elevado que todos chamam de Minhocão. Passamos na av São João e chegamos na Praça da Sé. Porque chama praça da Sé ? Vai ver que erraram o nome e queriam homenagear teu avô e chamar de Praça do Zé, mas alguém errou a grafia e ficou por isso mesmo. Ali naquela igrejinha pequena é que nasceu a cidade. Chama Pátio do Colégio. Você nota que as ruas são estreitas como uma cidade do interior. São Paulo também foi pequena, foi crescendo, crescendo e hoje é como está hoje. Lembra que eu falei quando a gente passou pela Av Paulista, ? Aqui era o centro financeiro da cidade. Nesta rua, Boa Vista e naquela , XV de Novembro ficavam os bancos e sempre que a gente tinha que pagar contas vinha pra cá. Aqui é o Mosteiro de São Bento, algum dia eu te trago para a gente ver uma missa você vai ver que linda. Aquele é o Viaduto Santa Efigênia. Todo ele feito em ferro e cruzando o Vale do Anhangabaú.
Está vendo aquele outro ali adiante ? É o viaduto do Chá. Tem esse nome porque tinha uma plantação de chá, oras. Aqui em baixo passava o Rio Anhangabaú e de vez em quando, quando chove muito ele enche e enche a gente também( ainda ). Ali é a igreja Santa Efigênia. Puxa quanta igreja junta, você vai me perguntar ? É que o pessoal era bem mais católico que agora. Agora só tem outro tipo de igreja. Aqui é o Largo do Paissandu, e tome outra igreja. Aqui na Conselheiro Crispiniano ficava o quartel do exercito, onde este teu avô cismou um dia, por volta de 65 /66 de enfrentar alguns soldados e descobrir que eles corriam mais que a gente e batiam sem dó. Passamos no Viaduto do Chá que eu já mostrei e olha o Santa Efigênia lá adiante, lembra? Esta é a rua Direita. Ta bom eu sei o que você vai perguntar mas nem pergunte, eu também não sei. Ah, veja que interessante, ali é o Largo do Café , café, Café...café. Sonho e realidade se confundem e a Silvia me acorda para o café. Acordei, levantei e fui. Não sem antes dar uma olhada pro meu neto espalhado, largado, braços abertos, dormindo um tranqüilo e abençoado sono.
Pudera com tanto que voamos, com tanta informação, com tantos e perguntantes por quês, só podia dar nesse cansaço só.
Tomando café, me deparei olhando o vazio. E me vi, um dia, como um intruso carona, carregando uma doce inveja ou amarga lembrança, imaginando meu neto, assim como meu avô fez comigo, como meu pai fez com meu filho, como eu farei com ele um dia, este pequenino ser dará um passeio fabuloso com seu próprio neto. E nesse dia, São Paulo, esta querida São Paulo, voltará a ser a terra da garoa, com suas ruas e calçadas úmidas pela garoa que meus olhos teimosamente insistirão em derramar.
Por José Carlos Munhoz Navarro
10 comentários:
Olá, José Carlos!
Viajamos com você e com seu neto, nesta sua viagem fantástica por Sampa.
Que incrivel!
A nave pousou, mas, tenho certeza que você queria continuar sua viagem com seu netinho.
Muito bom!
Valeu, José Carlos!
Muita paz!
Viajar dessa forma é um privilégio que só os escolhidos conseguem.
Ver Sampa das alturas em companhia de um ser querido é muito mais emocionante.
Faça novos voos e nos conte, por favor.
Navarro, desculpe, sem sua prévia "autorização" peguei "carona" nessa sua viagem astral, como avô também senti o prazer que você também sentiu, parabéns pelo texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Navarro, que delícia de texto! Que viagem fantástica! E que super avô hein!!!
Um abração / Bernadete
Navarro,passear é tudo de bom, mas fazer um passeio para conhecer esta cidade maravilhosa guiado por este fantastico vovô, fica melhor ainda!Um grande beijo e parabéns pelo belissimo texto sobre a cidade de São Paulo.
Navarro, queria ter um avô assim, obrigado graças ao seu conto (que na realidade é Um Conto e Quinhentos,) Eu voltei a infancia e juntei-me a vocês nesse passeio pela maior e melhor cidade do Brasil.
Navarro, viajamos todos com seu texto; privilégio para poucos é poder "viajar" assim com o neto. Maior privilégio é ter neto para viajar junto. Abraços.
Nada melhor que mergulhar no fantástico mundo da fantazia, onde tudo é permitido. Se vc. não sabe, seu neto viajou de verdade nos teus sonhos, não pode falar, ainda mas, um dia ele vai te retribuir e agradecer pelo belo passeio. Sem saber por que, ele se sentirá feliz em retribuir, dizendo a si mesmo: como o vô foi bom pra mim, não sei por que mas, amo demais esse vovô. Parabéns, Navarro.
Benvindo, Navarro, com sua fina- e rara- prosa. Este texto não fugiria a esta regra, escrito com esmero e sentimento. Belo tour virtual por uma São Paulo infelizmente mais bela na imaginação que, como disse o poeta, na realidade concreta de suas esquinas. Não pretendo, se os tiver, levar meus netos a passear pelo Centrão. Nem eu mesmo tenho a mínima vontade de lá voltar, após nossa reunião- Miguel, Lopomo e eu-no Ponto Chic, com a reportagem da Folha. Pobre Centrão ! Abraços.
Xará,
gostei demais dessa viagem que me levou, como clandestino, pelos principais pontos dessa cidade que, gostemos ou não, será sempre o nosso principal ponto de referência.
E como disse a Marcia, melhor do que ter o privilégio de ser clandestino numa viagem dessas, o maior privilégio mesmo é ter um neto pra levar junto!
Parabéns, vovô.
Abraço.
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