segunda-feira, 26 de julho de 2010

As Quermesses da Achiropita

Lembro-me com saudades das festas da padroeira do 'Bixiga'. O mês, era agosto. O ano, não sei. Já faz muito tempo.
A rua Treze de Maio, enfeitada com arcos e bandeirolas, faixas de boas vindas e homenagens à santa de devoção de muitos dos moradores. Barracas de comidas típicas italianas, quitutes e outras guloseimas, apinhavam-se ao longo das calçadas e próximas da igreja 'matriz' do bairro.
Algumas prendas eram sorteadas através de uma enorme roleta numerada e, ao vencedor, consistia um pequeno prêmio, simples lembrança pela participação na festa. Outras, através do jogo de argolas ou bolas atiradas nas latas, que ficavam em uma prateleira de madeira. Todas as tentativas bem sucedidas davam direito a um prêmio, lembrança da festa que, por vezes, consistia em um vaso de porcelana, brinquedos, ou um doce.
As pessoas se aglomeravam num vai-e-vem pela rua e as crianças corriam de um canto a outro num algazarra sem fim. Meninas já quase mocinhas, exibiam-se em seus vestidinhos rodados de tule ou tafetá, por vezes lisos ou com suaves estampas, com grandes laços traseiros e travessas presas aos cabelos. Sapatinhos de salto baixo e meias lisas. Algumas até usavam luvas em suas mãozinhas.
Os meninos, alguns com suas calças curtas, presas aos suspensórios, isso para os pequenos pois, os maiores, já usavam calças compridas e camisas com jaquetas e tomavam a pose característica a la 'James Dean', como se rebeldes sem uma causa j
usta fossem.
Alguns deles, mal comportados, eram quem promoviam algumas confusões que terminavam em brigas e, dentre os sopapos dados e recebidos, tudo acabava na mais perfeita ordem, depois que a turma do 'deixa disso' entrava ou algum pai mais zeloso acudia para o fim da contenda. No mais, tudo era festa e alegria.
A festa era sempre precedida de uma missa solene com a apresentação da padroeira que, em procissão pelas ruas do bairro, puxava um séquito de fiéis que, entoando hinos de louvores, serpenteavam as ruas do bairro e em devoção, os fiéis cantavam e rezavam durante o seu percurso.
Homens e mulheres com trajes elegantes, senhoras com suas proles, viúvas ainda envergando o luto fechado e as 'conchetas', velhas senhoras que ali estão para observar o indiscreto decote das menos puritanas e para colocar as fofocas em pauta.
De tudo se via na quermesse. Início de novos romances, desilusões de amores acabados, a moça da barraca da 'maçã do amor', o carrinho de pipoca e o baleiro vendendo balas, paçocas, pés-de-moleques, chicletes e drops 'Dulcora', embalados um a um.

Por vezes, a noite era tipicamente fria de um quase final de inverno e, por vezes, chovia mas, isso não conseguia tirar o brilho da festa.
Eu e minha turma do bairro nos divertíamos a valer e, por vezes, até conseguíamos uma namoradinha para 'ficarmos' durante o efêmero momento.
Num determinado momento, podia-se apreciar um 'paisano' tocar sua inseparável sanfona, entoando belas canções napolitanas que remetiam as saudades da velha Itália. Eram tarantelas ou velhas canções românticas que faziam os 'nonos piangerem' de nostalgia. Mas, tudo acabava bem quando alguém, com toda a força dos pulmões gritava: 'Andiamo, tutti. Andiamo a mangiare una belíssima pasta...' Era a hora sagrada da boa e
suculenta macarronada ao molho à 'bolognesi'.
Assim eram as quermesses da Acchiropita. Festa de gente simples e bonita. Festa de fé e alegrias. Festa de encontros e de despedidas. Eu, me despedi da quermesse da Acchiropita há muitos anos mas, consegui trazer um singela lembrança. Um galo de porcelana, com pintura bizarra que ganhei na roleta da sorte e que hoje já não existe mais.
Um dia volto para tentar ganhar outro galo ou outra prenda qualquer.

Por Nelson Assis

8 comentários:

Soninha disse...

Olá, Nelso, prezado amigo!

Que alegria ter seu texto!
Arre...estava faltando.
Legal as festas italianas, que são tão tradicionais em Sampa.
A festa de Nossa Senhora da Achiropita é maravilhosa. Tive a oportunidade de participar de algumas e posso dizer que gostava mais das antigas. Esta de hoje são muito lotadas, mas, super importantes para Sampa, com certeza.
O fim assistencial que a igreja promove vale pelo esforço e por tudo o que a festa traz.
Valeu, Nelson.
Obrigada.
Mande-nos mais, ok?!
Excelente semana. Muita paz!

Zeca disse...

Olá, Nelson!
A lembrança das deliciosas festas da Achiropita me remeteu a outras, quando morei em Guarulhos e que, embora menos concorridas que esta, marcaram a minha juventude e as minhas lembranças. Um dia ainda as contarei aqui.
Seu texto é tão bom que, sem titubear, entrei nele e viajei para épocas passadas em que não me permitia perder nenhuma dessas festas. Afinal, entre todos os lugares onde morei, o Bixiga foi o último da minha mocidade e entrada em minha maturidade!
Só posso parabenizá-lo por um texto tão suculento quanto a macarronada da Achiropita, que me trouxe tantas e tão gostosas recordações.
Abraço.

Modesto disse...

Oi, Nelsão, é com muito prazer e alegria que deparo com um texto seu. Nos "domínios" do "Memórias de Sampa", o Miguel e a Sonia conseguiram sintetisar nosso objetivo que é o de estreitar ainda mais, nossa já consagrada e sólida amizade. Sua narrativa, como sempre riquíssima em detalhes te confere o título de o mais nobre escritor. Parabéns, Assis.

margarida disse...

Nelson, seu texto me fez sonhar com esta linda festa da Achiropita. Elas foram e continuam sendo importantes para São Paulo, era esperada por muita gente e nela acontecia de tudo. Hoje ela é super lotada, mas continua alegrando todos que adoram comer com fartura e procuram momentos de lazer.Foi um prazer ler seu texto. Um abraço.

Miguel S. G. Chammas disse...

Nelson mewu amigo bixiguiano, já lá se vão os tempos que vc narrou em seu texto. Eram realmente memoráveis.
Hopje, conforme pude provar e contar em texto do ano passado, as barracas já não são as mesmas, a gente pobre quase não tem mais luigar, as prendas são grandes e caras e na maior parte das vezes sorteadas no grande sal~~ao restaurante que agora existe e é explorado pela congregação.
No entanto, a alegria ainda se faz presente e, claro, a taranmtela é mujito cantada e dançada.
Gracie a Dio!

Unknown disse...

Nelson, no tempo que morei em Sampa, nunca pude comparecer à essa linda e famosa festa da comunidade italiana. O Sr.Pedroso, era muito severo, e não permitia incursões das filhas,além do pontilhão da Penha. Hoje lendo seu texto, tive a noção exata de tudo que perdi.
Adorei seu relato.
Um abraço / Bernadete Pedroso

Arthur Miranda disse...

Nelson, volte urgente a participar das Festas da Achiropita, tente ganhar uma galinha, junte com o seu galo de pintura bizarra, e crie uns pintos bizaros ou ovos mais bizarros ainda, e Continue escrevendo essas lindas historias, que transportam a gente para um passado não tão distante e muito gostoso. Parabéns.

MLopomo disse...

Estive hoje na Rua 13 de maio 361, bem próximo a igreja da Achiropita, na exposição de fotos de Antonio Aguilar, e as barracas estavam sento construídas. Começa sábado o festão do Bixiga.