Praça Júlio Mesquita – Teatro Natal, ano 1965, eu encabeçava, juntamente com o saudoso Lilíco, um grande elenco de atores, atrizes e vedetes como Wilsa Carla, Brigite Darling, Celeste Aída, Regina Day, Geraldo Gambôa, Paulinho Corrêa, Chaguinhas, entre outros.
A Revista musical tinha por título “O Negocio é Mexer”, do também saudoso autor, Luiz Felipe Magalhães (Almirante), apelido este devido ser essa a sua patente militar, antes de entrar para a reserva.
Ao lado, na mesma praça, estava o Teatro Esplanada, apresentando um espetáculo musical super inédito no cenário artístico brasileiro, o famoso “Le Girls”, que estreava em São Paulo depois de um enorme sucesso no Rio de Janeiro, com a participação dos travestis mais famosos e badalados da época, Jean Jaques, Carlos Gil, Marquesa, e a estrelíssima Rogéria.
Mesmo vivendo o começo do seu fim, o Teatro de Revista e o Burlesco ainda atraiam muitos fãs e, com a estréia de Le Girls, a Praça Júlio Mesquita estava revivendo seus grandes momentos.
Após os espetáculos, os elencos de vários shows de teatro juntavam-se no Antigo Restaurante PAPAI da Praça, trocando idéias e batendo papo. Na realidade, apenas fazendo hora e aguardando o momento para caminhar para mais um trabalho nas Boates da cidade.
Certa noite, numa badaladas destas, estávamos em frente ao Edifício Século XX (famoso Treme-Treme) na época, ao lado do Restaurante Papai, conversando e aguardando o horário para os nossos shows em boates. O espaço embaixo das marquises do Século XX era utilizado por mendigos e sem tetos como refúgio noturno. Estávamos no mês de Julho, o frio e uma garoa gelada que sempre caracterizou São Paulo, assolava a todos. Penalizado com a situação de um sem teto, deitado no chão frio, sem nenhuma proteção ou agasalho, deixei o papo com o grupo, me aproximei do homem no chão e ofereci meu paletó de lã, que eu usava para interpretar um caipira no show, juntamente com o cômico Lilico fazíamos na Boate Lá Vie Rose na Major Sertório. Cobri carinhosamente o sem teto e entreguei a ele um copo plástico, contendo café com leite mais um misto quente, que mandei comprar para ele.
Fiquei de longe, vendo aquele homem sofrido, bebendo seu café com leite e comendo aquele pequeno sanduíche, me sentindo compensado e muito feliz interiormente por ter tomado a atitude que tomei.
Porem, foi exatamente quando eu desfrutava do meu melhor momento de felicidade, que aconteceu o inesperado. Outro mendigo, que deve ter assistido a cena e por inveja, ciúmes ou mesmo alguma rixa, chegou apoiado em uma muleta e começou a fazer xixi em cima do sanduíche e do paletó que eu acabara de doar ao pobre coitado que estava sentado comendo.
Fiquei revoltado, ofendido, tomei as dores e fui falar com o atrevido malvado.
- Cara qual é a tua e por que fazer xixi em cima do coitado?
Ele sempre apoiado na muleta, me respondeu: - Eu faço mesmo e daí?
Eu, revoltado, mesmo notando que se tratava de um deficiente físico, retruquei:
- Me dá uma vontade de te dar uma bordoada.
E ele bem na minha frente falou.
-Dá...
- E eu dei, sem dó. Peguei a maleta que eu sempre carregava com as roupas para o Show e joguei na cara do infeliz (com a mesma violência que o Felipe Melo pisou no holandês, antes de ser expulso, no jogo da Copa); ele caiu, com o sangue escorrendo do seu supercílio.
Nessa altura, os amigos deram um chega pra lá, me levaram para dentro do Restaurante e eu muito desolado, com muito receio e remorso por ter agredido um deficiente físico.
Nesse momento, notei que havia um alvoroço e um corre-corre lá fora, na Praça. Era o “deficiente” com a muleta nas mãos, andando de um lado para o outro, me procurando. O Lilico, gozador, gritando na praça:
- Milagre! A mala do Arthur é milagrosa! Fez o deficiente andar! Milagre ! Milagre! Milagre!
Não é que o malandro não era deficiente coisa nenhuma.
Melhor assim; fiquei com a consciência menos pesada.
Por Arthur Miranda (tutu)
A Revista musical tinha por título “O Negocio é Mexer”, do também saudoso autor, Luiz Felipe Magalhães (Almirante), apelido este devido ser essa a sua patente militar, antes de entrar para a reserva.
Ao lado, na mesma praça, estava o Teatro Esplanada, apresentando um espetáculo musical super inédito no cenário artístico brasileiro, o famoso “Le Girls”, que estreava em São Paulo depois de um enorme sucesso no Rio de Janeiro, com a participação dos travestis mais famosos e badalados da época, Jean Jaques, Carlos Gil, Marquesa, e a estrelíssima Rogéria.
Mesmo vivendo o começo do seu fim, o Teatro de Revista e o Burlesco ainda atraiam muitos fãs e, com a estréia de Le Girls, a Praça Júlio Mesquita estava revivendo seus grandes momentos.
Após os espetáculos, os elencos de vários shows de teatro juntavam-se no Antigo Restaurante PAPAI da Praça, trocando idéias e batendo papo. Na realidade, apenas fazendo hora e aguardando o momento para caminhar para mais um trabalho nas Boates da cidade.
Certa noite, numa badaladas destas, estávamos em frente ao Edifício Século XX (famoso Treme-Treme) na época, ao lado do Restaurante Papai, conversando e aguardando o horário para os nossos shows em boates. O espaço embaixo das marquises do Século XX era utilizado por mendigos e sem tetos como refúgio noturno. Estávamos no mês de Julho, o frio e uma garoa gelada que sempre caracterizou São Paulo, assolava a todos. Penalizado com a situação de um sem teto, deitado no chão frio, sem nenhuma proteção ou agasalho, deixei o papo com o grupo, me aproximei do homem no chão e ofereci meu paletó de lã, que eu usava para interpretar um caipira no show, juntamente com o cômico Lilico fazíamos na Boate Lá Vie Rose na Major Sertório. Cobri carinhosamente o sem teto e entreguei a ele um copo plástico, contendo café com leite mais um misto quente, que mandei comprar para ele.
Fiquei de longe, vendo aquele homem sofrido, bebendo seu café com leite e comendo aquele pequeno sanduíche, me sentindo compensado e muito feliz interiormente por ter tomado a atitude que tomei.
Porem, foi exatamente quando eu desfrutava do meu melhor momento de felicidade, que aconteceu o inesperado. Outro mendigo, que deve ter assistido a cena e por inveja, ciúmes ou mesmo alguma rixa, chegou apoiado em uma muleta e começou a fazer xixi em cima do sanduíche e do paletó que eu acabara de doar ao pobre coitado que estava sentado comendo.
Fiquei revoltado, ofendido, tomei as dores e fui falar com o atrevido malvado.
- Cara qual é a tua e por que fazer xixi em cima do coitado?
Ele sempre apoiado na muleta, me respondeu: - Eu faço mesmo e daí?
Eu, revoltado, mesmo notando que se tratava de um deficiente físico, retruquei:
- Me dá uma vontade de te dar uma bordoada.
E ele bem na minha frente falou.
-Dá...
- E eu dei, sem dó. Peguei a maleta que eu sempre carregava com as roupas para o Show e joguei na cara do infeliz (com a mesma violência que o Felipe Melo pisou no holandês, antes de ser expulso, no jogo da Copa); ele caiu, com o sangue escorrendo do seu supercílio.
Nessa altura, os amigos deram um chega pra lá, me levaram para dentro do Restaurante e eu muito desolado, com muito receio e remorso por ter agredido um deficiente físico.
Nesse momento, notei que havia um alvoroço e um corre-corre lá fora, na Praça. Era o “deficiente” com a muleta nas mãos, andando de um lado para o outro, me procurando. O Lilico, gozador, gritando na praça:
- Milagre! A mala do Arthur é milagrosa! Fez o deficiente andar! Milagre ! Milagre! Milagre!
Não é que o malandro não era deficiente coisa nenhuma.
Melhor assim; fiquei com a consciência menos pesada.
Por Arthur Miranda (tutu)
11 comentários:
Olá, Arthur!
Como sempre, seus textos nos divertem muito.
Que história incrivel! Além de nos divertirmos, podemos saber mais de sua trajetória artística e dos muitos companheiros seus, que trazemos na memória e sentimos saudade.
Bacana mesmo!
Valeu, Arthur!
Obrigada.
Muita paz!
Tutu, mais um texto bem movimentado e pitoresco, como o seu passado artístico, rico e invejável. E terminando com uma bela ação. Parabéns!
Arthur, muito legal você usar esse espaço para nos brindar com textos bem humorados.
Um abraço / Bernadete
Querido Arthur, mais uma versão da realidade crua a cruzar com quem tinha a existência toda voltada para a virtualidade. Descrita com muita sabedoria, traindo um conhecimento profundo do que é sofrimento, sua sencibilidade foi despertada por sentimentos humanos. Parabéns pelo texto e pelo gesto. Vc. é, no mínimo, nobre, Miranda.
Tutu, áureos tempos aqueles, eu, além do Papai, costumava ir muito ao Moraes na calçada fronteiriça ao Teatro Natal deliciar-me com um filezão acompanhado de uma salada de agrião.
Só não consigo acreditar que vc foi tão ou mais violento que o Felipe Melo.
Menos, meu amigo, menos.......
Tutu,espertos é que não faltam aqui nesta nossa terrinha. Esse falso muleteiro ainda bem que levou uma lição merecida.Um abraço..
Tutu, acho que você agiu acertadamente, ninguém tem o direito de tripudiar sôbre a desgraça dos outros, parabéns pelo texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Pitoresca- e picaresca- aventura, caro Arthur. Além de ser ator e comediante de primeira, vc mostrou que nem tudo na vida pode ser levado na brincadeira. Compaixão e decisão, na hora certa, são fundamentais. Meus parabéns.
Arthur, parabéns pelo texto e pela atitude. Fora o fato de me trazer lembranças do restaurante do Papai na Praça da Sé, onde meus pais me levavam uma vez por mês, para saborear a deliciosa pizza de lá. Um abraço.
Arthur, meus respeitos por tudo que foi descrito neste belíssimo texto! Pelos artistas, pelo Artista que você foi(É), pela nobreza do gesto, nada embaçada pela violência (duvido que tenha sido como a do F.Melo!), já que esta foi em defesa de alguém que se mostrava necessitado de atenção e proteção. E também pela menção a lugares da nossa Sampa, que trago na memória e que revisitei através da leitura do teu texto!
Abraço.
Fiquei admirada com tal estoria e tambem saudosa pois o gerente do Restaurante do Papai foi meu padrasto Renato ou Reinaldo tambem conhecido como Baixinho ! Ele sempre trazia pizzas que sobrava durante a madrugada e era uma festa, na decada de 60-70 era muito dificil comer pizzas e tinhamos esse previlegio. Uma vez por mes ele levava minha mãe e nos para jantarmos, adorava comer bife a parmegiana. O dono era o ator de cinema Mario Bevenutte. Saudades...
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