quinta-feira, 29 de julho de 2010

Memórias de um noveleiro

As novelas estão na minha cabeça desde garoto 1950, quando a febre das
novelas de rádio já estavam no ar há 10 anos, aproximadamente. A rádio que mais tinha novelas era a radio São Paulo PRA-5, do grupo Emissoras Unidas, de
propriedade de Paulo Machado de Carvalho. Tinha novelas desde manhã até a tarde, uma depois da outra. O horário preferido das mulheres era o das 14 horas, pelo
fato de as donas de casa já terem feito o almoço, a família ter almoçado e ter a louça lavada. Para elas, o horário das 14 horas era sagrado. O destaque dessas novelas, além de Odair Marzano, era Geraldo Cunha, nosso vizinho do Itaim Bibi.
Para nós, garotos, era uma coisa boa, pois ficávamos na Rua do Porto, jogando
bola, livres dos olhares de nossas mães. Bastava ouvirmos a trilha sonora das
novelas das duas para ficarmos a vontade. Depois, voltávamos a ficar alertas às
três horas da tarde, pelo cheiro do álcool que queimava na espiriteira,
fervendo o leite do café para o lanche da tarde e íamos para onde estivéssemos mais perto. Quando minha mãe ia me chama na rua e não me encontrava, logo sabia que eu deveria estar na casa do Dudu, onde dona Izolina, sia mãe, fazia
questão que entrássemos para tomar café com bolachas e bolo de fubá.
Quando a noite chegava, já de banho tomado, ouvíamos mais novelas,
agora na rádio Cultura, depois do programa sequência das seis, um programa
humorístico do qual fazia parte Ronald Golias, do grupo de Aqualoucos. As
novelas das 19 horas eram escritas por Fernando Baleronni, que também
participava fazendo algum personagem. Baleroni era um dos mais notáveis
escritores de novelas e tinha a participação de sua esposa Laura Cardoso.
Com o tempo, as novelas foram parar na Televisão e a primeira experiência veio com
a novela escrita por Walter Foster produto do rádio, que escreveu "Sua vida
me pertence", novela que não era diária; Não me lembro se ia ao ar duas ou
três ve
zes por semana. Essa novela ficou famosa pelo fato de Walter Foster
ter encostado seu lábio nos de Vida Alves, o que escandalizou a sociedade
hipócrita e entrou para a história como o primeiro beijo na televisão. No rádio as
novelas não tinham o brilho dos anos 1940-50. A rádio Bandeirantes, outra
emissora que também tinha seu elenco de rádio teatro nos anos 1950, ainda
tentou fazer uma novela em sua programação da tarde, com o texto "Maria sem
Deus", inclusive com a participação de Moraes Sarmento, mas, não foi adiante.
Quem deu o pontapé inicial nas novelas da TV foi a extinta TV Excelsior. Salvo engano, foi em 1963 a primeira novela diária na televisão, o
título era um número de telefone chamando. Depois veio “Ambição”, a seguir "A
moça que veio de longe”, onde surgiu a bela Rosa Maria Murtinho e o galã de
cinema Helio Souto, em 1965, “A Deusa vencida”, onde surgiu uma moça que, até
então, era propagandista do creme dental Kolynos, Regina Duarte. Daí para

frente, era uma depois da outra, até chegar em Redenção, a novela mais longa
de todas já apresentadas. Mais de dois anos no ar, com mais de 400
capítulos, escrito por Raimundo Lopes, com direção de Dionísio Azevedo,
Waldemar de Mores e Reinaldo Boury.
Era um tempo que ninguém marcava nenhum compromisso no horário das novelas da TV Excelsior, que começava às 19hs. Era uma novela que falava de uma cidade de nome Redenção, em que o prefeito era Juvenal, interpretado por Rodolfo Maier,
tendo como companheira Lola, (Márcia Real), a filha Marisa (Lurdes Rocha) o
médico Dr. Fernando Silveira (Francisco Cuoco) que se apaixonou por Ângela
(Mirian Meller), filha do sapateiro italiano Carlo, interpretado por
Vicente Leporace e sua esposa que era interpretado por Lélia Abramo.
Mas, o forte da novela era a fofoqueira dona Maroca (Aparecida Baxter), que
virou sinônimo das mulheres que faziam fuxico.
A TV Tupi passou também a concorrer forte com a Excelsior, apresentando
novelas de bom texto, que procurava mostra as facetas de imigrantes ,
portugueses e italianos, “Antonio Maria”, com Sérgio Cardoso interpretando um
português, e “Nino o italianinho”, com Juca de Oliveira.
Concorrendo com a TV Excelsior em uma novela longa, a Tupi mostrou "O Direito de Nascer", um texto de autor Cubano, que fazia parte das novelas
radiofônicas dos anos 1950. Para o papel de Albertinho Limonta, foi escolhido

Hamilton Fernandes e sua mãe preta, Mamãe Dolores (Isaura Bruno), e a
participação de vários atores de primeira linha como Rolando Boldrin, Luiz
Gustavo, Natalia Timberg. Essa novela ficou quase um ano no ar.
Com a extinção da TV Excelsior, a TV Globo, praticamente iniciante com cinco
anos de vida, já vinha apresentando suas novelas sem muita audiência. Em 1969
estava no ar "Véu de Noiva", um texto de Nelson Rodrigues, e o “Cheik de
Agadir”. A partir de 1970 com a contratação do casal Dias Gomes e Janete
Clair, a Globo encampou as novelas e passou a apresentar às 20 horas, que ficou
denominada, por muitos anos, como novela das oito. Ainda hoje é assim, mesmo começando às 21 horas, a população menciona “novela das oito” em vez de dizer novela das nove. No começo, era uma coisa de louco, hoje parece que o povo já se encheu das novelas. Pelo menos é que vejo nos boletins do IBOPE, a queda da audiência.

Por Mário Lopomo

10 comentários:

Soninha disse...

Olá, Mário!

Realmente, as novelas estão enraizadas na cultura de nosso povo.
Em todos os tempos, pessoas de todas as idades, tem o hábito de acompanhar as novelas, como se isso fosse parte de suas vidas.
Hoje, os Reality Shows,do tipo Big Brothers, tem índices incríveis de audiência...
Tende a se transfirmar em cultural, mesmo.
Mas, seu texto me fez lembrar de minha mãe, quando éramos pequeninos, ela nos fazia dormir à tarde, perto dela, enquanto passava as roupas, ficava ouvindo suas novelas pelo rádio.
Valeu, Mário.
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Mario,
perfeita retrospectiva das novelas no nosso Brasil ilililil.
Na ultima Rodada de Redondas com Autores Redondos ou Não, eu, o Arthur, o Nelinho e o Laer, lembravamos de coisas passadas e eu fiz questão de imitar o Waldemar Ciglione com a frase dita por ele durante uma eternidade de anos, que era: "...Meu inesquecivel amor...no programa Cartas de Amor da Radio São Paulo.

Luiz Saidenberg disse...

A última novela que acompanhamos em casa foi Vamp, em priscas eras. E isto só por ser uma gozação. De resto, passamos longe do Tlim, Tlim, da Globo.

Zeca disse...

Mário,
com seu excelente texto, você nos trouxe a lembrança de parte da nossa cultura noveleira, que nos acompanha há mais de meio século! Lembro de, ainda pequenino, enquanto brincava "quieto, sem fazer barulho", ouvir novelas no rádio, tanto após o almoço, quanto após o jantar. E, pelo menos de Redenção pra cá, ninguém em casa ficou imune às novelas da TV.
Hoje estou acompanhando "Escrito nas estrelas", mais por interesse pelo assunto do que pelos "encantos" da novela, que é bem água com açúcar. Mas, pelo menos, não abusa de situações de sensualidade. E tenho visto "Tititi", mais por curiosidade para ver como tratarão um texto de mais de trinta anos. Só não sei se continuarei vendo-as por muito tempo.
Embora possa me considerar um noveleiro incorrigível, confesso que nos últimos anos tenho me sentido cansado delas, pois parece que acabou a criatividade dos autores, principalmente pelas imposições infindáveis do merchandising e da exposição de corpos e de sexo que têm se tornado a marca registrada desse gênero ultimamente.
Obrigado por dividir conosco mais este belo texto!
Abraço.

Arthur Miranda disse...

Mario, belíssima narrativa. grande parte dessa historia eu acompanhei bem de pertinho não em casa mas nos estudios e corredores das Rádios e das televisões principalmente da Tupi e Excelsior,Hoje em dia a muito não vejo novelas, alias a muito não vejo programas dos canais Abertos prefiro GNT- DISCOVERY - Enfim coisas da SKY. Mas realmente você focalizou uma época de ouro do Rádio e da TV. Parabéns .

Modesto disse...

Fenomenal descrição das épocas do maior passatempo de várias gerações: a radionevela. Em casa, predominava o fator feminino, minhas cinco irmãs, com exceção da menor, Joana, hoje, falecida, trabalhavam em casa então, pode-se avaliar o tempo pra ouvir música. Era com outro rádio, pra se ouvir "Parada de Sucessos" ou óperas e música sinfônica pela Gazeta. Eu me contentava com o Zorro,"aiooo Silver". Mario, sem querer corrigir, acho que vc. esqueceu de mencionar a novela que deu sinal de partida pela modernização das telenovelas, falo do "Beto Rockfeller", pela Tupy, com Luiz Gustavo, (atuando até hoje), um sucesso sem precedente.
Parabéns, Tomate, sua memória é impressionante.

margarida disse...

Mario, minha mãe com tantos filhos não tinha muito tempo para ficar ouvindo novelas, mas sei que ela gostava. Muitas vezes à noite, antes de meu pai chegar, ela acompanhava pelo radio.
Na época da televisão, meu pai é quem controlava os programas, assim não ficamos viciados em novelas. Hoje em dia estou noveleira, assisto Escrito nas Estrelas e Passione às vezes. Gosto do assunto da novela das seis e me encanto com a das nove, vendo minha cidade e parte da bela Itália.
Parabéns pelo seu texto.

MLopomo disse...

Modesto. Você tem razão Beto Rokfeller realmente foi um marco em termos de novelas. Ela mostrou o lado alegre,o que fez muita gente rir, o que não acontecia com as outras que eram mais para lagrimas.Boa lembrança.

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Mário, me lembro bem da novela "O direito de Nascer", lá em casa na hora dessa história não se podia conversar, boa lembrança, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

Wilson Natale disse...

Lopomo,
Rádio São Paulo, a vóz amiga em seu lar...
Em casa, mamãe e vovó não gostavam de novelas. Adoravam sim, radio-teatro (começava e acabava no mesmo dia), como o rádio-teatro do Manuel Durães.
As nossas vizinhas adoravam! Ouviam novelas a todo o volume. Não havia rádio portátil. Ligava-se o rádio, na cozinha e ia-se para o tanque.
Novela na TV, eu ví boa parte do Beto Rockfeller. Desisti.
Abração,
Natale