quinta-feira, 8 de julho de 2010

Já que ele era baixinho, arrisquei

Na década de 60 havia muitos bailinhos em salões de clubes varzeanos de nossa querida capital. Casa Verde, Lapa, Bom Retiro, Barra Funda, Pompéia, Água Branca e é claro também na minha querida Freguesia do Ó.
Na Freguesia do Ó, um baile famoso era o do clube Sete de Setembro F.C, sempre lotado e com a presença de lindas garotas que, além de gostarem de baile, dançavam bem.
Eu e vários amigos, apesar de não sermos grandes dançarinos, gostávamos de frequentar esses bailinhos.
Eram os anos dourados do cha, cha, cha, do bolero e do samba canção, também já haviam chegado ao pedaço, o twist, o calipso, e o Rock and Roll do Elvis.
Nunca fui de briga, pelo contrário, em toda a minha vida eu sempre preferi levar os desaforos para casa. Não, não por covardia; é que eu sou pacato por natureza e detesto discutir ou arrumar encrencas. Acho que, por ser filho de um pai já idoso, muito sábio e bem vivido, eu devo ter aprendido com ele a não me meter em encrencas.
Um dia, estava com alguns amigos quase que de passagem por um desses salões acima citados, quando notei a presença de um baixinho dando aquele show de dança, chamando a atenção de todas as “minas” ali presentes, inclusive aquelas que sempre davam preferência para dançar com a gente.
O baixinho era um grande bailarino e dava show no salão, em determinadas músicas que não eram muito comuns, o baixinho estraçalhava, fazendo vários casais pararem de dançar para assisti-lo no meio do salão,
Não sei por que razão, talvez dor de cotovelo, o baixinho começou a irritar o meu ego, e eu comecei a achar que o baixinho era mesmo um folgado, vindo ao baile apenas para se mostrar, humilhar as pessoas e paquerar as meninas.
Aos dezesseis anos eu praticamente já tinha ou estava perto da altura de hoje (1,80 m) e aquele baixinho não chegava a 1,60 m de altura, acho que foi isso que me motivou a tomar a iniciativa de encarar o baixinho. Imaginei: com esse com certeza eu posso; e resolvi dar uma de valente, pela primeira vez em minha vida.
Conversei com os amigos e todos concordaram que o baixinho era atrevido mesmo. Falei da minha intenção de encarar o cara, mas alertei para que, se o baixinho partisse para a briga, nenhum deles deveria apartar. Na realidade, eu estava tão confiante e me sentindo como o Maguila enfrentando o Nelson Ned. A confiança era tanta que eu ainda quase fiz os meus amigos jurarem que não iriam apartar e nem deixar a turma do deixa disso apartar.
Confiante e decidido, esperei o intervalo da Orquestra e, assim que a música parou, eu cheguei perto do baixinho e falei firme:
-Meu, você não é desse bairro não, né! Então acho melhor você se mandar daqui, porque senão, eu te arrebento todinho.
Pensei que o baixinho depois disso e vendo meu tamanho iria se mandar, mas nada, o danado resolveu encarar. E o que é pior, ele brigava melhor do que dançava. Aquele floreado que ele mostrava dançando, virou passos de capoeira. O baixinho parecia um polvo, tinha um monte de pernas que, hora estavam no chão, hora estavam no ar e todas elas, vindo em minha direção, Escapei do pé direito e o esquerdo pegou na minha cara, me livrava do esquerdo e o direito me acertava. Era a primeira vez que eu brigava, consequentemente, a primeira vez que apanhava, o que era pior, com a garantia de meus amigos que não apartariam e que fariam de tudo para ninguém apartar.
Dentro de minha cabeça, já dolorida pelas pancadas levadas, quatro tristes consolos: que o intervalo acabasse, o baile recomeçasse, a polícia chegasse ou que pelo menos o saltitante baixinho cansasse.
Enquanto isso, eu já estava quase “ganhando” a briga, uma hora era o baixinho por cima e eu por baixo,outra hora era eu por baixo e o baixinho por cima. Eu ainda ouvia daquela platéia inútil, comentários como:
-Nossa! O baixinho está massacrando o grandão.
-Não liga não, foi o grandão que começou.
E meus"amigos" parados feito idiotas, assistindo minha desgraça, olhando sem fazer nada e, ainda, impedindo que outros o fizessem.
E tome pancada.
Ai, eu pensei (eu só preciso acertar uma pra valer e liquido o baixinho... e vai ser de cabeçada).
Então, vendo o baixinho de guarda baixa, preparei a direita e dei com toda a força possível... Se pega! Ele estaria “ferrado”. Foi aí que o baixinho ficou meio encurralado num canto, eu entrei nele com tudo, de cabeça, acertei bem no meio... Da parede, porque o baixinho tirou o corpo fora.
Apanhei feito burro velho.
Cheguei em casa moído, inchado e ainda fiquei com bronca de minha mãe quando ela, inocentemente, perguntou se eu tinha sido atropelado.
Mais tarde acabei conhecendo pessoalmente esse baixinho. Ele morava em Carapicuíba, mas tinha parentes na Freguesia do Ó.
No mês passado, eu estive passeando na Freguesia e em frente ao Frangó eu vi o baixinho.
-Oi Tutu! Tudo bem! Disse-me ele e completou brincando. Como é, está querendo apanhar de novo?
Então, com a memória avivada, eu me lembrei dessa surra e escrevi essa triste e dolorosa história.


Por Arthur Miranda (tutu)

9 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Arthur, sempre fui de bailinhos e bailões, por causa da minha habilidade, à epoca, nas danças de salão, tive muitas brigas pela frente.
Em muitas bati e em poucas apanhei, mas quando apanhei valeu por todas em que bati.
Tenho um texto sobre o assunto e um dia irei posta-lo no blog,
Tua passagem, como não poderia deixar de ser, está hilária.
O parabéns é redundante!

Soninha disse...

Olá, Arthur!

Mexe com quem está quieto!
Nossa! Ri muito ao ler seu texto. Ao mesmo tempo, senti saudade dos bailinhos que, na minha época, não passavam das garagens e algumas poucas vezes nos pequenos clubes perto de casa.
Mas, dancei muito também e não nos envolvíamos em qualquer situação desagradavel.
Seu texto ilustrou bem que "tamanho não é documento" com certeza.
Recordar é vivar, ou, reviver certos momentos, mesmo que doam, né?!
Valeu, Arthur!
Parabéns!
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Artur, nem sempre tamanho é documento. Pratiquei Aikido, notável arte marcial japonesa por seis anos, e vi ali muitas coisas espantosas. O fundador do Aikido, Moruhei Ueshiba, japonês, tinha 1,58 m de altura, e era absolutamente invencível.
Boa história. abraço.

Modesto disse...

Arthur, isso tudo aconteceu porque vc. disse que não era de se meter em brigas e arruaças. Estou imaginando se vc. fosse bom de briga e de dança o que teria acontecido. Gostei da sua sinceridade, Miranda, nisso vc. é muito bom. Parabéns.

Leonello Tesser disse...

Arthur, pelo seu sincero relato chego à conclusão que você "dançou" nas mãos do baixinho, um grande abraço, Nelinho.

Unknown disse...

Arthur, lendo seu relato, lembrei-me da música "Piston de Gafieira" e no seu caso, faltou a "orquestra tomar uma providência, ou a ajuda de um Piston para por as coisas no lugar"
Gostei também pela lembrança desses bailinhos.
Um abraço / Bernadete

Falcon disse...

Tutu vibrante sua narrativa eu até estava vendo a briga e confesso torcendo pelo baixinho.
Estes baixinhos são casca grossa.
Abraços
Falcon

margarida disse...

Arthur,que bela historia! Sempre gostei de ir aos bailinhos, mas quando tinha pancadaria, saia correndo e não voltava mais naquele lugar e não queria papo com quem brigava. Sou assim até hoje, nada de tirar no braço, só no abraço.
Um beijo.

Zeca disse...

Arthur, aquele que nunca teve um "baixinho" atravessado à sua frente, que atire a primeira pedra!
Grande texto!
Parabéns!