sábado, 17 de julho de 2010

Babel


Escrevi, há pouco tempo, sobre um enorme edifício próximo, em construção há mais de ano. Mais um espigão no Brooklin! No artigo, citei-o por ter ouvido o clangor de um sino, que se revelaria depois como panelão da obra.
Mas, o luxuoso prédio não se limita a isto. Moro aqui há 22 anos e outros edifícios foram construídos por perto, sem fazer o barulho que este emite, constantemente. Além do rugir das máquinas, dos bate estacas, das misturadoras de concreto, das caçambas, das brocas elétricas nos perfurando os tímpanos, temos os berros.
Antes das sete da manhã e até depois das dez da noite, gritam o tempo todo. Ordens, contra ordens, uivos, palavrões, gritinhos, cantos bárbaros. Parece mesmo Babel, a das mil línguas, mas no fim todos se entendem e o monstro continua a subir.
Por muito menos
, reza a Bíblia, Deus quebrantou o orgulho dos babilônios e fez tudo ruir. Porquê nunca ouvimos tal balbúrdia nas outras construções realizadas ?
Creio que só pode ter uma explicação: eles devem ganhar bem e cantam e gritam de alegria. Alegria de uns, tristeza de outros.
Lembro-me de quando trabalhei na agência de publicidade MPM, na Rua General Jardim. Trabalhávamos em estado de graça, as muitas e prementes campanhas eram resolvidas com facilidade, raras vezes cheguei a ficar fora de hora ou trabalhar em fim de semana.
Na hora do almoço, a festa continuava. Íamos ao Gigetto, ao Jardim de Napoli, ao Piazza Colonna. Isto quando não subíamos a rua para uma modesta lanchonete, com simpáticas cadeiras na calçada, que eram montadas à medida em que os clientes aumentavam. A dona, uma senhora libanesa, mal humorada, tratava aos berros seu simpático e prestativo marido, que servia as mesas.
Então, beirutes, esfihas, lanches simples, mas antecedidos por uma boa cachaça de Morretes, que meu amigo Sylvio, a Velha Serpente, não dispensava. Depois, voltando à agência, ele se metia sob sua mesa, sobre uma prancha. D
izia ser ali seu "catre" e chegava a roncar.
Certa vez, o Sr. Petrônio, dono da agência, surge à porta com uma comitiva de visitantes e nada restou ao Sylvio, senão encolher-se ainda mais no "catre". Outro colega organizava um torneio de aviõezinhos de papel, onde ganhava quem conseguia fazê-los voar mais longe, por sobre a Major Sertório, indo além do La Licorne.
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Esta fase tão feliz se foi, para nunca mais, nos muitos outros anos que trabalhei no ramo
, achar algo correspondente. Como espero que, finalmente um dia, o prédio da esquina termine, com seus barulhos e berros guturais e a paz volte a se instaurar.
Pelo menos até as cinco da tarde, quando o coro das buzinas se inicia, nas esquinas agora congestionadíssimas, no trânsito todo parado do que já foi, um dia, um bairro residencial.


Por Luiz Saidenberg

11 comentários:

Zeca disse...

Luiz, esse belo texto nos mostra no que vem se tornando nossa querida cidade, ao ritmo acelerado do "progresso": numa verdadeira Torre de Babel! E a cidade, que já foi tranquila e pacata um dia - há nem tanto tempo assim - agora sofre com as serpentes de trânsito congestionado, barulhentas e estressantes.
Parabéns por mais um belo texto!
Abraço.

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, aviões de papel para passar por cima do La Licorne?
Que meninos comportados, fosse eu, teria-os equipado com cameras filmadoras para regisrrar os pecados que naquele "antro" eram praticados.
Ah!que delicia seria.......

Arthur Miranda disse...

Luiz, que charme, seus aviões passavam por cima do La Licorne. Isso era espionagem né, ou terrorismo. Já pensou se algum aviãozinho desses atingissem o Predio e o destruisse como o Bin Laden fez com as Torres Gemeas, kkkk. Aqui em Lorena tem uns vigilantes noturnos que passam de hora em hora a noite inteira com suas Motos, e uma sirene de dar inveja a Ambulancias. É Fóóóógos. rsrsrs. Adorei a narrativa.

Unknown disse...

Saidenberg, que esse prédio que lhe tira o sono, não faça sombra no seu pequeno mas belo jardim.
Um abraço / Bernadete

Soninha disse...

Olá, Luiz!

Estas mega construções fazem de Sampa uma selva de concreto, com seus ruídos e com seu ritmo alucinado...
Mas, Sampa é assim e continamos a amá-la, com todos os seus problemas, ao mesmo tempo, com as melhores soluções, pois, para abrigar a todos, cresce por todos os lados, inclusive para cima.
Muito legal suas lembranças.
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. Registro aqui os sonhos de Chammas e Artur com o mítico La Licorne. Vizinho de lá, nunca pensei em frequentá-lo, nem ao Big Ben, pegado à agencia. Imodestamente, tinha, na ocasião,
namoradas que me ocupavam em tempo integral, sem dar folga para mais ninguém...abraços.

Modesto disse...

Saidenberg, uma torre de Babel e as lembranças de lançamentos de "super spitfire" pelas janelas indica que vc. já cresceu e, adulto, não esquece peraltices saudáveis que, sem assustar ninguém, embelezvam os ceus sem nenhum ruído, mandando mensagens ao futuro, revelados, agora pelas suas narrativas. Parabéns, Luiz.

margarida disse...

Saindeberg, esta é nossa cidade que nem na calada da noite se acalma, quanto mais de dia. A esperança é que tudo tem seu tempo de começar e de terminar portanto anime-se, logo estará livre deste tormento. Um grande abraço.

Leonello Tesser disse...

Luiz, infelizmente São Paulo está ficando uma verdadeira selva de pedra, no meu Ipiranga está acontecendo a mesma coisa, espero que o prédio fique logo pronto para seu sossêgo, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

MLopomo disse...

Saidenberg. Morei no Brooklin bem antes de você. 1951 a 1986. Barulho nesse bairro vem do inicio dos anos 1950. Naquele tempo deixamos de usar o despertador, porque religiosamente as 6 horas da manhã o Aeroporto de Congonhas dava inicio a esquentar os motores dos aviões. Quando isso acontecia estava na hora de levantar para mais um dia de trabalho.
Faz o seguinte anota essa musiqueta, para espantar barulhentos do edifício, “barulhos & Cia bela”, logo pela manhã. “Tá na hora do Café, e preciso ter fé. Um bom trampo pra vocês, e silencio para nos...”

MLopomo disse...

Saidenberg. Morei no Brooklin bem antes de você. 1951 a 1986. Barulho nesse bairro vem do inicio dos anos 1950. Naquele tempo deixamos de usar o despertador, porque religiosamente as 6 horas da manhã o Aeroporto de Congonhas dava inicio a esquentar os motores dos aviões. Quando isso acontecia estava na hora de levantar para mais um dia de trabalho.
Faz o seguinte anota essa musiqueta, para espantar barulhentos do edifício, “barulhos & Cia bela”, logo pela manhã. “Tá na hora do Café, e preciso ter fé. Um bom trampo pra vocês, e silencio para nos...”