Aconteceu em uma Indústria Farmacêutica, na cidade de São Paulo, anos atrás.
Cinquenta e cinco funcionárias, que trabalhavam no setor de embalagens, levavam marmitas para almoçar. Todas as marmitas tinham suas marcações ou identificações e a copeira, Sra. Maria Alcinda, era a pessoa que diariamente cuidava do aquecimento destas refeições.
Chegava a tão esperada hora do almoço e a alegria de desfrutar o vapor, sob a tampa de alumínio, propiciando o aroma saboroso da mistura e da comidinha caseira, feita pelas mães.
Eis que o primeiro alarme quebra o momento de encanto:
- Roubaram minha linguiça. Tenho certeza que minha mãe colocou cinco pedaços de linguiça na minha marmita.
Rumores e lamúrias crescendo:
- Eram dois ovos estrelados. Eu mesma os preparei.
- O bife acebolado que disputei com meu irmão...
Quem seria o curioso meliante? Ladrão de mistura de marmita. Vejam só.
O indivíduo que certamente se esbaldava com uma mistura variada, provavelmente à hora do jantar, porque não seria doido de usufruí-las no local do crime.
As embaladeiras, que não podiam abandonar seus postos na hora da produção, levantaram-se repentinamente, num uníssono de precisão, digno de apresentação de ginástica rítmica em abertura de olimpíadas.
O ladrão fora descoberto.
Ele não! Ela, a esquentadora de marmitas, Maria Alcinda que, naquele instante, se trancara no banheiro evitando talvez um linchamento.
Ninguém da fábrica conseguia deter a ira das “sem mistura”. Pedras atacando os vidros do banheiro, objetos atirados ao chão, inclusive computadores. Foi preciso chamar a polícia para salvar Maria Alcinda de uma grande sova.
Não sei o destino dela. Que mistura passou a saborear no almoço do xilindró (estará previsto por lei a pena para o roubo de mistura de marmitas?), ou se ficou sem refeição alguma, após ser demitida.
Uma coisa é certa: a partir deste dia, as funcionárias desta Indústria passaram a comer mais tranquilas, pois ninguém assaltava mais suas marmitas. No entanto, durante vários meses, tiveram um pouco menos de mistura, por conta do desconto no salário referente às despesas com os danos que provocaram, na tentativa de fazer justiça com as próprias mãos.
Esta curiosa história foi contada por um amigo, num momento de descontração. Todos pararam para ouvir o seu relato, narrado com ênfase e empolgação, revelando ainda a mesma expressão de espanto que deve ter demonstrado no dia do ocorrido.
Foi como assistir à cena e divertir-se com a imagem das “sem mistura”, indignadas, erguendo sua bandeira de revolta por seu tão suado e desejado almoço.
Por Vera Lúcia de Angelis
12 comentários:
Olá, Vera!
Seja bem vinda! Que alegria tê-la conosco, em mais este espaço.
Adorei seu texto. Me diverti à bessa...ri muito!
Que situação, heim?!
Ter de levar a marmitinha para poder almoçar já é dureza...sem mistura, então...ninguém merece, né?!
Adorei, Vera!
Mande-nos mais, ok?!
Excelente semana a você.
Muita paz! beijosssssss
Bela história, Vera, do tempo das marmitas para esquentar...será que ainda existe esse hábito? Creio que sim, embora grandes firmas agora quase sempre têm refeitório.
Não estou certo, mas parece que é lei, após certo número de funcionários.Agora, roubar a marmita dos outros é o fim da picada!
Abraços.
Olá, Vera!
Imagino a revolta dos operários, após horas de trabalho duro, ao abrirem suas marmitas, encontrarem apenas o arroz e o feijão nossos de cada dia!
Eu ainda peguei o "tempo das marmitas", quando trabalhei no Banco Federal de Crédito, lá na Rua São Bento. Eu entrava às sete da manhã e saía à uma da tarde. Como demorava mais ou menos uma hora para chegar em casa, o jeito era levar minha marmitinha, pra não ficar com muita fome. Felizmente lá não tínhamos ladrões de marmita!
Abraço.
E por falar em linguiça. Sempre tinha um pedaço dela na minha marmita. No inicio dos anos 1970, eu não ia mais de bicicleta trabalhar. Estava motorizado. Uma Lambreta Standard de cor vermelha, me levava pelas ruas da Vila Olímpia para o Itaim. Um dia fui mais alem do percurso fazer algo, e voltei pela Rua Iguatemi, e quando fazia a curva fechada para entrar na Rua Joaquim Floriano, local cheio de Óleo, dei aquela inclinada, na Lambra, para fazer bonito as pessoas que estavam no ponto do ônibus. Ela deu aquela escorregada. e pumba, fui ao chão. Quando olhei para trás, vi a minha marmita aberta, arroz pra cá, feijão pra lá, e um toquinho de linguiça rolando pelo asfalto.
Relato muito interessante,
de Angellis, chega a ser triste se encararmos pelo lado dos operários que ficavam com a refeição incompleta mas, a raiva toma conta quando se encara a mulher que cuidava do aquecimento que sorrateiramente, abria todas as marmitas pra escolher o que mais lhe agradava. Se ouvesse, por parte dela, intenções de envenenar alguém, estava fácil.
Texto íntegro, sem mexer na marmita de ninguém.
Parabéns, Vera Lúcia
Vera, bonita, pitoresca e saborosa historia, também levei muita marmita, mas ao contrario do Lopomo jamais gostei de levar lingüiça, sempre dei preferência a legumes, frangos e Ovos fritos.
Existe até quem diga que cachorro mordido por cobra tem medo até de lingüiça.
Eu tenho medo de cobra, e não sou chegado à lingüiça.
Graças a Deus nos lugares em que trabalhei, nunca tivemos ladrões de misturas atacando marmitas alheias. Ri muito com sua narrativa, parabéns.
Oi Vera, que bom te ver por aqui. Sabes que sou. definitivamente, teu fã e este causo, contado com tanta riqueza de detalhes, veio ratificar minha opinião sobre tuas qualidades de escritora.
Volte sempre e nos traga novos causos.
Vera, muito hilário seu texto, mas fiquei imaginando a situação dos pobres operários,que ficaram sem suas misturas. Tiveram toda razão em se irritarem.
bjos
Vera,eu como velho marmiteiro posso imaginar a situação criada naquele momento, parabéns pelo seu pitoresco texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).
Vera, Muito bom seu texto e você sabe usar as palavras com propriedade. Ri muito.
Parabéns pela história. Abraços.
Izabel Christina (Terra Roxa)
Vera. Por vezes e, quando ainda usava a marmita, não era só a mistura a ser rouba. Era a marmita toda que, no dia seguinte, sempre aparecia com uma comida diferente do tempêro de minha mãe. O larápio, assim que era descoberto, justificava-se: 'eu me enganei'- dizia sempre o safado que só se emendava depois de algumas boas borduadas nas orelhas.
Postar um comentário