terça-feira, 3 de agosto de 2010

O flato

Na sequência prioritária das prerrogativas dos idosos, foi declarada a liberdade de flatuar a vontade, desde que seja ao ar livre ou num ambiente arejado onde o único fator relevante seja o ruído, ou o som melodioso que caracteriza a procedência.
Nessa condição, quatro amigos de longa data, todas as tardes, depois de um restaurador café e um bom cochilo, empreendem uma saudável caminhada à sombra de frondosas árvores, algumas frutíferas, no parque Continental, localizado nas proximidades de suas casas, zona oeste de São Paulo, próximo à USP e divisa com Osasco.
Alzira, 68 anos, seu marido, Lamartine, 72, Letícia, 66 anos e Demétrio, seu marido, 69, todos aposentados, é o quarteto que, com poucas falhas, diariamente fazem esse passeio
, há vários anos. Além de amigos, são compadres, hoje avós, com filhos e netos já na adolescência, tendo um batizado o filho do outro, caracterizando uma sólida amizade onde prevalece um franco e rico entendimento e camaradagem ilimitada, dentro do maior respeito, fatores raros nos dias de hoje, só possível no Continental, bairro estritamente residencial.
Apesar dessa empatia, o que eterniza essa amizade são as opiniões e os gostos dos quatro, totalmente diversos, um do outro, sempre democraticamente aceitas, mesmo sem a devida concordância. Logo após o término da copa, empreenderam um destes passeios.
Na impossibilidade de evitar ou impedir, Lamartine solta um sonoro peido, provocando gargalhadas nos três e, depois, nele mesmo. Depois dos risos e comentários, estabelecem que, nestas circunstâncias, haverá uma certa tolerância entre os quatro, podendo, cada um, exteriorizar segundo suas necessidades e vontades, cuidando para quando ocorrer o e...vento estejam só os quatro, o que não é muito difícil pois o contingente de andarilhos no parque Continental, próximo a divisa com o município de Osasco e também com a USP, (Universidade de São Paulo) ocorre, com maior frequência, na parte da manhã. Os assuntos e papos diários são de natureza as mais diversas e, quando ocorre de alguém libertar um peido, interrompe-se o assunto tratado e brincam para saber quem foi o autor e estabelecer o tom, prolongamento e classificar, na escala musical, a nota a ser dada.
Pois é; O que sempre prevalece é essa decantada preocupação com os que estão em evidência, diz Lamartine, a mídia, ávida de sensacionalismo, corre atrás de fofocas, sem se preocupar muito com ética, respeito e, o que é pior, sem entender nada de futebol. Essa última copa
foi um festival de badalações, pra cima dos ídolos.
· É verdade, intervem Letícia, vocês lembram quando os jornalistas e reportes que cobriam as copas e todos acontecimentos esportivos, eram especialistas no assunto, não se atreviam a comentar outras atividades, aprimorando sempre seus conhecimentos pra despertar em seus leitores maior ... - de repente um ruído familiar interrompe o papo, um belíssimo petardo, daqueles segredados pra ocorrências especiais.
* Adivinhem quem foi? Conclama Demétrio; Esse parece ter sido a “1812”, de Tchaikovsky, o rufar dos canhões, na apoteose do tema.
* Pra mim foi a Letícia, arrisca Alzira, só ela tem o poder de um petardo.
* Errou, querida Alzirinha, sou um pouco gordinha mas essa foi de quem está habituado à gororoba da pesada, como uma feijoada e hoje é quarta-feira e o Lamar não deixa por menos, não é, seu Lamartine....
*Acertou, clama trinfante Lamartine, e a feijoada que você preparou estava um deslumbre. Em tod
o caso, não foi nada disso que vocês estão divulgando; Foi algo assim parecido com Fogos de Artifício, do Hayden, se tanto.
Deram boas gargalhadas e continuaram.
Como estava dizendo, retoma o papo Letícia, vocês lembram da época em que pra tudo existia um especialista, e que especialista!... Eram jornalistas que, ao sair da faculdade, já tinham assegurado seu segmento, com estágios sólidos que lhes davam garantia de uma colocação. Agora... - De repente, um novo estampido... Desta vez um silvo bem fininho, como um som de violino, mais ou menos, com pequenas interrupções.
*Ahh, esse é da Alzira, berra Demétrio, o tipo de pizzicato, que Benjamin Briten utilizou na sua Simpl Sinphoni. Ninguém consegue uma nota como o dela... notaram a harmonia sincopada, a estrutura do pontilhado dando ênfase à beleza da mensagem sonora? Isso só se consegue com um apuro e dedicação e...
* Acertou, confessa Alzira, a perfeição exige anos de treinamento e anus bem afinado... - Logo em seguida todos caíram na mais gostosa gargalhada. Continuam no papo, desta vez sobre política, eleições, mensalão e coisas do gênero quando outro estampido, esse curto, seco e grave.
· Bingo, esse é do Demétrio, grita Letícia, só ele consegue imitar o som dos tímpanos da Marcha Fúnebre do Wagner.
Programando para a área da USP o próximo, o passeio termina na maior alegria, com gozação nos parâmetros absurdos que norteou as tiradas a respeito da única manifestação natural do animal, racional ou não, ficando pra esse último o prazer e a liberdade de disparar a qualquer hora e lugar, indiferente se a fragrância for de Chanel n. 5 ou de charneca mista de suínos, bovinos ou equinos.

Por Modesto Laruccia

12 comentários:

Luiz Saidenberg disse...

Teu texto, Laruccia, lembra-me um de um catálogo de tipos, da Alltype. Empresa que foi famosa na época em que se encomendava a composição dos textos, ao invés de realizá-la direto no computador. A Altype tinha belo repertório tipografico, desde o Times New Roman até um Gil Sans, negrito ou não, com ou sem serifa. E o exemplificava com frases curtas. Uma destas era: Maledetto formaggio olandese, che pernacchia mi ha scapato ! Grande abraço.

Soninha disse...

Olá, Modesto!

Muito hilário e sencaional o seu texto.
Adorei!
Dei boas risadas.
Lembrou-me a italianada da família de minha mãe que, ao se reunirem, não estavam nem aí com a flatulência e madavam ver, onde estivessem e na frente de quem fosse.
Ainda bem que a sua turma (a do texto) faziam isso ao ar livre, para o bem das narinas presentes.
Valeu!
Muita paz!

Zeca disse...

Gostei muito, Laruccia!
Ainda estou sacudindo a pança, de tanto rir! Nada como começar uma terça-feira chuvosa com um texto desses, para tirar qualquer abatimento de humor... e como você disse no início do texto, esse quarteto que tanto entende de música, sabe muitíssimo bem aproveitar essa prerrogativa dos idosos: flatular à vontade e ainda se divertirem com os sons, afinados ou não... risos.
Parabéns pelo bom humor e pelo texto!
Abraço.

Miguel S. G. Chammas disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Modesto, texto de total humor. Gostei demais.
Apenas fiquei a imaginar o seguinte:
Como seriam as flatulência se o quarteto tivesse tido o almoço de gato que eu tive?

Arthur Miranda disse...

Modesto, estou me sentindo em pleno teatro Municipal onde por iniciativa féde ral uma grande orquestra sinfônica faz sua apresentação sobre a Regência do Maestro Federosviski,
executando musicas da Grande compositora italiana, Vamércia Pernacchia.
Gostei da historia e ri pacas.

margarida disse...

Modesto,quanto humor este quarteto tem! Aproveitam para se divertir ao som de suas próprias flatulências. Ainda bem que tudo ocorre ao ar livre, mas isso é o que menos importa, porque o que mais essa turminha quer é se divertir com os tipos dos sons de cada um.
Muito divertido seu texto, imaginei as cenas do quarteto.
Um beijo

Nelson de Assis disse...

Nada como a liberdade do poder ir e vir e o de 'flatular' sem culpas ou arrependimentos, não é mesmo?
O perigo maior seria um desarranjo intestinal e a 'coisa' ficar mais preocupantemente séria como, uma cueca melada ou calçolona 'borrada'.
Modesto. Voce se supera a cada texto.
Abraços.

Larry Coutinho disse...

Modesto.
Você superou minhas espectativas. Leia o Salvador Dali que também tratou do assunto com inteligencia. Ou o Pantagruel, do François Rabelais. E verá como as penas macias de um cisne adulto podem substituir o papel higiênico com certa vantagem. Enfim, é isso.

lenita disse...

Bela historia gostei o sr tinha que ser humorista adorei depois me manda por email aonde queeu acho outras escritas suas mas vai com calma que eu estou começando agora na tecnologia beijossssssssssssssssssssss sua sobrinha mais linda LENITA

MLopomo disse...

Modesto. A principio na primeira olhada pensei tratar de Flauta o titulo do seu texto. Mas lendo detidamente vi que era Flato, ou seja, Peido. E pelo relato, cada peido. Você disse que para não deixar as pessoas com o dedo no nariz por muito tempo, é melhor ficar ao ar livre. Que nada tem cada ronco que nem vento forte o afasta do local onde o barulho foi ouvido. Muitas vezes o ronco forte não fede tanto como aquele que sai na surdina. Ele não faz um barulho sequer, mas fede pra Baralho. Tem também aqueles espremidinhos que são verdadeiras obras primas em termos de fedentina, muitas vezes mais fedidos do que Celeite Boca Larga com três dias sem puxar a descarga. Em tempo: Dizem que os fédidos cheiros que são soltos, saem de traseiros de origem italiana. Eu sou filho.

Leonello Tesser disse...

Modesto, belíssimo relato para um fim de noite após um dia estressante, dei boas risadas com este hilariante texto, é impagável, abraços, Nelinho.

Leonello Tesser disse...

Modesto, belíssimo relato para um fim de noite após um dia estressante, dei boas risadas com este hilariante texto, é impagável, abraços, Nelinho.