segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Bixiga e eu - segunda parte

Por volta do ano de 1970, já com mais de vinte anos, acabei indo morar no Bixiga, na Rua Condessa de São Joaquim. Essa rua começa na Avenida Liberdade e termina exatamente em frente a um castelinho, na Brigadeiro Luis Antonio. Assim como o Teatro Paramount de minha infância, esse castelinho se somou às minhas referências do bairro. Construído também em estilo eclético, com toques art nouveau, surgiu dos sonhos de um italiano, no início do século XX (1907-1911). Tem até um minarete em estilo árabe! Sua história não é muito conhecida e, por isso, acabaram sendo criadas muitas lendas em torno desse casarão misterioso que passou muitos anos em total abandono.
O castelinho foi construído pelo arquiteto italiano Giuseppe Sachetti, para residência do médico Cláudio de Souza, um intelectual que ajudou a fundar a Academia Paulista de Letras. Em homenagem à sua mulher, ele batizou a residência de Villa Luisa, embora isso só tenha sido descoberto durante a última reforma, com o surgimento de um emblema com esse nome, próximo à entrada. Com a mudança da família para o Rio, o prédio entrou em decadência, mas mesmo após uma reforma cuidadosa, continua lá, fechado. Hoje é um prédio tombado pelo patrimônio histórico, ainda à espera de ser novamente hab
itado ou devidamente utilizado.
Uma das histórias que me contaram a respeito desse casarão era sobre a morte misteriosa de uma mulher, com detalhes escabrosos e muito sangue, que até hoje vaga por suas dependências não dando sossego a ninguém, motivo pelo qual ninguém ali reside, nem nenhum tipo de empreendimento comercial ali se sustente. Mas essas são histórias criadas pela imaginação do povo, sem nenhuma base de sustentação, apenas criando uma aura de mistério em torno de lugares como esse castelinho.
A rua onde morava não tinha nada de especial, a não ser uma pensão que durou muitos anos, se não me engano propriedade de um Sr. Arlindo. Ali moravam muitos jovens, estudantes ou trabalhadores e a comida servida era de excelente qualidade. Era, nos idos de 1970, um local seguro, com vários prédios com pequenos apartamentos, devido, principalmente, aos muitos estudantes que ali viviam. Ali acompanhei as obras de construção do metrô e várias modificações que foram acontecendo ao longo dos anos. Essa rua serve, ainda hoje, mais como elo da Liberdade com o Bixiga e os poucos casarões que resistem, nada têm de extraordinário, a não ser mostrar a decadência da área.

Morando em local tão privilegiado, próximo ao centro, à avenida Paulista e, claro, ao coração do Bixiga, pude conhecer melhor a cidade de São Paulo e, também, participar das deliciosas festas da Achiropita, onde me empanturrava com a deliciosa macarronada ali servida. Também, frequentar as famosas cantinas do bairro e tive o enorme prazer de instruir-me nos seus diversos teatros, dando início à formação do adulto que estava por vir.
Foi ali perto, na Faculdades Metropolitanas Unidas, que me formei em Economia, dando início a uma carreira profissional que passou pela Comgás e por empresas ligadas ao Grupo Solvay. Foi ali que vivi minhas primeiras aventuras como adulto e onde me preparei para lançar os diversos vôos que me levaram para várias partes deste mundão de meu Deus. Mas sempre me trouxeram de volta ao local onde, ainda hoje, tenho um pequeno apartamento, agora ocupado por meus pais, bastante idosos mas que de lá não querem sair. Esse apartamento não é mais na Condessa, mas sim na Jaceguai, ao lado do Teatro Oficina.

Por Zeca Paes Guedes

10 comentários:

Soninha disse...

Olá, Zeca, querido amigo!

Talvez ninguém possa imaginar quanto é gratificante, para mim, estas histórias, estas informações que leio, através dos textos.
Sua descrição sobre os lugares, os detalhes expostos, me fizeram viajar no tempo e no espaço...senti-me andando pelo Bixiga, visitando os casarões, os teatros, a paróquia...
Muito legal, mesmo!
Obrigada.
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Que belo e histórico texto, Zeca! O Castelinho sempre chamou tb minha atenção; graças a vc agora temos sua história. Não é o único caso de assombração no Bixiga que conheço; na R. dos Ingleses há uma mansão, que já foi agencia de propaganda, da qual dois conhecidos( fui publicitário por 36 anos ) relataram ter visto o fantasma do construtor e habitante por muitos anos, o velho Maluf- não era parente do mal afamado político- em duas épocas diferentes. O velho não queria estranhos na "sua" casa, e era um fantasma muito chato !
Abraços.

MLopomo disse...

Homenagê - Bixiguenta ao Centenário de Adoniran Barbosa:SAMBA NO BIXIGA: - Dumingo nois fumo, num Samba no BIXIGA. na Rua Major, na casa do Nicola. A mesa lá num deu cló, saiu uma baita de uma briga era só pizza que avuava, junto qua as bracholas. Nois era estranho nu lugar, e num quizemo se mete. Num fumos lá pra brigá. Nois fumo só pra come. Dali a pouco escuitamo a patrulha chegá, e o sargento Olivera, falá. Num tem portança, vô chama duas ambulança. Os mais pió, vai pras crinica.

Arthur Miranda disse...

Zeca, graças a você e outros bixiguentos ou bixigueiros, estou matando a minha velha curiosidade sobre o Bixiga que um dia já foi Bela Vista e hoje em dia graças a colônia Taiana a muito virou Bixiga.
Parabéns.

Miguel S. G. Chammas disse...

Zwcamigão, você bem, sabe, sou bixiguento, bixiguense, bixigueiro e tudco mais que o valha.
Seu texto mexe diretamentye com meus sentimentos já que morei dos 18 anos ate os 28 (um ano após meu casamento) na Rua Major Diogo,. 307, vizinho ao TBC.
É muito bom relembrar o Bixiga. e neus textos, sempre que possível, se reportarão ao bairro.
Parabés pela fidelidade histórica do seu texto.

Cecília disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cecília disse...

Que texto maravilhoso! Tinha que ser do Zeca (sem desmerecer nenhum dos outros blogueiros amigos, mas sou fã dele)!
Não conheço Sampa, o pouco que sei sobre a cidade conheci lendo, pesquisando... Mas com essa história parecia que conheço o lugar, me senti andando pelo Bexiga, vendo a arquitetura descrita com tanta riqueza, uma pena não darem o devido valor.

Beijinhos!
Tenham uma linda semana!

Modesto disse...

Guedes, que belo passeio vc nos brindou. Vários colaboradores já nos deram suas impressões sobre o Bixiga e a sua veio somar a riquesa que esse bairro tão famoso oferece aos narradores. A beleza de uma escrita está intimamente ligada ao tema e vc. soube como trata-lo. Parabéns, Zeca.

Leonello Tesser disse...

Zeca, graças às tuas histórias eu estou a cada dia conhecendo mais esse maravilhoso bairro de muitas tradições, parabéns pelo relato, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).

Nelson de Assis disse...

'Mistérios das noites Bixiguenses ainda rondam alguns casarões daquele lugar - ré ré ré ...'
O Bixiga, com seus velhos castelinhos e mansões, ainda guarda seus 'fantasmas' ciumentos, no meio dos escombros, alguns já seculares.
Abraços