Na década de 40, a alfabetização era uma tarefa exclusiva das mães e, às vezes, também dos pais.
Ainda não se pensava nas escolas de educação infantil, as mães não haviam ainda se libertado das tarefas domésticas e buscado a profissionalização no mercado de trabalho. Então, com ou sem qualquer noção de didática, ensinavam seus rebentos a dar os primeiros passos para ler e escrever nosso idioma.
Eu e meu irmão passamos por esta fase de aprendizado. Comigo, mamãe não teve maiores problemas. Fui, sempre, muito apegado aos mistérios da leitura e, tão logo me surgiu a oportunidade de aprender, agarrei-me a ela, com total obstinação. A vontade de poder ler livros, gibis, almanaques era tanta que eu dedicava, quase que todas as horas livres do dia, a treinar a leitura e a escrita, o que, em última instância, agradava e massageava, mais ainda, o ego da Dona Tereza.
Para meu treinamento, eu usei por alguns meses os escritos das Revistas Fon-Fon, O Cruzeiro e outras que tais. Isso aconteceu até que, com meus seis anos de idade, eu já sabia ler e escrever com certa destreza e estava apto a ser matriculado no primeiro ano primário e ser considerado um aluno totalmente alfabetizado.
O mesmo não ocorreu com o Sr. Antonio Carlos, meu irmão. Assim que ele atingiu a idade considerada ideal para início do aprendizado, da mesma forma que fizera comigo, mamãe começou a ensiná-lo. Mas, o caçulinha era osso duro de roer e demonstrou, desde os primeiros dias, o que se confirmaria, largamente, anos depois: que não era chegado aos assuntos escolares.
Nada do que mamãe explicava conseguia ser fixado na cacholinha do moleque. Mamãe perguntava: “d” mais “a” é? E ele, com aquele olhar aparvalhado, pensava, pensava e nada respondia... A técnica do uso de escritos em revistas nem podia ser utilizada, pois o garoto não tinha decorado as noções básicas de leitura e escrita.
Lembro-me que às quintas-feiras íamos mamãe, eu e ele à casa de meu avô, na Rua 21 de Abril, no Brás. As conduções que usávamos eram o bonde e/ou o ônibus, e ambos vinham repletos de reclames. Era um tal de "Rum Creosotado", que já salvara um belo tipo faceiro, que viajava ao nosso lado, de morrer de bronquite, ou então um homem carregando um grande peixe às costas e recomendando o uso da Emulsão de Scott, ou ainda uma careta de boca aberta, como se estivesse tossindo para propagar o Xarope São João.
Pois bem, o garoto era solicitado a ler os tais reclames e, não atendendo, se tornava alvo de petelecos, tapas, beliscões e outros que tais.
Começava, então. A sessão de chororô. Minha mãe, nervosa, cada vez exigia mais e ele, apavorado, cada vez conseguia menos. Essa novela se repetiu por anos a fio, até que, um dia, ele se aborreceu de fato e desistiu, definitivamente, dos estudos. Já beirava a casa dos dezesseis anos.
Hoje, acredito que sinta remorso de ter alimentado demais a sua preguiça mental, mas não dá o braço a torcer e nem permite que se comente sobre o assunto.
Por Miguel Chammas
Ainda não se pensava nas escolas de educação infantil, as mães não haviam ainda se libertado das tarefas domésticas e buscado a profissionalização no mercado de trabalho. Então, com ou sem qualquer noção de didática, ensinavam seus rebentos a dar os primeiros passos para ler e escrever nosso idioma.
Eu e meu irmão passamos por esta fase de aprendizado. Comigo, mamãe não teve maiores problemas. Fui, sempre, muito apegado aos mistérios da leitura e, tão logo me surgiu a oportunidade de aprender, agarrei-me a ela, com total obstinação. A vontade de poder ler livros, gibis, almanaques era tanta que eu dedicava, quase que todas as horas livres do dia, a treinar a leitura e a escrita, o que, em última instância, agradava e massageava, mais ainda, o ego da Dona Tereza.
Para meu treinamento, eu usei por alguns meses os escritos das Revistas Fon-Fon, O Cruzeiro e outras que tais. Isso aconteceu até que, com meus seis anos de idade, eu já sabia ler e escrever com certa destreza e estava apto a ser matriculado no primeiro ano primário e ser considerado um aluno totalmente alfabetizado.
O mesmo não ocorreu com o Sr. Antonio Carlos, meu irmão. Assim que ele atingiu a idade considerada ideal para início do aprendizado, da mesma forma que fizera comigo, mamãe começou a ensiná-lo. Mas, o caçulinha era osso duro de roer e demonstrou, desde os primeiros dias, o que se confirmaria, largamente, anos depois: que não era chegado aos assuntos escolares.
Nada do que mamãe explicava conseguia ser fixado na cacholinha do moleque. Mamãe perguntava: “d” mais “a” é? E ele, com aquele olhar aparvalhado, pensava, pensava e nada respondia... A técnica do uso de escritos em revistas nem podia ser utilizada, pois o garoto não tinha decorado as noções básicas de leitura e escrita.
Lembro-me que às quintas-feiras íamos mamãe, eu e ele à casa de meu avô, na Rua 21 de Abril, no Brás. As conduções que usávamos eram o bonde e/ou o ônibus, e ambos vinham repletos de reclames. Era um tal de "Rum Creosotado", que já salvara um belo tipo faceiro, que viajava ao nosso lado, de morrer de bronquite, ou então um homem carregando um grande peixe às costas e recomendando o uso da Emulsão de Scott, ou ainda uma careta de boca aberta, como se estivesse tossindo para propagar o Xarope São João.
Pois bem, o garoto era solicitado a ler os tais reclames e, não atendendo, se tornava alvo de petelecos, tapas, beliscões e outros que tais.
Começava, então. A sessão de chororô. Minha mãe, nervosa, cada vez exigia mais e ele, apavorado, cada vez conseguia menos. Essa novela se repetiu por anos a fio, até que, um dia, ele se aborreceu de fato e desistiu, definitivamente, dos estudos. Já beirava a casa dos dezesseis anos.
Hoje, acredito que sinta remorso de ter alimentado demais a sua preguiça mental, mas não dá o braço a torcer e nem permite que se comente sobre o assunto.
Por Miguel Chammas
8 comentários:
Miguel, uma pena saber desse fato. Hoje em dia,algumas crianças tem dificuldades no aprendizado. Os entendidos chamam de Dislexia. Pode ter sido isso que aconteceu com seu irmão. Antigamente não tínhamos esse tipo de diagnóstico e algumas crianças eram até chamadas de burras. O bom é saber que, mesmo com dislexia,a criança consegue aprender.
Um abraço
Grande Miguel, que pena seu irmão não ter saído a você. Acho que a pressão só lhe agravava os problemas, causando resistência. Minha mãe começou a dar-me as primeiras letras, aos cinco anos, e não me interessei muito. Ela não forçou, e um ano depois- estávamos indo para Santos, na Estação Roosevelt- eu comecei a ler os letreiros do recinto. Abraços.
Olá, amor!
São muitas as pessoas disléxicas...mas, principalmente crianças...
Encontram esta dificuldade no aprendizado.
Hoje é mais fáciol para os professores identificarem o problema e ajudá-los no aprendizado. Inclusive os pais podem colaborar bastante.
Antigamente era mais dificil identificar o problema e muitas crianças acabavam desistindo da alfabetização por conta disso.
Ainda bem, que você não sofreu deste problema. Pena que Carlinhos o tenha sofrido.
Valeu, amor.
Obrigada.
Muita paz! Beijosssssssss
Miguel, as pessoas são diferentes, será que você não exigiu muito do seu irmão? mas são águas passadas, um grande abraço, Nelinho.
Miguel,
mais pontos em comum entre nós, velhos amigos do peito! Eu também comecei a ler e escrever antes de ser matriculado no primeiro ano primário! Só que o autor do meu aprendizado foi o meu pai, ao invés de minha mãe. É que ela, uma das precursoras do feminismo, sempre "trabalhou fora", desde que me lembro. Um dia falarei sobre isso!
Obrigado pelo belo texto que narra o que, infelizmente, aconteceu com tantas crianças, mas que me deu um excelente ponto de partida para outras crônicas!
Abraço.
Miguel, eu também tive muitos problemas com meu aprendizado e como não me dava bem nos estudos, no lugar tentar a política e acabar presidente eu infelizmente resolvi ser comediante. rsrsrs.kkkk.
Chammas, sinto o ocorrido e entendo como vcs devem ter passado. Não é fácil, afinal o aprendizado é, na maioria das vezes, espontâneo, devido a curiosidade das crianças. Teu irmão passou pelo mesmo aprendizado que eu, nos bondes, a boca aberta do xarope São João, Rhum Creozotado etc, só que ninguem me pedia pra ler, eu é que me interessava. Passei os quatro anos do "primário" lendo Gibi e não repeti um. Adorei sua sinceridade. Abraços
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