terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um pequeno milagre de Natal

O ano se esgota, mais uma vez. Apressado – o amigo Nivaldo declarou que, no meu ritmo, a Páscoa seria celebrada antes do Ano Novo - faço como as pessoas que já se acotovelam na 25 de Março, ou compram frutas e brinquedos importados, aproveitando a baixa do dólar.
Então, vou fazer, como no conto de Dickens, uma invocação a um Fantasma do Natal Passado.
Confesso, como disse a música, eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...
Como podem, pergunto, hoje as crianças ainda crerem num ser tão absurdo, vestido de pesadíssimo manto vermelho- invenção da Coca Cola- percorrendo céus tropicais para, numa só noite, antes fosse, presentear a garotada do mundo todo.
Mas, talvez essa crença não seja tão ridícula diante de tantas outras que temos mundo afora.
Pelo menos, o Bom Velhinho nunca ordenou uma Jihad, as Cruzadas, limpezas étnicas, nunca queimou ninguém numa Inquisição. Pelo contrário, em sua origem era, segundo uma lenda, Bispo de Mira, na Turquia, que virou famoso e santo, por distribuir caridade aos pobres e às crianças.
São Nicolau. Para os americanos, seus maiores divulgadores pelo mundo, seu diminutivo: Santa Claus, ou só Santa, como intimamente o chamam. – Tá boa, Santa? Bom, acho que não é por aí...
Para nós, não sei como, chegou sua versão francesa, derivada do Pére Noël. Como se aqui tivesse sido estabelecida La France Antartique...Divagações natalinas à parte, eu, pecador, me confesso novamente - eu acreditava em Papai Noel.

Não era uma crença vã, pelo contrário. Rendia, no Natal, juros e dividendos, em forma de presentes. Embora, muitas vezes, bem modestos.
Não éramos ricos, nossa festa quando íntima era simples. Mas, enquanto minha Vó Sebastiana viveu, quase todo fim de ano o Natal era o grande acontecimento familiar no sobradinho 272, na Rua Albuquerque Lins, defronte ao Cine São Pedro.
Armava-se na sala imenso pinheiro autêntico, com neve de algodão em guirlandas, e sempre as mesmas e enormes bolas de vidrilho colorido. Nem sempre... Ás vezes alguma se quebrava no processo. O perfume de pinho era inesquecível! As máscaras da fachada do São Pedro escancaravam ainda mais suas bocarras!
Para alimentar mais nossa ilusão, um belo Papai Noel mecânico, precursor dos milhares que hoje são vendidos na 25, nos sorria e acenava de seu trenó, deslumbrante na sua vitrine da casa que lhe levava o verdadeiro nome, a São Nicolau, na Praça do Patriarca.
Mas, estávamos crescendo, meu irmão e eu, e já estava ficando vergonhoso, nessa idade, acreditar em tais fantasias. Então, num Natal do fina
l dos anos 40, morávamos em Tietê e nossos pais decidiram acabar com a farsa e contar-nos a verdade.
Ficamos desolados; Papai Noel não existia... O Natal nunca mais seria o mesmo. Mudaria o Natal e nós também!
Era tão grande nossa decepção, que eles ficaram meio constrangidos e arrependidos de tal confissão. Foi então que aconteceu o milagre!
Juro que é verdade, e os ouço como há tantos anos: justo nesse momento, uma charrete passou pelas estradas vizinhas do sítio, e seus guizos tilintavam na noite mágica.
Então, era tudo real, ELE existia mesmo, e cumpria, como diria José Simão, sua heróica e mesopotâmica missão de distribuir seus presentes pelo mundo!
Aliviados, nossos pais se desdisseram: - estávamos só brincando! E continuamos por um pouco mais na nossa santa ingenuidade.

Sim, amigos, Papai Noel, fora desse grotesco contexto comercial, que desvirtua todo o sentido do Natal, o bom São Nicolau de seus primeiros tempos, ainda existe.
Ou pelo menos existiu, por alguns instantes, naquela quase esquecida noite de Natal, faz tanto, tanto tempo.

Por Luiz Saidenberg

8 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, nada mais lindo do que a imaginação de uma criança.
A pureza de suas imagens não pode ser maculada ou desmentida.
Os anos de vida real se imcubem, durante a trajetoria de cada um, de quebrar o encanto e mostrar a realidade.
Para você e seu irmão, o encantamento ainda não estava em tempo de se quebrar, por isso, anjos fizeram ocorrer o milagre.
Ao invés de ganhar presentes, nesse dia, O Aniversariante, doou mais um.
Lindo milhagre!

Soninha disse...

Olá, Luiz!

A magia do Natal, presente na vida das crianças e de todos nós.
Entendo que, naquele momento, quando vocês, crianças, não conseguiam acreditar que aquele ser maravilhoso não existia, justamente num momento que mais queriam que ele viesse e trouxesse os presentes, acredito que emitiram uma vibração tão forte que Jesus ouviu seus corações e, em resposta, fez titlintar o som mágico dos sininhos do trenó tão querido. Sim...aquele som, mostrando que a magia existe sim e está dentro de nós. Nós nos transformamos...sempre. Mas, conservamos a esperança e também a certeza que Ele está lá, e vem nos trazer estes eflúvios de amor e paz a cada final de ano, mostando-nos que sempre é tempo do recomeço.
Linda história a sua.
Valeu.
Obrigada.
Muita paz!

Wilson Natale disse...

Saidenberg: O Père Noël francês vestia-se como um franciscano. Apenas a cor mudava. Vinha pelas estradas com esse hábito, a cabeça coberta com o capuz, um cajado na mão e um pequeno saco às costas. E era magro!
Assim também se vestia o San Nicola napolitano.
Gostei do texto!!!
Abração,

Arthur Miranda disse...

Luiz, eu não acreditava em Papai Noel, até ano de 1999. Nesse ano porem um amigo meu também casado e que como eu não acreditava em Papai Noel, me telefonou no finalzinho do ano dizendo que passou a acreditar em Papai Noel.
Segundo ele ao chegar em casa no dia 24 as quatro da matina, depois de uma hora extra na firma por conta de um balanço de final do ano, ele notou um vulto saindo pela janela do sobrado onde o mesmo morava com sua esposa.
Ao questionar a esposa sobre o acontecido, foi informado que o vulto era o Papai Noel, então a partir desse sincero e emocionante relato conjugal , meu amigo passou a acreditar em Papai Noel...Meu amigo hoje em dia apenas questiona a roupa de Papai Noel, pois garante que papai Noel não usa aquela tradicional roupa vermelha botas pretas e cinto largo, mas Papai Noel na realidade usa um moletom cinza escuro, e se leva um saco é muito bem escondido. Ele garante que em momento algum viu o saco do papai noel, que a mulher garantiu ter visto.
Mas de lá para cá, eu durante todos esses onze anos tenho ficado todos os dias 24 de Dezembro de plantão na praça em frente de casa até as 5 da manhã e até hoje ainda não vi o tal Papai Noel. Mas eu garanto que vou continuar tentando.
Gostei da historia, parabéns e bom Natal

Zeca disse...

Saidenberg,
uma belíssima crônica, onde, tirando-se as diferenças, poderia ter sido contada por muitos de nós que, na primeira infância, esperavamos ansiosos a chegada do Papai Noel. E fica clara a decepção da descoberta de que o bom velhinho nada mais é do que uma mentira que nos contaram, justamente aqueles em quem mais confiávamos - nossos pais! E daí em diante, à medida que os anos passam, nos vão sendo tiradas as mágicas ilusões da infância, que não têm lugar na vida de um adulto. Que pena!
Parabéns pela belíssima crônica!
Abraço.

Luiz Saidenberg disse...

Muitíssimo obrigado, e belo Natal a todos. Mas, Tutu, seu amigo não viu o uniforme do Papai Noel, mas com certeza sentiu a presença das renas, com seus chifres bem atrás da cabeça dele...abraços.

Modesto disse...

De fato, Saidenberg, a ilusão de uma criança deve ser mantida até a exaustão. Faz parte da própria condição de ser criança que é quando a imaginação trabalha, produzindo frutos que, as vezes, deixam de ser ilusão passam pra realidade. Eu não sofri muito o impacto da descoberta pois, ganhavamos os presentes no dia 6 de janeiro, Dia da Epifania e, quando indagavamos aos nossos pais, eles diziam que o dia certo das presente era o dia dos Tres Reis Magos, que presentearam Jesus. Papai Noel era invenção de americanos... Tenho um filho, Marcelo, nascido no dia 6 de janeiro e coloquei no seu sobrenome Reis e ele, até hoje indaga o por que. Parabéns, Luiz, bela crônica.
Modesto

suely disse...

E como diz Pessoa:"Grandes mistérios habitam/O limiar do meu ser,/O limiar onde hesitam,/Grandes pássaros que fitam/Meu transpor tardo de os ver...//Então desperto do sonho/E sou alegre da luz/Inda que em dia tristonho,/Porque o limiar é medonho/e todo passo é uma cruz".
Parabéns por mais um primor de texto.