O último dia do ano para mim foi um dia muito especial desde a minha infância, 1949 quando tinha ainda 10 anos de idade. O motivo especial para ficar acordado vendo o ano mudar de unidade de milhar. No caso de 1949 para 1950, mudou a dezena de milhar. A corrida começava faltando vinte para meia noite e terminava a meia noite em ponto, saída e chegada à Rua Conceição, (mais tarde Casper Libero) em frente ao prédio de A Gazeta.
Quando os ponteiros estavam juntinhos mostrando que era meia noite, alguns fogos eram soltos e eles vinham da cidade que, pelo fato de não haver tantas edificações, dos bairros mais próximos se ouvia o barulho dos fogos de artifício, saudando o novo ano. Mas, o costume de fazer barulho vinha de outra maneira; a maioria dos postes da Light eram de ferro e muita gente batia com martelo ou barra de ferro nos postes, fazendo barulho por vários minutos, era legal e, principalmente, a garotada se divertia muito.
Em 1958, aos 18 anos, eu já tinha o direito de ficar na rua até mais tarde, de acordo com as regras da época. Sendo assim, às 20 horas eu já estava no Anhangabaú, dando os primeiros passos do último dia do ano, pelo centro da cidade que seria por muito tempo a passarela dos meus passos. Girava todo aquele enorme quadrilátero do “centro novo” onde tinham vários cinemas, do Marrocos até o República, muitas lanchonetes, restaurantes, da Salada Paulista, Kibelandia e Um Dois feijão com Arroz. Tinha também antros de perdição; era só seguir a direita pela Av. Ipiranga ,e poucos quarteirões depois, estava a boca do Lixo, era caminhar e “ser feliz”.
Às 23h30min eu já me programava para assistir a passagem dos corredores da São Silvestre. Meu local preferido era na esquina da Avenida São João com a Ipiranga, meu lugarzinho cativo era a parede do City Bank, que naquele ano de 1958, o primeiro corredor a passar foi o Argentino Osvaldo Suares, que nos dois anos seguintes seria novamente ele passando em primeiro.
Nesse mesmo ano entrei na congregação Mariana, uma instituição da igreja católica que tinha um belo time de futebol. Ao final do ano todas as congregações tinham que enviar rapazes para ficar na igreja de Santa Ifigênia porque, segundo eles (da igreja), o sacrário não podia ficar a sós. E nossa instituição tinha o dia 31 de todos os meses como data fixa; em dezembro estávamos lá a partir das 22 horas para tomar aquele café reforçado, com leite pão e biscoitos para aguentar a noite toda. Cada grupo tinha que ficar durante uma hora, e seria substituído por outro grupo. Meu horário era da uma às duas da madrugada. Na noite de dezembro, ficávamos na janela para ver o barulho do evento pelo menos.
Mas o ano que mais marcou a corrida de São Silvestre foi em 1964, quando um corredor indígena ia participar. Não me lembro do nome dele, mas sei que ele correu descalço, não me lembro de sua colocação, mas ele passou por lá, que era poucos metros antes da chegada. Enquanto não passava o indígena e já tinha passado o vencedor Gaston Roelants da Bélgica, um corredor Alemão pisava no trilho do bonde e torcia o pé, se ele chegou até o final não sei, mas manquitolando ele passou por nós, que batíamos palmas. Nesse dia encontrei com uma amiga, que foi minha companheira do último dia daquele ano (1964), como todos gostavam daquele local para ver a corrida.
A parede do City Bank era muito requisitada, e ela queria ir a outro lugar porque não estava enxergando bem. Falei pra ela, fica fria, vou fazer escadinha e você se agarra no vitrô do banco. Ela ficou brava e já foi dizendo: e você acha que vou ficar dependurada no vitrô? - Que nada menina, é só para você ficar na altura do meu ombro, dai você senta nele e, assim foi, além de assistir a corrida meu ombro serviu de carona. Meu pescoço de suporte.
A corrida de São Silvestre era a referência do último dia do ano. Depois da corrida, ia eu de volta ao Anhangabaú, até em baixo do viaduto do chá, para ver se alguém havia se atirado lá de cima, pois sempre tinha um corpo estirado ao chão. Até fotógrafo de jornal, que dava preferência a notícia policial, ficava de plantão. A imagem de corpos ali, sempre no sentido de quem ia para zona sul, foi vista algumas vezes.
Eram pessoas que não tinham tido um bom ano ou uma decepção amorosa, ficavam ali jaz, esperando a policia técnic,a que geralmente demorava. Não me lembro bem o ano, mas uma dessas imagens ficou gravada na minha memória, foi o de uma moça bonita, de vestido e sapato branco. E as indagações dos muitos curiosos, em burburinhos: O que será que passou pela cabeça dela?
Essa caminhada anual foi até 1968, porque no ano seguinte uma moça de nome Marieta falou pra mim: Quer casar comigo? Pensei bem e raciocinei, não poso perder essa chance, pode ser a última. Aceitei e com essa namorada estou desde 1966, até hoje. Haja paciência!
Por Mário Lopomo
Quando os ponteiros estavam juntinhos mostrando que era meia noite, alguns fogos eram soltos e eles vinham da cidade que, pelo fato de não haver tantas edificações, dos bairros mais próximos se ouvia o barulho dos fogos de artifício, saudando o novo ano. Mas, o costume de fazer barulho vinha de outra maneira; a maioria dos postes da Light eram de ferro e muita gente batia com martelo ou barra de ferro nos postes, fazendo barulho por vários minutos, era legal e, principalmente, a garotada se divertia muito.
Em 1958, aos 18 anos, eu já tinha o direito de ficar na rua até mais tarde, de acordo com as regras da época. Sendo assim, às 20 horas eu já estava no Anhangabaú, dando os primeiros passos do último dia do ano, pelo centro da cidade que seria por muito tempo a passarela dos meus passos. Girava todo aquele enorme quadrilátero do “centro novo” onde tinham vários cinemas, do Marrocos até o República, muitas lanchonetes, restaurantes, da Salada Paulista, Kibelandia e Um Dois feijão com Arroz. Tinha também antros de perdição; era só seguir a direita pela Av. Ipiranga ,e poucos quarteirões depois, estava a boca do Lixo, era caminhar e “ser feliz”.
Às 23h30min eu já me programava para assistir a passagem dos corredores da São Silvestre. Meu local preferido era na esquina da Avenida São João com a Ipiranga, meu lugarzinho cativo era a parede do City Bank, que naquele ano de 1958, o primeiro corredor a passar foi o Argentino Osvaldo Suares, que nos dois anos seguintes seria novamente ele passando em primeiro.
Nesse mesmo ano entrei na congregação Mariana, uma instituição da igreja católica que tinha um belo time de futebol. Ao final do ano todas as congregações tinham que enviar rapazes para ficar na igreja de Santa Ifigênia porque, segundo eles (da igreja), o sacrário não podia ficar a sós. E nossa instituição tinha o dia 31 de todos os meses como data fixa; em dezembro estávamos lá a partir das 22 horas para tomar aquele café reforçado, com leite pão e biscoitos para aguentar a noite toda. Cada grupo tinha que ficar durante uma hora, e seria substituído por outro grupo. Meu horário era da uma às duas da madrugada. Na noite de dezembro, ficávamos na janela para ver o barulho do evento pelo menos.
Mas o ano que mais marcou a corrida de São Silvestre foi em 1964, quando um corredor indígena ia participar. Não me lembro do nome dele, mas sei que ele correu descalço, não me lembro de sua colocação, mas ele passou por lá, que era poucos metros antes da chegada. Enquanto não passava o indígena e já tinha passado o vencedor Gaston Roelants da Bélgica, um corredor Alemão pisava no trilho do bonde e torcia o pé, se ele chegou até o final não sei, mas manquitolando ele passou por nós, que batíamos palmas. Nesse dia encontrei com uma amiga, que foi minha companheira do último dia daquele ano (1964), como todos gostavam daquele local para ver a corrida.
A parede do City Bank era muito requisitada, e ela queria ir a outro lugar porque não estava enxergando bem. Falei pra ela, fica fria, vou fazer escadinha e você se agarra no vitrô do banco. Ela ficou brava e já foi dizendo: e você acha que vou ficar dependurada no vitrô? - Que nada menina, é só para você ficar na altura do meu ombro, dai você senta nele e, assim foi, além de assistir a corrida meu ombro serviu de carona. Meu pescoço de suporte.
A corrida de São Silvestre era a referência do último dia do ano. Depois da corrida, ia eu de volta ao Anhangabaú, até em baixo do viaduto do chá, para ver se alguém havia se atirado lá de cima, pois sempre tinha um corpo estirado ao chão. Até fotógrafo de jornal, que dava preferência a notícia policial, ficava de plantão. A imagem de corpos ali, sempre no sentido de quem ia para zona sul, foi vista algumas vezes.
Eram pessoas que não tinham tido um bom ano ou uma decepção amorosa, ficavam ali jaz, esperando a policia técnic,a que geralmente demorava. Não me lembro bem o ano, mas uma dessas imagens ficou gravada na minha memória, foi o de uma moça bonita, de vestido e sapato branco. E as indagações dos muitos curiosos, em burburinhos: O que será que passou pela cabeça dela?
Essa caminhada anual foi até 1968, porque no ano seguinte uma moça de nome Marieta falou pra mim: Quer casar comigo? Pensei bem e raciocinei, não poso perder essa chance, pode ser a última. Aceitei e com essa namorada estou desde 1966, até hoje. Haja paciência!
Por Mário Lopomo
7 comentários:
Olá, Mário!
A corrida de São Silvestre é ícone de virade de ano, não é mesmo?!
Meu amado pai e meu avozinho não perdiam por nada.
Também gosto muito da corrida...tenho amigos que participam, para testarem seu rendimento de treinos que fizeram ao longo do ano.
Legal, né?!
Valeu.
Obrigada.
Feliz 2011!
Muita paz!
É verdade Sônia. A corrida de São Silvestre é marco em nossas vidas, é uma pena que já alguns anos ela não fecha o ano como antes, pois foi transferida da luz artificial para a luz natural, sem o brilho das estrelas e a barulhada da meia noite quando o ano que esta mudando seu algarismo final. Más uma coisa tem que se realçar este ano fomos brindados com seu bonito e gostoso Blog, onde pudemos colocar nossos causos. Espero um ano de muita saúde para você e, que aquilo que nos relatou com sua saúde no decorrer deste ano, tenha sido apenas um pequeno susto. Um grande abraço a você e seu consorte Miguel, e que estejamos todos no ano que se avizinha, reunidos nas paginas do seu blog. A todos os colegas autores um feliz ano de 2011.
Boa lembrança, Lopomo! Da S. Silvestre quando saía da Cásper Libero. O centro fervilhava de gente e o espetáculo fscinava. E lembro bem o esforço da TV Tupi e da TV Record que precariamente colocavam os caminhóes de externa, em pontos estratégicos para levar ao ar as imagens da corrida.Lembo dos reporteres volantes, com aquela enorme geringonça sem fio, acompanhando de moto ou de carro,acompanhando passo a passo a evolução da corrida.
E lembro bem a loucura dos barulhos após a meia-noite.
O viaduto do chá, infelizmente, era chamado de porta do inferno. Toda a comemoração da cidde era marcada por suicídios.
E boa essa lembrança referindo-se ao outro lado do Viaduto como Cidade Nova. Acho que ninguém mais lembra dessa denominação.
É como a subida da Rangel Pestana que, até os anos 70 ainda chamavam-na de Ladeira do Carmo.
Pena que a Erundina, atendendo aos interêsses da Globo,matou a tradição e mudou a corrida para o dia, favorecendo a queima de fogos do Rio de Janeiro... E ninguém fez nada!
Desejo a você e aos seus,um Ano Novo com todo os seus 365 dias felicíssimo!!!
Abração,
Natale
Mario, lembranças importantissimas do cenário paulistano. As batidas nos postes, a São Silvestre verdadeira, os trajetos até a porta do inferno ou a boca do lixo.
Só restou uma duvida, quando mvc arremata o texto com aquele "haja paciência", acho que a paciência em excesso foi, sempre, da Da. Marieta.
Bom 1911!
É Mário, bons tempos da São Silvestre, que não voltam mais, seu texto despertou muitas saudades. Hoje em minha memória existem duas São Silvestres. A São Silvestre AG e a São Silvestre DG . Antes e Depois da Globo.
A globo estragou o Faustão, o Serginho Groisman, a Angélica, a Dercy Gonçalves,o Chacrinha, porque razão não estragaria também a São Silvestre? Ela só não conseguiu estragar o Hulk, pois ele ja estava estragado antes da Venus Platinada.
Passagem do ano, quanta emoção, quantas recordações, quem não as tem? Corrida de São Silvestre, badalar os postes de ferro, o bairro inteiro e em todos os bairros, eramos sineiros da catedral do novo mundo que despertava as gerações de dorminhocos. Maravilhosas lembranças, Lopomo, parabéns. Feliz Ano Novo
Modesto
Um ritual de passagem deixa marcas indeléveis. Parabéns pela paciência e pelas belas recordações.
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