sábado, 30 de abril de 2011

Dois minutos


Não mais que isto. Diria que durou uma eternidade, ou apenas segundos? Não sei, pois esse tempo fora elipsado de minha vida...
Lá fora, brilhava o Sol, numa linda manhã do litoral norte paulista. O ar perfumado que era a primeira coisa a me comover, quando descia do carro para abrir o portão. Pássaros cantavam, muito diversos dos da capital, até mesmo talvez o Sem Fim, com seu lamento pungente. Mas eu nada via ou ouvia, estendido no chão da cozinha.
São Paulo, 1995. Eu estava às vésperas de tomar uma decisão crucial, pois haviam querido me despedir da grande agência onde trabalhava, agora na Gomes de Carvalho, Vila Olímpia. Queriam despedir a todos nós, que pertencêramos à velha agência da Vila Buarque, agora comprada e absorvida por esta outra. Chegara minha vez, mas, verificaram que não poderiam... Faltava um ano e meio para minha aposentadoria. Teriam de continuar me aturando, e eu, de frequentar um local em que já não havia sentido, nem condições psicológicas para continuar trabalhando.
Da geladeira ao balcão, poucos metros. Apanhei uma garrafa de Coca Cola e dirigi-me para ele, mas não chegaria lá.
Ao mesmo tempo em que insistiam na minha presença na firma, um amigo, trabalhando em outra, chamou-me para ser seu parceiro. Aceitaria? E se descobrissem, havia o risco de justa causa na primeira, e talvez também não pegasse bem, na segunda. Muito tenso, fui ao médico, que me receitou pílulas para a pressão que, geralmente, era e é normal.
Caminhei alguns passos, a Coca na mão, então tudo sumiu para mim.
Havíamos descido para o litoral, onde a pressão sempre é menor. Esquecido que já havia tomado o remédio de manhãzinha, tomei outra pílula. A pressão desabou. E desabei também. Quando despertei, como de muito longe, minha mulher gritava aos filhos para chamar o caseiro. Cacos de garrafa de Coca ao redor, levantei-me, como Lázaro dos mortos.
Dois minutos, talvez... Mas, foi como cortar, na montagem, um trecho de um filme e jogá-lo no lixo. Era assim que antigamente faziam nas produtoras de cinema. Simplesmente desliguei; dois minutos de vida, como se não houvessem existido. Será assim a morte? Acredito que deva ser parecida com isto.
Dois minutos, e talvez tenham me ajudado numa outra noção, de que é necessário sempre saborear ardentemente o viver, além da Coca Cola perdida.
Aceitei o novo emprego. Fazendo das tripas coração, continuei nas duas empresas, embora só realmente trabalhasse na segunda. Mas recebia em dobro, tive décimo terceiro em dobro, aumento em dobro, tudo na forma da Lei. E não me arrependi em dobro, muito pelo contrário...
Quando afinal fui demitido da primeira, logo o fui da segunda, pois o amigo que me convocara havia subido precocemente, e não seria substituído. Também demitido em dobro, mas a vida continuava, mesmo sem aqueles dois minutos...

 
Por Luiz Saidenberg

9 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, tudo em dobro?
A minha apagada não foi em dobro, mas o periodo de recuperação foi o triplo do que eu gostarioa que fosse.
Apaguei na Estação da Luz e acordei na Santa Casa de Misericordia de São Paulo.
Não tive nada em dobro, apenas, por consideração do empregador, tive meus vencimentos mantidos o tempo todo em que estive me recuperando, depois, lógico, a dispensa.
Que fazer? Coisas da vida!

Soninha disse...

Olá,Luiz!

Que situação, heim!
É horrivel perder os sentidos...eu detesto.
Recentemente, tive síncope...em dois dias,cinco desmaios e foram horriveis!
Mas,felizmente,eles foram o start para disparar a maratona de exames que,posteriormente,foi possivel detecar o câncer da tireóide e ser exterminado a tempo.
Pena que vocêperdeu seu trabalho.Porém, entendo que Deus não nos fecha a porta sem deixar uma janela aberta,por nde enchergamos novos horizontes e traçamos novos rumos,não é mesmo?!
Valeu, Luiz!
Obrigada.
Muita paz!

Zeca disse...

Luiz!

Interessantes, essas experiências! Talvez sirvam para darmos mais valor à vida e nos ajudem a tomar decisões que estavam nos atrapalhando.

Acredito que as demissões viriam, inevitavelmente. Com o "apagão", voce acabou ganhando tempo e, o mais importante, a consciência de que a vida deve ser vivida, saboreada e até mesmo homenageada.

É muito saborosa a forma como você conta suas histórias. Parabéns!

Abraço.

Modesto disse...

Gostei muito de sua narrativa, Luiz, é sempre um enorme prazer ler um belo texto seu. Um pouco de crônica e muita poesia. Parabéns, Saidenberg.
Modesto

Wilson Natale disse...

Saidenberg: Que saudades dos tempos em que sofríamos o TERRORISMO COLETIVO DO "BILHETE AZUL"!... Brincadeirinha (risos)!
Passei por isso algumas vêzes e é, realmente,um terror que interfere na nossa vida, quer seja no trabalho ou no particular. É aquela sensação de beco sem-saída, de fim da linha.
Eu cheguei a armar uma bruta encrenca porque pegaram o meu óculos que eu Havia deixado na minha mesa.Óculos que estava o tempo todo em minha cabeça - costume que eu tinha, quando sentia a vista cansada...
E o pior foi aquele ódio e desconfiança contra todos, achando que queriam que eu fosse mandado embora antes deles.
Com você aconteceu um comprimido a mais e a cegueira completa que o impedia de ver que, no seu caso era o menor dos males - havia uma aposentadoria.
Valeu esse estado todo, no sentido de fazer você entender que a vida continua. E tem que ser vivida!
Gostei da narrativa!
Abração,
Natale

suely aparecida schraner disse...

Bem que dizem que só temos duas idades: "vivo e morto". Também acredito que este tipo de apagão serve para refletirmos sobre a fragilidade humana. Como sempre, eu gostei muito da sua narrativa. Abraço e tenha uma semana criativa e de muita paz.

Luiz Saidenberg disse...
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Memórias de Sampa disse...

Olá,Luiz, querido amigo!

Nem pense em ir para outras bandas, não!Não vamos deixar!Sua presença é muito imortante e obrigatória aqui no blog.
Suas histórias,seus textos,suas memórias, seu jeito de escrever, só enriquecem este espaço ainda mais.
Penso que sou eu quem erra,postano uitos textos e não dando tempo para todos virem e lerem...Talvez eu devesse postar dia sim dia não...quem sabe?!
Mas,por favor,lhe peço, jamais nos deixe e lembre-seda velha e sábia citação que émais importante a qualidade do que a quantidade!
Este espaço não seria o mesmo sem seus textos, meu querido amigo!
Com a licença de Márcia, vou lhe puxar as orelhas, heim! rsss
Fique bem! Excelente restinho de semana. Bom trabalho.
Muita paz!
Abraçãooooooooo fraterno!

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado, querida Soninha. Agradeço seu apoio, e vamos em frente, mas ando mesmo pouco inspirado para a escrita, ùltimamente...mas é só uma fase.
Qu epassará. Sou mesmo de fases, às vezes pinto, ou escrevo, ou dedico-me à escultura, o que estou fazendo agora.
Abrações!