Por estes dias, revi um amigo de quarenta anos atrás. Lembrei-me dele, depois de tanto tempo, e procurando na lista telefônica on-line, lá estava seu número. Imagine-se seu espanto ao escutar-me!
Conheci-o na primeira grande agência de propaganda em que trabalhei, na Rua 7 de Abril, prédio dos Diários Associados. A firma tinha, e ainda tem grandes contas internacionais, poucas emergências, sobrava tempo para brincadeiras e gozações, em pleno expediente. Numa das vezes, o pessoal preparou aviões de papel, carregando bombinhas acesas.
Um desses projeteis, ao invés de atravessar a 7 de Abril, rumo a um alvo mais distante, fez meia volta e entrou pela janela do andar de baixo,na sala de um contato. E lá explodiu, como um Exocet.
Outra vez, uma bandinha estacionou defronte ao prédio, tocando mal e porcamente. Meu amigo reuniu a turma do estúdio, que, com os potes de água, usados para lavar pinceis, deu um banho na "Furiosa" (literalmente).
Em outro caso, não foi brincadeira: um ventilador de parede explodiu junto a um janelão, levantou vôo, e como um helicóptero suicida atingiu a testa de um pobre transeunte, que, furioso, subiu para reclamar. O pior é que ele já tinha sofrido uma trepanação e por muita sorte não teve a segunda.
Apesar do nosso bom humor, nem tudo eram flores, na 7 de Abril. Aconteceu o golpe de 31 de Março e logo a rua foi inundada por marchas militares e religiosas, rufar de tambores, clarins e pregações bombásticas. Hinos e orações, em tons cada vez mais histéricos. E desta vez, nem dava para jogar água neles.
Logo se instalou ali o comitê do "Dê ouro para o Bem do Brasil", e vi muita gente posuda da agência, entregando seu anel, num verdadeiro "beija-mão" dos militares. A diferença é que o anel era o do povo, que o deu de mão beijada e nunca mais teve notícia desse bem, levado pelos ladrões de plantão. Quanto ao dito “Bem do Brasil", todo mundo viu no que deu.
Tempos depois, saí da agência e nunca vi, por muitos anos, nem soube deste meu amigo.
Quarenta anos depois, cá estou no Garabed, famosa, mas oculta esfiharia de Santana, aguardando o Valnir, este o seu nome. Fui até lá, tão longe de casa, para facilitar-lhe as coisas, pois nesta idade, não se sabe quem ainda está em boa forma. E meu amigo sempre morou na zona norte.
Mesmo morador da região, ele demorou-se, pois havia se perdido pelas estreitas ladeiras.
Finalmente, surge à porta, encanecido e mais baixinho ainda do que já fora, mas reconheci-o imediatamente. Tratamos de colocar o papo em dia. Quantas emoções, quantas lembranças passadas, quantos dramas se haviam desenrolado. Havíamos sobrevivido a tudo, e ali estávamos, ainda firmes e garbosos.
Numa cidade como esta, onde cada um luta duramente para cuidar de si e dos seus, com imensas distâncias, todas repletas de trânsito enlouquecedor, ainda assim há lugar para reencontros agradáveis.
Em segundos, todo o tempo e o espaço se transformam em zero, como se não tivesse existido. Basta um pouco de boa vontade.
Por Luz Saidenberg
Conheci-o na primeira grande agência de propaganda em que trabalhei, na Rua 7 de Abril, prédio dos Diários Associados. A firma tinha, e ainda tem grandes contas internacionais, poucas emergências, sobrava tempo para brincadeiras e gozações, em pleno expediente. Numa das vezes, o pessoal preparou aviões de papel, carregando bombinhas acesas.
Um desses projeteis, ao invés de atravessar a 7 de Abril, rumo a um alvo mais distante, fez meia volta e entrou pela janela do andar de baixo,na sala de um contato. E lá explodiu, como um Exocet.
Outra vez, uma bandinha estacionou defronte ao prédio, tocando mal e porcamente. Meu amigo reuniu a turma do estúdio, que, com os potes de água, usados para lavar pinceis, deu um banho na "Furiosa" (literalmente).
Em outro caso, não foi brincadeira: um ventilador de parede explodiu junto a um janelão, levantou vôo, e como um helicóptero suicida atingiu a testa de um pobre transeunte, que, furioso, subiu para reclamar. O pior é que ele já tinha sofrido uma trepanação e por muita sorte não teve a segunda.
Apesar do nosso bom humor, nem tudo eram flores, na 7 de Abril. Aconteceu o golpe de 31 de Março e logo a rua foi inundada por marchas militares e religiosas, rufar de tambores, clarins e pregações bombásticas. Hinos e orações, em tons cada vez mais histéricos. E desta vez, nem dava para jogar água neles.
Logo se instalou ali o comitê do "Dê ouro para o Bem do Brasil", e vi muita gente posuda da agência, entregando seu anel, num verdadeiro "beija-mão" dos militares. A diferença é que o anel era o do povo, que o deu de mão beijada e nunca mais teve notícia desse bem, levado pelos ladrões de plantão. Quanto ao dito “Bem do Brasil", todo mundo viu no que deu.
Tempos depois, saí da agência e nunca vi, por muitos anos, nem soube deste meu amigo.
Quarenta anos depois, cá estou no Garabed, famosa, mas oculta esfiharia de Santana, aguardando o Valnir, este o seu nome. Fui até lá, tão longe de casa, para facilitar-lhe as coisas, pois nesta idade, não se sabe quem ainda está em boa forma. E meu amigo sempre morou na zona norte.
Mesmo morador da região, ele demorou-se, pois havia se perdido pelas estreitas ladeiras.
Finalmente, surge à porta, encanecido e mais baixinho ainda do que já fora, mas reconheci-o imediatamente. Tratamos de colocar o papo em dia. Quantas emoções, quantas lembranças passadas, quantos dramas se haviam desenrolado. Havíamos sobrevivido a tudo, e ali estávamos, ainda firmes e garbosos.
Numa cidade como esta, onde cada um luta duramente para cuidar de si e dos seus, com imensas distâncias, todas repletas de trânsito enlouquecedor, ainda assim há lugar para reencontros agradáveis.
Em segundos, todo o tempo e o espaço se transformam em zero, como se não tivesse existido. Basta um pouco de boa vontade.
Por Luz Saidenberg
18 comentários:
Correção: onde se lê: PARCAMENTE, ler-se PORCAMENTE. E creio que tb não coloquei O CONHECI, mas CONHECI-O. Desculpem, e obrigado.
O encontro de velhos companheiros é a afirmação de como envelhecemos, não percebemos e nem aceitamos. Ao defrontar-se com esse velho amigo, vc deve ter pensado, só, sem falar nada: "nossa, como esse cara envelheceu", sem perceber que ele pensou o mesmo de vc. E os dois, ao apertarem-se as mãos, dizem: "nossa, vc está o mesmo..."
Parabéns, Saidenberg, sua escrita é, como sempre, bela.
Modesto
Olá,Luiz!
Corrigido.
É que eu havia optado pelo modo acadêmico e gramaticalmente correto.
SObre o pronome "o" teria de vir na frente do verbo.
Sobre a expressão popular "mal e porcamente", no odo acadêmico o correto seria "parcamente"...O porco entrou de gaiato nesta história, por conta do populacho que acaba adotando a sonoridade mais conhecida.
Mas,corrigido. Respeitando o original do autor.
Me descupe,ok?!
Obrigada.
Bom carnaval.
Muita paz!
Na campanha de ouro para o bem do Brasil, eu que não perdia uma, estava lá na Rua 7 de Abril 230, sede dos Diários associados. Era o dia do lançamento do tal beija mão dos milicos. (Tinha muita gente entre os ilustres estava o governador do estado senhor Adhemar de barros e a primeira dama Leonor Mendes de Barros, uma das poucas vezes que ela estava ao lado dele que segundo línguas era um putanheiro) a festa não foi tão legal como eu queria, pois não tinha comes e bebes. Para não dizer que não fiz o meu beija mão dei uma aliança de metal na cor de ouro que a gente tinha para agradar as coroas que gostavam de rapazes casados. Lá se foi a minha, mas depois comprei outra na esquina da São João com a Ipiranga onde tinha o Cotonete que vendia só coisas fajutas.
Olá,Luiz!
Muito legal quando podemos reencontrar amigos antigos, saber que estão bem e que,como nós, envelhecendo.
A campanha doe ouro para o Brasil, lembro-me que meu avô paterno e meu pai foram doar algumas coisinhas...
Para nós,crianças, na época, não entendíamos nada,pois dava-seuma aliança,por exemplo, e ganhava outra...rss.Era muito para as cabecinhas infantis.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!
Caro Luiz!
Quantas coisas você me fez lembrar com esta nova crônica, tão bem delineada e construída!
Nessa época, eu ainda era um adolescene e não frequentava o centrão, apenas quando ia a um dos excelentes cinemas que havia por lá. Lembro de um que havia na 7 de abril, o Cine Coral, criado para ser um dos "cinemas de arte" espalhados pela cidade, onde passavam os filmes de maior qualidade, embora não necessariamente de maior público. Infelizmente, como a maior parte do que havia naquela região, foi sendo contaminada pela decadência e hoje não existem mais. No caso do Cine Coral, chegou a ser transformado em cinema de filmes pornográficos e, por fim, antes do fechamento definitivo, de sexo mesmo.
Quando comecei a trabalhar, cheguei a frequentar mais a região da Barão de Itapetininga, por conta das várias lojas de roupas e calçados finos, além de alguns cinemas, restaurantes e outras casas de qualidade. Infelizmente em muito pouco tempo tudo aquilo começou a ruir e hoje, ensaia-se uma mal administrada retomada dos velhos tempos.
E o reencontro com seu antigo colega de trabalho, como a maioria dos reencontros, deve ter sido emocionante e gratificante. Eu já tive alguns "reencontros" e, em todos, me emocionei bastante.
Parabéns por mais este belo texto.
Abraço.
Muito obrigado pelas correções, Soninha, e obrigado a todos. Embora O conheci possa ser mais correto, para mim não soa bem, bem como parcamente, mais ligado a ser parco, modesto e frugal. Não era o caso da bandinha...
Quanto ao episódio dos aneis foi mesmo trágico, e embora eu não usase, nada daria mesmo se tivesse, ainda que fosse de latão, com uma caveira de plático no meio.
Achei de subserviência atroz, ainda mais dos figurões da Mc Cann. Que aliás, criou ali aquela campanha, agencia americana que era, para satisfazer a CIA, e o pobre povo foi no engôdo do anti comunismo; o marxismo era doutrina inviável para nosso país. Pois é, vão se os aneis, e às vezes nem ficam os dedos...abraços.
Já que falamos de correções, caveira de PLÁSTICO. Desculpem !
Quanto ao encontro com meu ex- colega, acho que ainda estávamos bem reconhecíveis. Rugas, cabelos brancos, mas é natural, mas o mesmo o mesmo peso, sem barrigas...
A maior diferença estava, isto sim, nos destinos; ele permaneceu na mesma vida, com a mesma mulher dos tempos da Mc Cann e no mesmo bairro. Sua carreira tb não decolou, ao passo que a minha sofria transformações violentas. Foi um bom papo, mas depois disto não nos voltamos a nos comunicar...nada tínhamos mais a ver. Abraços.
Saidenberg: Liga não!
Já comentei com a Soninha sobre o que seria dos escritores se não existissem os revisores e os editores.
Quanto a Rua Sete de Abril, creio que todos vivemos muitas histórias por lá. E tudo acontecia lá, nos tempos da "Dita".
E que bom rever os velhos amigos de "baderna" escritorial. Relembrar velhas brincadeira, nem sempre inocentes (risos).
Eu, sempre "um bom menino", adorava jogar ovos pela janela do escritório lá na Álvares de Azevedo.
Abração,
Natale
Puutz! Titio Alz e Titia Escle estão por aqui! Ahahahahahahaaaa!
LEIA-SE ÁLVARES PENTEADO.
Natale
Luiz na campanha de Ouro para o bem do Brasil, não dei nada, se naquela época eu tivesse ouro ele jamais seria dado em beneficio dos corruptos do Brasil, como já iniciava alguns trabalhos em Televisão, vi de perto a Campanha acontecer nos saguões das Emissoras Associadas e Televisão Tupi no Sumaré. Quanto a amigo, um dia encontrei-me com um amigo de infância em andar do antigo Banco do Estado de São Paulo, onde o mesmo trabalhava e foi decepcionante, na despedida não me deu nem seu telefone e muito menos seu endereço, ou pelo menos um convite para outro dia em outro local, a gente pudesse se encontrar para um bate-papo mais a vontade. Historia muito bem contada come sempre, parabéns.
Muito obrigado, amigos.E Wilson, não fiquei bravo com a Soninha. Como poderia? Pelo contrário, na sua gentileza e prestimosidade, ela
zela por nós, e o site, como se filhos fossemos. Só posso agradecer tais cuidados. É que, às vezes, a correção, penso, pode ser um pouquinho esquecida em função da eufonia, e no caso do "porcamente", da forma consagrada popularmente. Abraços.
Saidenberg: Não falei que você estava bravo com a Soninha. Falei da sua preocupação em corrigir os êrros.
E a verdade é que escritores renomados quando recebem a "prova' de um livro ficam abismados com os erros léxicos, sintáticos e normativos.
E se eles erram, "nóis tamém podi, né"?
Abração,
Natale
Errar é humano, Natale. Todos erramos, e eu muito, por ser péssimo digitador. Mas cuido de meu português e orgulho-me, não de ser infalível, mas de errar pouco
no vernáculo. Abraços.
Luiz Saidenberg,
Exocet? Trepanação? Enganação? Quanta danação! E nem era 1º de abril e sim a 7 Abril reavivando a memória e despertando polêmicas vernáculas. Grata por compartilhar conosco saborosas crõnicas.Abraço.
Luiz, 7 de Abril foi uma das ruas por onde mas andei na minha vida de boy, muito me agradava andarpor suas calçadas.
Com relação à Garabed, foi lertuas linhas e minha boca seencherde goistoso paladar.
WQuantas saudades!
Ah, não comentei ants pois em viagem não tinha acesso à net, desculpe.
Não há de quê, caro Miguel. O Garabed, é mesmo muito bom, barato e enrustido. Ótimo lugar para se ir, mas para mim é muito longe, como a Pizzaria Bruno. Requer dia e trânsito mais tranquilo...estou meio cansado de tráfego paulistano.Um abraço.
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