quarta-feira, 30 de março de 2011

Memórias de botequim I





Vamos relembrar a década 50. O ano? Pode ser 1956, não importa. O que importa mesmo é o que a minha memória foi buscar, lá escondidinho, nos recôncavos de uma mente tão cheia de preocupações.

Outro dia, conversando com minha esposa ouvi dela que durante o dia, em um desses programas de TV onde se cultua a arte da culinária, ela havia aprendido um prato formado por frango na cerveja e polenta. Estávamos a avaliar o sabor desse prato quando ela, num relance de lembrança, disse que além desse prato o programa havia apresentado a receita do ”bolovo”, ou seja, o bolinho de ovo cozido e empanado. Confirmei que tal bolinho era sempre um dos meus favoritos, quando encostava meu umbigo no balcão de um botequim.

Conversa vai, conversa vem, falando dos botequins da vida, veio, de supetão, uma deliciosa lembrança. Lembrei que, quando eu era o melhor office-boy de São Paulo, e trabalhava na Condemar, lá na Rua Senador Feijó, tinha um balcão de botequim que eu fazia questão de me encostar.

Era um pequeno bar na Rua Padre Adelino, quase na frente do famoso Lanifício Fileppo. Sempre que surgia uma fatura para ser entregue, ou então uma amostra de fio para ser levada até lá, eu fazia questão de ser o portador. Ia, quase sempre, em horários próximos do almoço. Apanhava o ônibus na Praça da Sé e antes de chegar ao Lanifício ou depois de lá chegar e fazer minha obrigação, eu parava no pequeno barzinho.

Atrás do balcão, servindo clientela, sempre estava uma senhora. Tinha ela a aparência de uma “mamma”, na cabeça um lenço estampado, protegendo a barriga um avental. No rosto, um sorriso enternecedor e mantendo na estufa, em cima do balcão, umas polpettas fritas, divinamente deliciosas. As polpettas eram bem fritas e sequinhas, uma verdadeira delicia. Já sabendo a minha pedida, ela colocava a porção de seis unidades do divino quitute, abria uma garrafa de guaraná da Brahma, estupidamente gelada, e me deixava saborear o almoço tão ambicionado. Essa lembrança, que pena, jamais poderá ser repetida. A “mamma” com suas polpettas não mais está ali estabelecida e, infelizmente, já não existe o Guaraná Brahma.

Por Miguel Chammas

15 comentários:

Zeca disse...

Miguelito, caramigodopeito!

Quer dizer que não existe mais guaraná Brahma?! Dessa eu não sabia! Se bem que sempre preferí o da Antárctica, mas é sempre triste saber do desaparecimento de algo que fez parte da nossa infância!

E quanto ao texto, acabei ficando com vontade de conhecer o tal do bolovo! Pena que a tal senhora não esteja mais no local! Quem sabe, um dia, eu mesmo acabe "inventando" o tal bolinho? rs.

Abração.

Soninha disse...

Oie...

Não gosto de bolinho de ovo, mas, meu ex marido adorava isto...
Ado, ado, cada um no seu quadrado, né?!
Guaraná,o meu PREFERIDO ETERNO é o da Antártica...hummm.
E as polpetas...nossa....tudo de bom ponto com... E, modéstia a parte, as minhas são MARAAAAAAA.
Valeu!
Muita paz! Beijosssssss

suely schraner disse...

Memórias olfativas e gustativas são pra sempre. Parabéns!Abraço.

Laruccia disse...

Miguel, estas vizitas em butequim são estímulos pra novas "avançadas" na mesa. O bolovo minha saudosa mãe fazia o "papreug", ovo cozido, descascado e, depois coberto com uma massa, colocado nas costas do "jacarezinho" de massa e em seguida, ia pro forno. Isso quando a música "Facceta Nera, dell'Abissinia" era o sucesso no Braz. Abraços, gordo.
Laruccia

MLopomo disse...

No Bar Deixa de Onda, Rua Nova Cidade Vila Olímpia, dona Cida fazia porpetas ao molho, meia dúzia no prato e uma garrafa de Guaraná da Antártica para os moderados. Era uma delicia. Quando as porpetas eram fritas tinha um vidro com vinagre e pimenta moça bem vermelinha picada com as sementes dentro, e uma rolha com uma canaleta para borrifar, para completar uma dose de pinga. Tinha gente que saia com aquilo vermelho de tanto comer.

Luiz Saidenberg disse...

BOteco é mesmo algo nostálgico, pois se não os frequentamos na infância, certamente nossos pais.
Essas simples e ótimas gostosuras fazem parte das memórias de todos que conheceram São Paulo de outros tempos.
Felizmente, com exceção do Guaraná Brahma, podem ser encontradas, agora a altos preços, no botequins chiques, que substituiram os antigos, mas com aparência copiada daqueles. Quanto aos bolinhos deovo, são velhos conhecidos, desde a infância: minha mãe os fazia, e muito bem.
Texto de muito bom gosto, Miguel!

Wilson Natale disse...

Coisa boa era e é um Botequim!
E nada como ser um Office Boy a "boyar" nos Botequins da vida!E a "bóia" era boa.
Além dos acepipes que eu citei no meu texto "Os Mistérios de São Paulo" (lembra?), acabei por lembrar, lendo o seu gostoso texto, dos "tira-gosto" servidos no balcão: os tremoços, os ovinhos de codorna ao azeite, vinagre e sal, salpicados com salsinha; as batatinhas - temperadas como os ovos de codorna - servidos em porções e comidos com o palito e a "pururuca".E claro que comí os ovos cozidos, cujas cascas eram coloridas com anilina comestível, as barquinhas de ovo.
Na Mooca e Braz, ou Brás, a "grande pedida" era o sanduíche de sardinha ou alice, com rodelas de tomate, rodelas de cebola e azeite.
Eu a-ma-va o Guaraná da Brahma!
Na falta dele eu bebia a também desaparecida Tubaína (que não é a que existe hoje).
E as "porpetas" (polpette)é um caso à parte! Era um manjar dos deuses! Muitos contemporâneos do nosso tempo dizem que nuca mais comeram "porpetas" como aquelas.
Miguel, valeu pelo texto e lembranças!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

Complementando:
No botequim, comíamos as "porpettas" fingidas.
E o que são "popettas" fingidas?
Nós, os "podres de rico", os donos de Botequins tínhamos que fazer a carne render.
Aqui vai a receita:
1 quilo de carne-moída.
2 a três pãezinhos amanhecido amolecidos em água.
1 dente grande de alho (ou a gosto), 1 cebola média (ou a gosto), sal, pimenta do reino (a gosto) tudo bem socado em pilão ou bem picado e misturado.
Muita salsa e cebolinha bem picada (ou a gosto).
Misture à carne moída um pouco de vinagre e um fio generoso de azeite, misture bem, sem amassar a carne. Deixe descansar por meia-hora.
Depois, acrescente os pãezinhos e misture um poco; acrescente os temperos e misture mais; acrescente a cebolinha e vá misturando até ficar uma massa homogênia. Acrescente a salsinha e misture mais um pouco. Faça as bolinhas e frite.
Eis aí as "porpettas" dos ricos e dos Botequins.
A "polpetta" dos "pobres" em vez de pão, leva 100gramas de presunto picado - de preferência o presunto de Parma, ou pancetta, pouca salsa e cebolinha e muita uva-passa! (risos)
Miguel, a culpa é sua!
Enchi o teu comments com as minhas lembranças.
Dos males o menor. Pelo menos você sabe como eram e são as "porpettas" dos "ricos" e dos "pobres".
Abração,
Natale

Arthur Miranda disse...

Miguel,Que delicia poder recordar essas comidinhas de boteco e do gostoso guaraná Brahma, que hoje em dia é da Antártica. rsrsrs. Mas o melhor ovo mesmo é o de Pascoa.
Otima narrativa.

Luiz Saidenberg disse...

Caro Natale, acho que vc se enganou: na segunda fase das polpetas, quando falou de passas e presunto de Parma, certamente polpeta de pobre é que não era!

Luiz Saidenberg disse...

Natale, quando vc fala de polpeta
" de pobre " com presunto d eParma e passas, acho que não é à classe operária que está se referindo ! Talvez á "Pobre Menina Rica" de Vinicius!

Wilson Natale disse...

Ahahahaaaaaaaaa!
Saidenberg: Você não prestou atenção no início do texto. Uso as palavra pobre e rico entre aspas.
Escreví:

Nós, os "podres de rico", os donos de Botequins tínhamos que fazer a carne render...

Pura ironia, mas bem-humorada.
Ricos mesmo não precisam fazer a carne render, têm os freezers abarrotados.

E falando do Parma, nos anos 50 e 60, o presunto de Parma, mesmo não sendo barato para a maioria era mais barato que o presunto "dolce" gordo. E o presunto magro era CARÍSSIMO.
E a Mortadella era muito barata (hoje mais cara que o presunto magro).
E o queijo Parmeggiano era tão barato que até a italianada dos cortiços tinham uma peça de 5Kg. na cozinha. Hoje, com certeza uma peça dessas é coisa de ricos sem as aspas!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

Saidenberg:
Ia esquecendo, mas para provocar a sua salivação e fome, vou dizendo.
Essas "polpette" de "pobre" (RICOS), minha avó as fazia em ocasiões muito especiais. As "polpette" podiam ser feitas no tamanho pequeno, médio e grande. As paquenas e médias podiam ser fritas. As grandes (Polpettone) eram colocadas na panela, afundadas no molho de tomate quase no ponto. Ficavam lá até que o molho apurasse totalmente. Hoje usa-se a panela de pressão.

Wilson Natale disse...

Completando a receita: No afã de falar sobre os sabores e cheiros da "porpetta", esquecí de falar que na mistura vão dois ovos inteiros para dar "liga".
Abração.
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Como opção, caro Natale, mas aí não é " de pobre", sugiro o ótimo polpetonne do Giardino de Napoli! Abraços.