segunda-feira, 7 de março de 2011

Mulheres no trajeto

O valoroso biarticulado e reprogramado 5362-10 Praça da Sé.
A reprogramação, com substituições, seccionamentos e implantações, era para contemplar o aumento de 27% na oferta de lugares. Mas, os 27 metros do autocarro saem ap
inhados desde o ponto inicial.
No percurso da Av. Atlântica até a Igreja de Moema, conversas entrecortadas por paradas, primeira e segunda.
-Dormir no emprego não aceito mais não. Nem eu, respondeu a outra.
- Elas escravizam a gente. Não tem hora pra acabar. Falam que é pra gente trabalhar até as 18h e, até nove da noite ainda tem louça pra lavar.
- “A minha”, queria cobrar a travessa que eu quebrei. Muita vez, eu escondo, ou então, levo o que quebra pra casa.

- Já eu, a pior coisa que fiz, foi prender o rabo do cachorro dela. Foi no elevador. Quando vi era só sangue. Ficou só o cotôco. Deu dó. Liguei no serviço dela e contei. Foi um Deus nos acuda. Agora tô fazendo um curso de artesanato. Quero trabalhar em casa, por conta própria. Não aguento mais não.
- Já eu, quero achar serviço numa empresa de limpeza. Preciso do registro por causa das crianças e do INSS.
- O trabalho é muito e o ganho é pouco. Criar filhos, sozinha e ainda cuidar dos filhos dos outros, não é fácil não.
- Morar em lugar debilitado. Debilitada é a saúde. Vida débil de desejos, chuvarada enchentes, desmoronamentos.
- Preciso muito de uma porta-comporta. Sabe o que é? É uma porta que tem borracha embaixo para a água não entrar. Custa caro e o que eu ganho, mal dá para pagar água, luz e comida.
- O gás sempre acaba antes do mês. Faço trempe com tijolo no quintal. Cato lenha e assim vou cozinhando até o dia de receber o pagamento.
- Vida cinzenta, cobrança de toda cor e tamanho. TV quebrada, divertimento esfolado.
- Serviço dobrado, faxina que não acaba. O corpo esgarçado. Vida besta.
- No dia em que perdi tudo, eu chorei. Perdi tudo; só não perdi a fé.
Domésticos no Brasil são 7.223.000, ou, 7,8% dos trabalhadores (dados do PNAD
2009 e Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE). Na grande SP, o número é 766 mil. Hoje, muitas estão migrando para outras áreas.
A versão moderna da Casa Grande e Senzala são os famosos DCE’s (Dependência Completa de Empregada). Entenda-se um cubículo claustrofóbico, onde mal cabem a cama e o radinho. Acordar com o pé no tanque.
A tecnologia possibilitou muitas facilidades e a educação inseriu a mulher no mercado de trabalho. Mulheres, mães, trabalhadoras com jornadas duplas, triplas até. E quem depende de empregada pra sobreviver, acaba trazendo um problema social pra dentro de casa.
Bem em frente à Igreja de Moema, elas descem para a realização das tarefas de reprodução da vida. Tarefas fundamentais e tão pouco reconhecidas.

Por Suely Schraner

10 comentários:

Modesto disse...

Neste interessante desfilar de comentários de duas mulheres a respeito de seus afazeres como domésticas, é um dos mais complexos problemas que as famílias enfrentam. Não há como satisfazer plenamente os patrões es as empregadas. Nem todos os patrões ou patroas nasceram pra administra-las e as domésticas, nem sempre correspondem. As vezes, quando envolvem crianças de ambos os lados, há uma certa acomodação nas atribuições, quase sempre com resultados negativos.
Mas, o que vc nos sugere, Suely é apenas retrato fiel, rústco e atual de uma situação. Muito bem expressivo, seu texto mostra como pensam determinadas domésticas a respeito de suas patroas e seus planos de "fuga" pra uma tarefa menos sacrificada e mais rendosa. No fundo da questão, pra mim, está a emancipação feminina. Igualdade em tudo, o que é perfeitamente JUSTO. Parabéns, Schraner.
Modesto

Zeca disse...

Suely,
bela e tocante crônica que mostra claramente como, ainda, é a relação de trabalho entre algumas patroas e suas empregadas, das quais precisam cada vez mais e, às quais, nem sempre dão o merecido valor nem a justa recompensa pelo trabalho.
O que ouvimos por aí é que está cada dia mais difícil encontrar uma boa doméstica. E a contrapartida é que, para elas, está cada dia mais difícil encontrar uma boa patroa (ou patrão). As relações vão se desgastando devido a inúmeros detalhes que são vistos diferentemente, por um lado e pelo outro.
Suely, se continuar, acabarei escrevendo mais do que o necessário, entao, parao por aqui, parabenizando-a e a todas as mulheres, pela data que se comemora hoje:

FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!!!

Abraço.

Zeca disse...

Desculpe os erros; o correto é:

Suely, se continuar, acabarei escrevendo mais do que o necessário, então, paro por aqui,

Wilson Natale disse...

Suely: Boa lembrança para a gente refletir nesse dia internacional da mulher.
As Secretárias do Lar... Mudou-se lhes o nome, mas continuam escravas de pouco valorizadas por aqueles que necessitam dos seus serviçõs. Felizmente há muitas excessões!
Aproveito o seu texto para homenagear a Dona Rosa, nossa empregada que ficou conosco por 20 anos. Aposentou-se e foi para o Paraná. Realmente era uma pessoa da família. Sempre que vinha a São Paulo hospedava-se conosco. Faleceu tem 3 anos.
Texto ótimo!
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

AS relações empregatícias,sempre compilicadas, aind amais quando envolvem tal grau de intimidade. Creio que atualmnete são cada vez mais raras as empregadas "boazinhas" ,Sim , Sinhá, verdadeiras sucessoras das escravas, que formavam até parte da família. Assisti que muito mais vantajoso é ser diarista; se é competente, faz o trabalho do dia em cada casa, sem maiores envolvimentos e recebe bem.
Dos males o menor, e se não dá para escapar desse sistema, parece razoável, se as duas tiverem sorte.
As coisas evoluem e se ajustam, e o futuro dirá. Mas o Presente diz hoje: parabéns pelo Dia da Mulher!
Tomara esse dia fosse diário. Abraços.

Luiz Saidenberg disse...

E desculpem meus eternos erros de digitação !

Arthur Miranda disse...

Parabéns Suely, ao homenagear a mulher com esse seu belo texto você prestou uma homenagem a minha mãe que foi cosinheira e domestica durante 10 anos de seus 68 anos de vida,e que em 1968 foi exercer essa atividade na eternidade, Parabéns. E como tudo que eu poderia dizer já foi dito, só me resta Saudar o Dia Internacional da Mulher.
Aproveito para enviar algumas pontuações e acentos que sempre esqueço de colocar em seus devidos lugares. Aí vaí. ... ,,, ??? !!!
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""" ( ( ( ) ) ) .

Soninha disse...

Olá, Suely!

As relações patrão/empregado sempreforam difíceis.
Mas, hoje existem as leis trabalhistas que, se respeitadas, evitam muita dor de cabeçapara todos.
Mas,muito bacana seu texto e seu preito a todas as mulheres,neste dia tão especial.
Obrigada.
Muita paz!

MLopomo disse...

Na minha atividade profissional em que as clientes eram madames da sociedade, que as empregadas falavam mal, numa época que falar mal dos patrões era coisa que se aprendia nos sindicatos; mas tinha também patroas que falavam muito bem de suas empregadas. Uma das quais dona Zelda, minha cliente que tinha uma empregada desde novinha e já estava idosa sempre na mesma casa, “era da família”, Nunca tinha tido um namorado e com aquela idade ainda era virgem, dito por ela.

suely schraner disse...

Agradeço à todos que comentaram. Fico muito alegre com este carinho.