quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Superstições - 1ª parte
imagem acima: Na barranqueira do Viaduto do Chá, está o Edifício Alexandre Mackenzie, que hoje abriga o shopping Light, antes era a sede da Brasilian Traction Light and Power Company Limited, ou simplesmente, "Light"
Os mais antigos sempre diziam: “A “Light” (Light & Power Co. – atual Eletropaulo) matou o Saci, a Mula sem cabeça e o Lobisomem...”
A iluminação pública dissipou as sombras e a escuridão de breu, que descia sobre a cidade nas noites antigas sem luz e nas noites iluminadas pela luz mortiça dos lampiões de gás . Era nas sombras que ficava o mundo dos fantasmas e dos seres fabulosos que assombravam as noites paulistanas.
Depois da “Light”, nas noites de Lua-cheia o Lobisomem, uivando, não vinha mais se esgueirando pelas sombras, arranhar as portas e janelas das casas. Nunca mais se ouviu falar das “almas penadas” que, gemendo e suspirando, caminhavam a esmo pelas ruas, buscando abrigo sob as figueiras centenárias que existiam nas praças da Paulicéia.
Nas noites escuras de tempestade não existia mais o temor de se olhar pela janela e enlouquecer ao ver a Mula-sem-cabeça bufando, cuspindo fogo e escoiceando o ar, como se estivesse sendo atacada por mil demônios.
Ríamos dos nossos avós que nos avisavam para que nunca saíssemos à rua e nunca olhássemos pela janela à meia-noite, na virada do dia primeiro para dois de novembro - dia de Finados. Era hora em que as “almas penadas” saiam em procissão pelas ruas da cidade. E era fato sabido que: Aquele que visse a procissão estaria nela no ano seguinte...
Aconselhavam-nos a fugir dos redemoinhos que se formavam pelas ruas nos dias de ventania. Era dentro deles que vinha, invisível, o Saci. Aquele que não fugisse do redemoinho, veria o Saci materializar-se diante de seus olhos, pedindo-lhe fogo e fumo para o seu pito. E, ai daquele que não tivesse fogo e fumo! Ficaria abobalhado por muitos dias.
A “Light” matou os seres fabulosos do nosso folclore. Expulsou as “almas penadas”. Mas não matou a superstição entranhada no inconsciente coletivo dos imigrantes que, oralmente, a transmitiam aos seus descendentes. Não que eu desse muita importância às superstições. Incomodava-me um pouco. Talvez fosse porque esse inconsciente coletivo fizesse parte do meu gene. Vai-se entender. Estava “no meu sangue”, não havia nada a fazer. E, afinal, “Yo no creo en brujas. Pero que las hay, las hay”!... (Eu não acredito em bruxas. Mas que existem, existem!)...
Sentado no degrau do meu portão, olhava extasiado para a enorme lua-cheia, cercada por um halo. “La spagnola” (Dona Consuelo), que passava pela calçada, vinha em minha direção e cobria os meus olhos com a mão, dizendo: “La Luna tiene cerco! Non la mire tanto, para qué no le traiga la muerte o la mala suerte”! (“A Lua tem halo! Não a olhe tanto, para que ela não lhe traga a morte ou a má sorte!”) Contou-me, Dona Consuelo, que toda vez que um círculo (halo) envolvia a Lua, grandes catástrofes podiam acontecer. Era uma Lua de mau-agouro. Anunciava morte na família, grandes perdas materiais, doenças. Enfim, anunciava todo o tipo de desgraças. E lá se foi “la spagnola” benzendo-se e murmurando fórmulas para exorcizar aquela noite agourenta. Eu estava terrificado. Olhava para a Lua com o canto dos olhos e dizia a ela em pensamento: “Me cago en la ostia se te miro otra vez!” (Me ca... na hóstia se te olho outra vez!)
Ah! Os velhos tempos! Ainda me maravilho com essa capacidade que tínhamos em falar, em pensar, nos vários idiomas e dialetos que enchiam de sons a Mooca, a nossa rua...
Por Wilson Natale
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12 comentários:
Olha, Wilson!
Ler suas crônicas é um múltiplo prazer! Pelos temas, pela abordagem com uma linguagem peculiar e tão bem articulada, pela leveza na leitura, enfim: pelo conjunto da obra! Quem de nós não vivenciou essas crendices e superstições! E nossa querida São Paulo, formada por centenas de nacionalidades, oferece com riqueza de detalhes temas semelhantes. E por tudo isso, sendo egoista novamente, acredito que você deveria fazer uma forcinha e escrever muito mais para alimentar nossas saudades e nossas alegrias diante de textos como este. Parabéns mais uma vez!
Abraço.
Wilson, os medos eram semeados com mais frequência no passado. Lendo seu texto me lembrei de uma estorinha contada frequentemente por nossos antecessores.
Quem sabe não seja o assunto de meu proximo texto.
Olá, Wilson!
Poxa, que leqal este assunto!
Embora achemos que só antigamente tinham estes medos, hoje ainda vemos crianças falarem destes personagens, até com certo receio...rss
Hoje, os Freddy Krueger, Jason, Aliens, Poltergeist, brinquedos assassinos, etc, assustam bastante a garotada e até os marmanjos.
Mas, lembro-me das crendices e histórias contadas por minhas, avó, mãe e tias,sobre estes terríveis seres que você citou.
Sobre o halo da lua, já aprendi diferente...Minha avó costumava dizer que "se a lua coroou, o tempo melhorou"...isso quando chovia muito, dia e noite, até a lua aparecer coroada de dourado, era sinal que o dia seguinte seria com sol.
Valwu, Wilson!
Obrigada.
Muita paz!
Belo texto, Wilson, com memórias dos monstros falidos de outras épocas...Hoje tb mal ousamos sair à noite, mesmo com a lâmpadas de mercúrio. Medo de outros monstros, muito mais reais e apavorantes, que a deshoras "go bump in the night"- andam cambaleantes pela noite, ou bem montados em carros e motos...The Horror, The Horror !
Os medos dos fantasmas surgiam sempre ao escurecer e as superstições abalavam nossos pensamentos. Hoje, com a luzes acesas os fantasmas de outrora perderam seu lugar e agora dominam outros bem mais assustadores e não dá mais pensar em superstições noturnas. Ótimo seu texto. Um abraço.
ZECA:Obrigado pelas palavras. Já estão com a Sonia a parte II desse texto e mais um a ser publicado entre entre os tantos ótimos textos seus, e de outros escritores a ser publicado.
MIGUEL: Escreva sim sobre o assunto.É importante a visão de cada um sobre superstições e suas variantes.
SONIA:O halo da lua tinha várias interpretações. Para o meu avó, significava o fim das borrascas e tempestades.Anunciava aquela chuva amena, muito boa para a lavoura.
SAIDENBERG: Você tem razão. O medo antigo era fictício. Hoje ele é real. Hoje, ao sair à noite, corremos o ricos de virar "almas". E, constantemente, vira "almas depenadas".
Abração a todos,
Natale
Natale,
Tenho muito mais medo dos monstros de hoje em dia, principalmente quando eles aparecem no horário gratuito pedindo votos, então percebo que todos “TEMER“ de medo da cara fechada deles.
E quem disse que a Light matou os seres fabulosos do nosso folclore? Ainda no dia das eleições eu vi um “monte almas penadas “caminhando em direção à suas seções eleitorais para votar em um monte de“ Mulas sem cabeça”.
Gostei demais do texto que me levou de volta a um passado, onde meus temores eram menores e infundados.
Parabéns. E por favor mande mais.
Quando fui morar no Brooklin Novo, na divisa com a Vila Olimpia bairros divididos pelo córrego da Traição, não havia energia elétrica, ficamos dois anos e um mês vivendo no breu como diz o texto do Natale. Ai os moradores foram até a Ligth e o orçamento foi de 53 mil cruzeiros na época, um dinheirão, então fizeram uma vaquinha, e somente uma pessoa não concordou em dar a sua parte porque era obrigação do estado dar emergia aos moradores. Então foi feito outra vaquinha para cobrir a parte do faltoso. Só sei que de repente mos moleques e meninas ficávamos maravilhados com os postes que a Ligth colocava no chão para depois serem erguidos com a colocação dos fios. Como é grande um poste diziam os moleques.Legal sua historia Natele.
Natale
Seu texto foi hilário pelas crendices que naquela época havia.
Aqui no sertã baiano, o tal do 'lobisomen', por vezes é uma figura 'malfazeja' que ataca as meninas incautas das roças distantes das cidades e, o resultado sempre aparece depois de nove meses - rsrsrsss.
Um forte abraço
Em primeiro lugar, sou dos últimos, por isso sem direito a entrar na lista dos créditos. Estava viajando...
Agora, tenho que cumprimenta-lo por ser um poliglota das zonas central e leste. "Gasta" o italiano e o espanhol como ninguém. Meus confrades já disseram tudo e vou apenas complementar com um leve "puxão de orelhas". Se dentro da supertição vale tudo, quero que vc me explique como uma "mula sem cabeça" pode bufar e relinchar... só se for pelo trazeiro... Afinal, mesmo dentro da ficção devemos ser coerente.
Scusati lo scherzo, caríssimo fratelo, auguri per te e vostra famiglia. Parabéns, Natale.
Mô.
Laruccia, até hoje eu tento desvendar esse mistério sobre a tal mula senza testa.Ahahahaaaaa!
Só na superstição, mesmo...
Abração,
Natale.
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