Um domingo no parque
3 De Maio de 2009. É domingo, e dia da Virada Cultural.
Trânsito livremente pela 23 de Maio. São 10,30 da manhã.
Não queremos chegar tarde à Pinacoteca, pois o estacionamento fica lotado. Mal me aproximo, vejo que entrar lá será missão impossível.
Toda a lateral já se acha ocupada por carros, cercando a quadra toda.
É claro que não pode ser só pela Pinacoteca, mesmo com exposições de Fernand Léger e o Brasil visto por fotógrafos franceses- deve haver algum grande evento por ali.
E há mesmo: como primeiro domingo do mês, acontece o grande encontro de carros antigos e clássicos, em frente ao Jardim da Luz.
Ali é que não dá para parar, menos ainda entrar, está cheio.
Mas, indo pouco mais em frente e atravessando o pontilhão da estação, estaciono tranquilamente, na Brigadeiro Tobias.
Impossível resistir à atração, compartilhada com milhares de pessoas. Assim, resolvemos dar uma passeada pela àrea, antes da Pinacoteca. Músicos peruanos tocam, uma bela menininha ensaia uns passos de dança junto a eles.
Bem diante do histórico prédio, o espaço foi reservada para gigantes americanos: Cadillacs Rabo de Peixe, Thunderbirds, Camaros. Os menores, Fuscas e Kombis foram para a outra extremidade da estação.
Mas a exposição, como a multidão, segue parque adentro.
Lá estão alguns dos exemplares mais antigos, como um Ford 29 igual ao primeiro carro de meu pai.
Mais que tudo, o que me chama a atenção é a alegria contagiante do povo, que invade as velhas alamedas, cercadas por jaqueiras e figueiras seculares. Há muito não via um espetáculo assim, pois normalmente o parque é melancólico e mal frequentado, e muita gente não se arrisca a explorar seu belo interior.
Mas, hoje, é só festa. O que me transporta há muitos anos atrás, numa comemoração belíssima.
Seria aniversário da cidade? Foi em 66, 67...era noite e o parque estava aberto, todo iluminado por seus velhos lampiões.
Era mágico o contraste da multidão com os grandes espaços, das belas luminárias com a escuridão das àrvores. As estátuas, nos lagos, iluminadas como numa festa da antiga Roma.
Todo o ambiente era nostálgico. Nos coretos, orquestras executavam valsas, polcas e maxixes.
Carros antigos desfilavam e estacionavam por ali. Vendia-se bengalas
e chapeus palheta. Parecia termos voltado um século no tempo. Só faltaria estarem todos de gravata borboleta.
E mais, o clima era de um quadro impressionista, Renoir e Degas gostariam de tê-lo pintado, com suas luzes e sombras.
A Belle Époque parisiense retornando numa bela noite paulistana !
Nunca, desde então, contemplei um espetáculo tão festivo no velhíssimo parque.
Hoje, tantos anos depois, o evento recordou-me aquela noite.
Mesmo sem paletó e gravata, sem palheta nem bengala, adentremos a Pinacoteca, que, outra surpresa, hoje é grátis.
São Paulo não é Paris, mas, às vezes também é uma festa.
Por Luiz Saidenberg
9 comentários:
É claro, Saidenberg, desde que a olhemos com nossos corações, São Paulo sempre será uma festa! Ali mesmo, naquela praça que foi belíssima um dia, até virar ponto de prostituição e antro de marginais (não sei se foi recuperada) há muito não passo por ali, temos a Pinacoteca com suas exposições e rico acervo; do outro lado da avenida, no magnífico prédio da Estação da Luz, encontramos o Museu da Língua Portuguesa e, um pouco à frente, já na Avenida Tiradentes, no magnífico prédio do Mosteiro da Luz, temos o Museu de Arte Sacra, também com riquíssimo acervo. Como vê, em poucos quarteirões, encontramos três museus da melhor qualidade, que nos oferecem programação cultural digna do primeiro mundo. Isso tudo é São Paulo! E tudo isso a faz digna de ser também imortalizada, como fez Hemingway com Paris que é, também, uma festa!!!
Abraço.
A Praça está lá. E ela deteriorou-se porque a Cidade se deteriorou.
Vou sempre lá, buscando novos ângulos para fotografar as árvores centenárias. E mesmo vendo a realidade cruel e triste dos seus frequentadores, anida consigo sonhar aqueles jardins.
Abração,
Natale.
Caro Zeca, de vez em quando vou à Pinacoteca, de fato belíssimo espaço cultural. Para mim, o melhor de S. Paulo. Mas só à Pinacoteca...saiu-se dali, vc entra na ambiguidade da praça. Há polícia, mas discreta prostituição, mendigos e rufiões. Não dá medo, mas vc, bem calçado, bem vestido, não se sente àvontade, como deveria estar, em lugar tão histórico. Abraços.
Luiz, a sua escrita fluente e cativante me fez voltar a uma época que certamente não vivi, mas que gostaria de ter vivenciado.
Além de tudo isso vc nos entrega, de mãos beijadas, uma cultura sem par.
Obrigado
Saidenberg, a praça é o retrato vivo da "acomodação" que a cidade oferece a seus novos habitantes, vindos de toda parte do Brasil e, as vezes, de outros paises. A atração que estes locais exercem é a proximidade das estações de trens, largados sem um norte que os direcionam melhor na busca de um endereço acolhedor.
Sua escrita é muito boa, Luiz, parabéns.
Mô.
Saidenberg, seu texto me remeteu ao que escreveu Sérgio Vaz, da Cooperifa: " São Paulo é uma cidade no cio. Por isso, transa com todo mundo e em todos os lugares. É bonita porque é feia, e como toda feia que se preza beija mais gostoso. Que os Vinícius me perdoem, mas feiura é fundamental". Abraço e parabéns!
Muito obrigado, Suely, e o texto transcrito por vc realmente é um barato ! Genial, mas quanto à parte do beijo da mullher feia ( seria o Beijo da Mulher Aranha? )eu discordo, por muito boas razões.
Um abraço.
SAIDENBERG, Eu ia fazer mais um elogio ao seu texto, mas depois fiquei com medo que o Miguel não gostasse, e então parei a tempo. kkkkkk. Finalizo apenas com o tradicional parabens. rsrrsrsrs. Brincadeirinha, tá. Adoro todos vocês.
Olá, Luiz!
Eu adorro a praça da Luz! Considero uma das mais bonitas, ou mesmo a mais significativa...Talvez pelo fato de lá estar a estação famosa, a Pinacoteca... Hoje em dia, o museu da lingua portuguesa e outros...
Adoro isto!
Valeu por suas lembranças!
Obrigada.
Muita paz!
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