Coisa de 50 anos atrás, a cidade de São Paulo era desprovida de saneamento básico na maior parte do seu território. Alguns bairros mais ao centro dispunham dessa benesse, como os Jardins, e bairros previamente planejados, como os loteamentos organizados pela companhia City, Jardim Europa, Paulistano, Alto de Pinheiros e Alto da Lapa. Antes mesmo de se construir casas, toda a infra-estrutura vinha primeiro.
Na periferia da cidade onde os moradores não dispunham de água encanada e rede de esgotos, tinha em suas casas um poço, com tampa de concreto, um sarilho com corda e balde de onde vinha à água para todos os fins. Tinha também uma fossa negra para receber os dejetos humanos, ela ficava uns 10 m de distância do poço, para não contaminar as veias de água que jorravam no poço.
Era aí que aparecia o profissional chamado de poceiro, para fazer o poço e a fossa. Era um trabalho duro, sujo e perigoso. O perigo era o de haver desbarrancamento das laterais em terrenos que eram de terra preta, ou arenosa. Já onde tinha terra vermelha, ela não oferecia muito perigo, pois era bem compacta. Em muitas ocasiões, quando o poço era de mais de vinte metros de profundidade, aparecia um gás e quando o poceiro não saia rápido acabava morrendo asfixiado. Teve noticia de vários poceiros que vieram a falecer devido a esse problema.
Na minha casa, o poço era na frente e a fossa ficava aos fundos, há uma distância de 10 m, mas ainda assim, havia o perigo de contaminação de a fossa negra entrar pelas veias por onde jorrava a água potável. De qualquer forma, aquela água para beber tinha que ser fervida antes de se colocar no filtro ou moringa.
No bairro em que eu morava, Vila Olímpia - Brooklin havia um poceiro conhecido, seu Alberto, que era chamado por todos os moradores quando uma moradia estava sendo construída; ou então, para aprofundar a calha do poço das casas que já estavam feitas há mais tempo. Era preciso sempre manter o poço sob observação, porque quando ele não era atijolado, porções de terra caiam e ia assoreando, fazendo com que sua profundidade fosse ficando menor. No Brooklin, por exemplo, tinha o saibro que aparecia aos primeiros três metros, sendo um tipo de terra muito mole caía com muita facilidade, daí a necessidade de fazer o atijolamento logo no início do aprofundamento.
Muitas vezes, um poço estava mal localizado dentro do terreno e outro tinha que ser construído. Então, o orçamento era feito. Tinha três tipos de poços: o comum, o atijolado e outro com tubos de concreto que chamavam de cisterna. As cisternas eram mais usadas para a fossa negra; para evitar a contaminação, os tubos de concreto eram colocados. Também nos poços de água potável era usado esses tubos que deixavam a água bastante fresca.
O poço comum era somente perfurado (cavado) e ficava dessa maneira, sem revestimento de tijolos ao lado, portanto, esse tinha um preço menor. Os poços atijolados, como diziam os poceiros, os tijolos eram colocados beirando a terra, um colocado em cima do outro sem reboco ou cimento para não obstruir as veias que jorravam água, vindas pelas frestas dos tijolos. Nesse caso, ele cobrava somente o serviço; os tijolos, sempre mais de um milheiro, ficavam por conta do dono da casa.
Havia gente que achava que o poceiro queria sempre fazer um poço mais fundo para ganhar mais, pois o preço era por metro linear. Mas eles sempre diziam, e com razão, que um poço mais ou menos raso ficava sem água quando da estiagem, do mês de maio a agosto. Já um poço de fundura normal, com cinco metros, a água podia ficar a um metro do fundo, permanecendo assim até a volta da estação das águas, pois as veias, mesmo com pouca água jorrando, conseguiam manter esse nível. Para tentar ter uma água mais pura, éramos aconselhados a jogar um pouco de cal virgem; com as pedras que continham a cal, este se diluía e as pedras continuavam dando também um frescor segundo os poceiros. A fossa negra era outra coisa que se tinha que ter muito cuidado, pois era um antro de insetos e ratos. Era comum passar caminhões de limpa fossas e propagandas em postes oferecendo esse serviço, de construir e limpar poços tanto de água potável como de dejetos.
Muita gente não tinha a fossa negra em sua casa devido a um córrego que passava em frente das moradias. Era comum isso acontecer nos córregos do Itaim até o Brooklin; No caso, os córregos do Sapateiro, Uberabinha, Traição, Água Espraiada e Cordeiro. Fazer saneamento básico não era do interesse de governadores já que era da alçada do estado, e o opositor dizia que uma obra abaixo da terra não dava votos porque não aparecia à vista do povo.
Mas com o passar do tempo, o saneamento foi aparecendo e foi no governo de Paulo Egidio Martins, anos 1970, que se viu um projeto enorme de redes de água potável encanada e, ao mesmo tempo, a rede de esgoto, numa proporção de 400 quilômetros de canos de água e de manilhas para o esgoto e, por incrível que pareça, desde 1951, somente nossa casa e a vizinhança ficamos livres do poço e da fossa.
Hoje a profissão de poceiro me parece extinta, creio que em longínquos rincões ainda possa haver poços e poceiros. Mas, uma coisa me chamou atenção: todos os poços que vi eram redondos. Mas, segundo o autor Estanislau Rybcynski, mostrou ter conhecimento no assunto, diz que os poços são redondos por questão de física, o perfil é auto travante, se fosse quadrado tenderia a desabar. E foi mais longe: as cúpulas de fornos e túneis são sempre em semicírculos, mesmo sendo de tijolos elas se auto travam.
Por Mário Lopomo
Na periferia da cidade onde os moradores não dispunham de água encanada e rede de esgotos, tinha em suas casas um poço, com tampa de concreto, um sarilho com corda e balde de onde vinha à água para todos os fins. Tinha também uma fossa negra para receber os dejetos humanos, ela ficava uns 10 m de distância do poço, para não contaminar as veias de água que jorravam no poço.
Era aí que aparecia o profissional chamado de poceiro, para fazer o poço e a fossa. Era um trabalho duro, sujo e perigoso. O perigo era o de haver desbarrancamento das laterais em terrenos que eram de terra preta, ou arenosa. Já onde tinha terra vermelha, ela não oferecia muito perigo, pois era bem compacta. Em muitas ocasiões, quando o poço era de mais de vinte metros de profundidade, aparecia um gás e quando o poceiro não saia rápido acabava morrendo asfixiado. Teve noticia de vários poceiros que vieram a falecer devido a esse problema.
Na minha casa, o poço era na frente e a fossa ficava aos fundos, há uma distância de 10 m, mas ainda assim, havia o perigo de contaminação de a fossa negra entrar pelas veias por onde jorrava a água potável. De qualquer forma, aquela água para beber tinha que ser fervida antes de se colocar no filtro ou moringa.
No bairro em que eu morava, Vila Olímpia - Brooklin havia um poceiro conhecido, seu Alberto, que era chamado por todos os moradores quando uma moradia estava sendo construída; ou então, para aprofundar a calha do poço das casas que já estavam feitas há mais tempo. Era preciso sempre manter o poço sob observação, porque quando ele não era atijolado, porções de terra caiam e ia assoreando, fazendo com que sua profundidade fosse ficando menor. No Brooklin, por exemplo, tinha o saibro que aparecia aos primeiros três metros, sendo um tipo de terra muito mole caía com muita facilidade, daí a necessidade de fazer o atijolamento logo no início do aprofundamento.
Muitas vezes, um poço estava mal localizado dentro do terreno e outro tinha que ser construído. Então, o orçamento era feito. Tinha três tipos de poços: o comum, o atijolado e outro com tubos de concreto que chamavam de cisterna. As cisternas eram mais usadas para a fossa negra; para evitar a contaminação, os tubos de concreto eram colocados. Também nos poços de água potável era usado esses tubos que deixavam a água bastante fresca.
O poço comum era somente perfurado (cavado) e ficava dessa maneira, sem revestimento de tijolos ao lado, portanto, esse tinha um preço menor. Os poços atijolados, como diziam os poceiros, os tijolos eram colocados beirando a terra, um colocado em cima do outro sem reboco ou cimento para não obstruir as veias que jorravam água, vindas pelas frestas dos tijolos. Nesse caso, ele cobrava somente o serviço; os tijolos, sempre mais de um milheiro, ficavam por conta do dono da casa.
Havia gente que achava que o poceiro queria sempre fazer um poço mais fundo para ganhar mais, pois o preço era por metro linear. Mas eles sempre diziam, e com razão, que um poço mais ou menos raso ficava sem água quando da estiagem, do mês de maio a agosto. Já um poço de fundura normal, com cinco metros, a água podia ficar a um metro do fundo, permanecendo assim até a volta da estação das águas, pois as veias, mesmo com pouca água jorrando, conseguiam manter esse nível. Para tentar ter uma água mais pura, éramos aconselhados a jogar um pouco de cal virgem; com as pedras que continham a cal, este se diluía e as pedras continuavam dando também um frescor segundo os poceiros. A fossa negra era outra coisa que se tinha que ter muito cuidado, pois era um antro de insetos e ratos. Era comum passar caminhões de limpa fossas e propagandas em postes oferecendo esse serviço, de construir e limpar poços tanto de água potável como de dejetos.
Muita gente não tinha a fossa negra em sua casa devido a um córrego que passava em frente das moradias. Era comum isso acontecer nos córregos do Itaim até o Brooklin; No caso, os córregos do Sapateiro, Uberabinha, Traição, Água Espraiada e Cordeiro. Fazer saneamento básico não era do interesse de governadores já que era da alçada do estado, e o opositor dizia que uma obra abaixo da terra não dava votos porque não aparecia à vista do povo.
Mas com o passar do tempo, o saneamento foi aparecendo e foi no governo de Paulo Egidio Martins, anos 1970, que se viu um projeto enorme de redes de água potável encanada e, ao mesmo tempo, a rede de esgoto, numa proporção de 400 quilômetros de canos de água e de manilhas para o esgoto e, por incrível que pareça, desde 1951, somente nossa casa e a vizinhança ficamos livres do poço e da fossa.
Hoje a profissão de poceiro me parece extinta, creio que em longínquos rincões ainda possa haver poços e poceiros. Mas, uma coisa me chamou atenção: todos os poços que vi eram redondos. Mas, segundo o autor Estanislau Rybcynski, mostrou ter conhecimento no assunto, diz que os poços são redondos por questão de física, o perfil é auto travante, se fosse quadrado tenderia a desabar. E foi mais longe: as cúpulas de fornos e túneis são sempre em semicírculos, mesmo sendo de tijolos elas se auto travam.
Por Mário Lopomo
7 comentários:
Bem lembrado, Lopomo!
Muito bem escrito e repleto de detalhes, os quais nem sempre conhecemos, me lembrou dos poços e fossas nas casas em que morei na infância. E agora, embora tenha água fornecida pela prefeitura, tenho uma fossa mais moderna, daquelas com três "salas" sob a terra, para a filtragem dos dejetos e, no final, o escoamento da "água" resultante. Não temos aqui rede de esgotos. Ainda falta muito para que todos os brasileiros se beneficiem desses serviços!
Abraço.
Naquela época o posseiro era uma profissão bem valorisada, com a rede de água e esgoto, eles tiveram que se virar como coveiros. Bonito ensaio, Mario, parabéns.
Modesto
Muito boa a lembrança de uma sampa desprotegida de saneamento básico, Graças a Deus isso já faz parte do nosso passado, ppelo menos na Grande São Paulo.
Mário.
Em minha casa na Freguesia sempre tive água encanada, mas havia um velho poço abandonado por baixo de uma laje no fundo do meu quintal, que deve ter sido usado antes da instalação da água encanada. Quanto fossa, só fui conhecer aos 12 anos quando em 1950 o Brasil perdeu a Copa do Mundo em casa.rsrsrs,kkkk. Parabéns Mário foi muito bom tomar conhecimento dessa riqueza de detalhes técnicos sobre as construções de poços.
Na Mooca havia poceiros, verdadeiros "experts" na arte de construir poços e fossas (chamávamos de fossa negra). Da abertura do posso ao seu acabamento faziam um trabalho de arte. E lembro que, enquanto muitos seguiam a lógica buscando o veio d'água baseados nos poços vizinhos, ou na sondagem. outros usavam a famosa varinha radiestésica para descobrir o veio.
Boa lembrança, Lopomo! Realmente uma profissão que vai rareando.
Aração,
Natale
Olá, Mário!
Boas informações de nossa história!
Lembrei-me dos poços das casas das tias e de nossa casa...foi tampado ainda quando éramos crianças e só quando íamos ao interior, em casa de nossas tias, é que vivenciávamos a rotina da água de poço...Numa de nossas tias tinha até bomba para levar a água do poço até a caixa d'água...
Legal lembrar deste ofício...
Ainda hoje precisamos deste serviço. Mais tecnológico, claro, porém, indispensável ainda...
Nos condomínios temos a necessidade destes profissionais...são eles quem planejam e executam alguns poços e reservatórios...Ainda precisamos deles, em outros projetos da construção civil, felizmente, né!
Valeu.
Obrigada.
Muita paz!
Fiquei estarrecido ao saber que, na histórica e badalada Paraty de nosso caro Zeca não há sistema de esgotos. Por essas e outras, vemos o que acontece pelo Brasil afora.
Se Paraty é assim, que não será Jequiriquara da Serra? Isso num país com a 8a. economia do mundo e um presidente que se pretende "líder mundial"...
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