Ao lado: Tom ao piano e capa do LP Passarim
Sempre fui fã da Bossa Nova, desde que ela surgiu. Aliás, foi um momento de grande renovação no Brasil.
Houve a mudança da capital para Brasília, a indústria nacional deslanchou numa rotação que não se imaginava antes. Era um ritmo, sem trocadilhos, antes desconhecido.
Juscelino Kubitschek era uma figura sorridente e carismática, parecia o retrato da nova era em que o país adentrava. A arquitetura, o cinema, a música, tudo entrava em ebulição.
Era o "Cinema Novo", a "Bossa Nova", e por quê não, um novo país, que parecia, enfim, desperto de seu esplêndido berço? Até campeões mundiais éramos, no futebol !
Havia um clima de otimismo e mesmo de felicidade, pairando pelo ar. Agora sim! Lá vamos nós! Sentíamos, até nós, apressados paulistanos, relaxando um pouco em Ipanema, ou andando pela praia até o Leblon...
O que é bom não dura muito e aquele período, afinal, era a calmaria que antecede a tempestade.
Mesmo assim, com o tema das músicas mudando radicalmente após 64, os grandes compositores da Bossa Nova permaneceram. Tom, Vinícius, Carlos Lyra, João Gilberto, Sérgio Ricardo, foram acrescidos de novos valores, menos otimistas e mais agressivos, como Chico Burque, Caetano, Gil, Geraldo Vandré.
Mesmo distante dos felizes dias do início dos anos 60, a Bossa Nova ainda permaneceu, encantando a quase todos que a ouvem. Quando morei no Rio, costumava percorrer os lendários lugares cantados por Tom, Vinícius e Cia...
Estive tomando chope na esquina do Veloso, onde, dizem, foi composta "A Garota de Ipanema", mas não a encontrei lá, que pena, muito menos o Tom.
"Rua Nascimento Silva, 107, você ensaiando com a Elizete no piano as canções do amor demais..."
Estive por lá também, aliás passamos um reveillon no apartamento de um amigo nessa rua de Ipanema. Mas, Tom Jobim em pessoa mesmo, ainda se passaria algum tempo antes que eu conhecesse.
Estávamos em 1990 e fizemos um roteiro para o sabonete Phebo, no qual o astro seria o Tom. E foi aprovado, logo se iniciando os preparativos da produção.
Eis-nos adentrando um grande apartamento da Rua Piauí, cenário escolhido para imitar o do Tom, embora sem o verde da Gávea lá fora, nem aquele cantinho de céu e o Redentor!
Na espaçosa sala central, um belo piano de cauda e, atrás dele, Tom Jobim.
Teria seus sessenta e alguns anos, mas parecia mais jovem, uma madeixa de cabelo ainda escuro escorrendo pela testa, calça e camisa jeans e ar de moleque arteiro. O maestro era, à primeira vista, uma pessoa amável, simples e comunicativa.
Uma vez apresentados, nem tive que procurar assunto, constrangido diante daquela celebridade. Ele mesmo quebrou o gelo e uma vez que desandava a falar e dedilhar ao piano, não parava mais.
- Claude Achille Debussy - disse ele, salientando o heróico e desconhecido nome intermediário do compositor. E, mãos à obra, ei-lo tocando "Clair de Lune"...
Em seguida, contou casos de seu amigo, o brilhante psicanalista e escritor Hélio Pellegrino.
E assim continuaria, tarde a fora, se a produção não o arrancasse do piano. Afinal, havia um filme a ser feito e este era o motivo de sua presença! Tomadas depois, foi servido o almoço, no qual ele bebeu só cerveja, pois sua saúde já não era a mesma dos tempos em que não dispensava um scotch on the rocks... depois, partiu para uma pequena sesta, antes do reinício das filmagens.
Meu redator e eu também saímos, pois havia trabalho esperando na agência. Ficamos de voltar, mas infelizmente isto não aconteceu; até mesmo o disco "Passarim", que eu havia comprado na Praça Vilaboim, acabou ficando sem seu autógrafo.
Meses atrás, compareci com a família a uma bela exposição de jóias e roupas da época dos czares, na Fundação Álvares Penteado. Deixei o carro numa subidinha, estreita rua que vai da Rua Alagoas à Piauí.
Quando voltamos, o carro não pegava: era a bateria. Enquanto esperava o socorro, subindo até a Piauí, vi justo à frente o prédio onde havia sido feito o filme. E assim, pude mostrá-lo à turma.
- Pois é, pessoal. Foi ali que conheci o Tom!
Por Luiz Simões Saidenberg
Houve a mudança da capital para Brasília, a indústria nacional deslanchou numa rotação que não se imaginava antes. Era um ritmo, sem trocadilhos, antes desconhecido.
Juscelino Kubitschek era uma figura sorridente e carismática, parecia o retrato da nova era em que o país adentrava. A arquitetura, o cinema, a música, tudo entrava em ebulição.
Era o "Cinema Novo", a "Bossa Nova", e por quê não, um novo país, que parecia, enfim, desperto de seu esplêndido berço? Até campeões mundiais éramos, no futebol !
Havia um clima de otimismo e mesmo de felicidade, pairando pelo ar. Agora sim! Lá vamos nós! Sentíamos, até nós, apressados paulistanos, relaxando um pouco em Ipanema, ou andando pela praia até o Leblon...
O que é bom não dura muito e aquele período, afinal, era a calmaria que antecede a tempestade.
Mesmo assim, com o tema das músicas mudando radicalmente após 64, os grandes compositores da Bossa Nova permaneceram. Tom, Vinícius, Carlos Lyra, João Gilberto, Sérgio Ricardo, foram acrescidos de novos valores, menos otimistas e mais agressivos, como Chico Burque, Caetano, Gil, Geraldo Vandré.
Mesmo distante dos felizes dias do início dos anos 60, a Bossa Nova ainda permaneceu, encantando a quase todos que a ouvem. Quando morei no Rio, costumava percorrer os lendários lugares cantados por Tom, Vinícius e Cia...
Estive tomando chope na esquina do Veloso, onde, dizem, foi composta "A Garota de Ipanema", mas não a encontrei lá, que pena, muito menos o Tom.
"Rua Nascimento Silva, 107, você ensaiando com a Elizete no piano as canções do amor demais..."
Estive por lá também, aliás passamos um reveillon no apartamento de um amigo nessa rua de Ipanema. Mas, Tom Jobim em pessoa mesmo, ainda se passaria algum tempo antes que eu conhecesse.
Estávamos em 1990 e fizemos um roteiro para o sabonete Phebo, no qual o astro seria o Tom. E foi aprovado, logo se iniciando os preparativos da produção.
Eis-nos adentrando um grande apartamento da Rua Piauí, cenário escolhido para imitar o do Tom, embora sem o verde da Gávea lá fora, nem aquele cantinho de céu e o Redentor!
Na espaçosa sala central, um belo piano de cauda e, atrás dele, Tom Jobim.
Teria seus sessenta e alguns anos, mas parecia mais jovem, uma madeixa de cabelo ainda escuro escorrendo pela testa, calça e camisa jeans e ar de moleque arteiro. O maestro era, à primeira vista, uma pessoa amável, simples e comunicativa.
Uma vez apresentados, nem tive que procurar assunto, constrangido diante daquela celebridade. Ele mesmo quebrou o gelo e uma vez que desandava a falar e dedilhar ao piano, não parava mais.
- Claude Achille Debussy - disse ele, salientando o heróico e desconhecido nome intermediário do compositor. E, mãos à obra, ei-lo tocando "Clair de Lune"...
Em seguida, contou casos de seu amigo, o brilhante psicanalista e escritor Hélio Pellegrino.
E assim continuaria, tarde a fora, se a produção não o arrancasse do piano. Afinal, havia um filme a ser feito e este era o motivo de sua presença! Tomadas depois, foi servido o almoço, no qual ele bebeu só cerveja, pois sua saúde já não era a mesma dos tempos em que não dispensava um scotch on the rocks... depois, partiu para uma pequena sesta, antes do reinício das filmagens.
Meu redator e eu também saímos, pois havia trabalho esperando na agência. Ficamos de voltar, mas infelizmente isto não aconteceu; até mesmo o disco "Passarim", que eu havia comprado na Praça Vilaboim, acabou ficando sem seu autógrafo.
Meses atrás, compareci com a família a uma bela exposição de jóias e roupas da época dos czares, na Fundação Álvares Penteado. Deixei o carro numa subidinha, estreita rua que vai da Rua Alagoas à Piauí.
Quando voltamos, o carro não pegava: era a bateria. Enquanto esperava o socorro, subindo até a Piauí, vi justo à frente o prédio onde havia sido feito o filme. E assim, pude mostrá-lo à turma.
- Pois é, pessoal. Foi ali que conheci o Tom!
Por Luiz Simões Saidenberg
15 comentários:
Luiz, no inicio do seu texto quanta coisa linda e saudosa você escreveu em amigo? Ai, entre o que escreveu e não se lembrou, veio à mente de quem viveu aquela época outras coisas. Presidente Coisa Nova, Pelé, futebol campeão do mundo, Bailinhos, lambretas, o "Cinema Novo", a "Bossa Nova", e os grandes compositores Tom, Vinícius, Carlos Lyra, Menescau e Bôscoli, João Gilberto, Sérgio Ricardo, de tudo o que mais fincou na nossa literatura geral foi o movimento “Bossa Nova”. Porque? Simples a resposta. Houve uma revolução na cultura musical do país. E isso só poderia vir de gênios, como Tom Jobim. Até então a musica brasileira que era bombardeada pela musica americana, era composta de regionais, com vários músicos com violão, Harmônica, percussão e muitos metais. O que fizeram os inventores da Bossa Nova? Simplesmente transformaram tudo aquilo em três instrumentos, Piano, Baixo e Bateria. Uma autentica revolução. E esse foi o mote da mudança musical, a polemica, muitos contras e poucos a favor. Os críticos puxados por “Tinhorão” diziam que a musica brasileira estava Jaszitizada, esse era o termo. Uma mistura do Samba com o Jazz. Porem as letras era simplórias e tinha mais brasilidade do que americanalhada. O Barquinho, O Pato, e outras coisas que vinha de Menescau, Bôscoli e Mielli que João Gilberto ia dedilhando ao violão com sua vos malevolente. Mas quando Tom, e Vinicius se meteram a escrever autenticas jóias raras, foi ai que a Bossa Nova ficou para sempre. Ficou pra matar a saudade, a tremenda saudade que não nos deixou. Um abraço Luiz...
Grande e inesquecível Tom Jobim!!!
Parabéns pela lembrança e pela bela homenagem prestada a ele com seu texto tão rico em detalhes e informações!
Eu tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente aqui, em Paraty, onde sempre cruzamos com estrelas de todas as grandezas, nacionais e internacionais. Pena que, na época, ele já estivesse se consumindo e se preparando para a última viagem. Lembro não de um homem falante e cheio de vida como você o descreveu, mas de um homem cabisbaixo e tristonho. Ele estava aqui, hospedado na Pousada do Príncipe, com sua 2ª esposa (muitos anos mais nova que ele), Ana Beatriz e os dois filhos que tiveram juntos, João Francisco e Maria Luiza. Infelizmente o rapaz seguiu o pai poucos anos depois.
Grande abraço, meu amigo.
Olá, Luiz!
Devo dizer que eu era bem criancinha quando deste evento...rsss
Mas, a boa música sempre me encantou. E gosto demais de MPB, começando por estes clássicos de nossa música. Referenciais para qualquer músico, cantor, ouvinte, Tom fez história e sempre e lembrado.
Que legal você ter vivenciado esta chance de trabalho com o Tom.
Aiiii...deu uma ponta de inveja...putz! rsss
Adorei!
Obrigada, Luiz.
Muita paz!
Até chorei, lendo e relendo seu texto e os comentários do Lopomo, pois muitas recordações dessa melhor época da musica popular brasileira, materializaram em minha mente durante a leitura. Parabéns Saidenberg, você é realmente um grande mágico da escrita.
Luiz, lendo teu texto fui voltando ao passado e revendo gentes, lugares, ouvindo musicas, sentindo sabores.
Este é o milagre que um texto bem escrito faz em quem o le.
Além de sentir todas essas coisas, senti uma vontade terrivel de gritar aos quatro ventos: É MENTIRA!
Tudo por causa da pontinha de inveja que senti em te saber lado a lado com o maestro Tom, mas a inveja passou e ficou, ainda mais forte, a admiração que sinto por você.
Valeu!
Márcia Saidenberg disse...
Luiz, você sempre no tom!
beijos
Olá, Márcia...Olá Luiz!
Pois seria de "bom Tom" criar uma ID para Márcia, né?! rsss
Marcinha? Pode escrever o comentário só com o nome, assim como faz o Modesto...
Basta escolher a opção Nome/URL (não precisa a URL, claro) e envia o comentário, ok?!
Valeu! Uh huuuuuuu
Muita paz!
Querida Soninha,
Agradeço seu incentivo e suas dicas. Colocá-las-ei na pratica agora, deixando-lhe enorme abraço e que Deus a esteja protegendo muito.
Uma crônica maravilhosa consagrando um grande compositor, é algo pra se ler e guardar. Enriquecida com notáveis detalhes, salpicados aquí e alí com a extraordinária lembrança do Luiz. Muito bonito seu texto, Saidenberg, parabéns.
Mô
"O Pato,vinha cantando alegremente,
Qüem-qüem!..."
"Era uma vez, um lobo-mau, que resolveu "jantar" alguém. Estava sem vintém, mas arriscou..."
Eis aí, os primórdios do meu interesse pela Bossa-Nova.
Primeiro o João, depois Jobim. Depois, João e Tom... Vinícios,e, por aí vai..."
Excelente texto Saidenberg!
Excelente por esse panorama da Bossa-Nova experienciado e vivido por você.
Excelente pelo pedaço da história biográfica do Tom - de que você foi testemunha viva.
Excelente também por mostrar-nos a sua vida de "propagandista" e os bastidores da propaganda! Poucos sabem os dias e horas que envolvem a feitura de uma propaganda ou um comercial de TV de pouco mais de um minuto.
Obs: Coloquei propagandista entre aspas porque não sei se esse é o termo correto.
Parabéns!
Natale
comercial de TV
Muitíssimo obrigado pelos elogios, mas meu texto, qualquer texto, seria pequeno para falar da genialidade e humanidade de Tom, percebida em alguns momentos de coversa.
Verdade, sim, Chammas, aí estão as fotos, sem montagem, que não me deixam mentir. Havia outra, de nosso almoço, mas, daqueles tempos de máquinas não digitais, deve estar no fundo do baú. Qualquer hora eu a encontro e envio. E, caro Wilson, não era "propagandista", mas publicitário. Vasta categoria que abrange desde a copeira do café aos maiorais da propaganda. No meu caso, era diretor de arte em criação publicitária. Grandes abraços.
A culpa é daquelas revistas antigas que você sabe que eu estou pesquisando! Nela "apparece" vários "annuncios" de agências de propaganda, nomeando os propagandistas famosos. Na cabeçs estava a Agência de publicidade. Mas o publicitário, não "appareceu" e acabou virando propagandista.(risos)
De qualquer modo, o que importa é que o seu texto está prá lá de ótimo. E eu gostei à beça, Sr. Publicitário!
Abração,
Natale
Muito obrigado, Wilson. Nessas revistas não apareciam anúncios, mas "reclames". E até no feminino, como na bela música de Orestes Berbosa- Cansei de olhar AS reclames... propagandista existe, mas é mais usado para quem faz anúncios em pequena escala, ou de porta em porta, ou de produtos
de pequena produção. Mas Propaganda e Publicidade são sinônimos...vá lá se entender! E, hélas, sou um ex-publicitário, ou um POBREcitário, se assim preferir! Abração.
Oi Luiz,
Meu nome é Luiza e sou RP da Phebo. Encontramos um CD com anúncio da Phebo no qual Tom Jobim aparece tocando seu piano. Seria esse o mesmo anúncio que o sr. roteirizou? Gostaríamos também de confirmar o ano do anúncio. Agradeceria imensamente se o sr. pudesse entrar em contato:
lferrez@granadophebo.com.br
Um abraço,
Luiza
Olá, Luiza!
estou encaminhando seu comentário e sua solicitação para Luiz Saidenberg, ok?
Obrigada pela visita.
Volte sempre.
Muita paz!
Sonia Astrauskas
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