Perguntado por meu filho, Fernando, sobre a origem da cicatriz que ostento no outrora saliente bíceps do braço direito, fui, de imediato, levado a um fato ocorrido no início dos anos 60.
Ouvíamos ao longe o som da banda e, logo, perfilava ao longo da rua, ainda de terra batida, o desfile dos astros. O homem de perna de pau, os anões, os palhaços, a banda e o que mais queríamos ver os animais, capitaneados pelo rei Leão e o gigante Elefante.
Era o Circo Stankowich, que desfilava pelas ruas de Itaquera, anunciando sua chegada para mais uma temporada.
O circo, como em todos os anos, era armado no campo do Elite, ali onde meu amigo Cebolinha derrubou o helicóptero com uma pedrada.
Na época, as grandes atrações do Circo eram os animais selvagens e, circo que prestava, tinha que ter leões, elefantes, ursos, tigres. O domador juntamente com o casal de trapezistas, eram os principais astros do espetáculo.
Pois bem, um dos canais de marketing do circo era a entrega, nas escolas do bairro, de um convite para cada criança assistir à primeira matine. É claro que o convite era só para a criança, os pais teriam que pagar.
Naquele dia, recebemos na classe os convites e mal podíamos esperar o final da aula, pois seria certo cortar caminho no retorno para casa e andar mais um quilômetro para passar no circo e ver os animais.
Tocou o sino de fim de aula e lá fomos nós, em disparada, até o campo do Elite. À distância o cheiro inconfundível dos animais já denunciava a presença das feras naquele local.
Os bichos estavam quietos. O elefante acorrentado por um dos pés a uma tora enterrada firmemente no gramado. O leão cochilava e mal abria os olhos, demonstrando um grande cansaço pela viagem e o tédio de passar a vida naquela jaula fétida, de não mais que 4 metros quadrados, já nem ligava para as moscas. O tigre andava, ou melhor, virava-se de um lado para outro, também dentro de sua diminuta jaula.
As crianças, boquiabertas, admiravam as feras e, ao meu lado, estava o Tampinha, apelido do Elvélcio (melhor que seja Tampinha), pois era um garoto de estatura bem menor que os demais de sua idade, porém, maior que todos, quando se tratava de aprontar alguma. Fomos, por fim, visitar o animal de menor prestígio, o Urso Pardo, que estava bastante ativo em sua jaula, excitado pelo agito da garotada.
Não sei qual o motivo, se bem que, para o Tampinha, não havia razão ou motivo, ao chegarmos perto da jaula do Urso (mais tarde vim saber que era um urso fêmea), o Tampinha me empurrou de encontro à jaula. O animal não teve dúvidas e agarrou meu braço, puxando-o contra as grades. Por sorte, o tratador estava ao lado e cutucou o animal com um gancho de servir alimento aos bichos. Dois cortes superficiais e um furo profundo até o osso foi o resultado do ataque. Muito sangue e, para mim, o pior, meu agasalho novo rasgado, o que seria motivo para levar uma surra de minha mãe.
Fomos diretos para a farmácia do seu Barreiros, que limpou bem os ferimentos e deu um ponto de latinha no furo maior. Depois de uma injeção antitetânica, que doeu mais que a patada do urso. Fui conduzido para casa pelo administrador do circo. Ganhamos uma permanente para assistir a todos os espetáculos, de graça e no camarote.
Tampinha continua lá, em Itaquera, e todo final de semana eu o vejo com seu carrinho de amolar facas, ostentando o sorriso de um único dente, o canino esquerdo inferior, que me faz lembrar a presa de um urso.
Por Marcos Falcon
Ouvíamos ao longe o som da banda e, logo, perfilava ao longo da rua, ainda de terra batida, o desfile dos astros. O homem de perna de pau, os anões, os palhaços, a banda e o que mais queríamos ver os animais, capitaneados pelo rei Leão e o gigante Elefante.
Era o Circo Stankowich, que desfilava pelas ruas de Itaquera, anunciando sua chegada para mais uma temporada.
O circo, como em todos os anos, era armado no campo do Elite, ali onde meu amigo Cebolinha derrubou o helicóptero com uma pedrada.
Na época, as grandes atrações do Circo eram os animais selvagens e, circo que prestava, tinha que ter leões, elefantes, ursos, tigres. O domador juntamente com o casal de trapezistas, eram os principais astros do espetáculo.
Pois bem, um dos canais de marketing do circo era a entrega, nas escolas do bairro, de um convite para cada criança assistir à primeira matine. É claro que o convite era só para a criança, os pais teriam que pagar.
Naquele dia, recebemos na classe os convites e mal podíamos esperar o final da aula, pois seria certo cortar caminho no retorno para casa e andar mais um quilômetro para passar no circo e ver os animais.
Tocou o sino de fim de aula e lá fomos nós, em disparada, até o campo do Elite. À distância o cheiro inconfundível dos animais já denunciava a presença das feras naquele local.
Os bichos estavam quietos. O elefante acorrentado por um dos pés a uma tora enterrada firmemente no gramado. O leão cochilava e mal abria os olhos, demonstrando um grande cansaço pela viagem e o tédio de passar a vida naquela jaula fétida, de não mais que 4 metros quadrados, já nem ligava para as moscas. O tigre andava, ou melhor, virava-se de um lado para outro, também dentro de sua diminuta jaula.
As crianças, boquiabertas, admiravam as feras e, ao meu lado, estava o Tampinha, apelido do Elvélcio (melhor que seja Tampinha), pois era um garoto de estatura bem menor que os demais de sua idade, porém, maior que todos, quando se tratava de aprontar alguma. Fomos, por fim, visitar o animal de menor prestígio, o Urso Pardo, que estava bastante ativo em sua jaula, excitado pelo agito da garotada.
Não sei qual o motivo, se bem que, para o Tampinha, não havia razão ou motivo, ao chegarmos perto da jaula do Urso (mais tarde vim saber que era um urso fêmea), o Tampinha me empurrou de encontro à jaula. O animal não teve dúvidas e agarrou meu braço, puxando-o contra as grades. Por sorte, o tratador estava ao lado e cutucou o animal com um gancho de servir alimento aos bichos. Dois cortes superficiais e um furo profundo até o osso foi o resultado do ataque. Muito sangue e, para mim, o pior, meu agasalho novo rasgado, o que seria motivo para levar uma surra de minha mãe.
Fomos diretos para a farmácia do seu Barreiros, que limpou bem os ferimentos e deu um ponto de latinha no furo maior. Depois de uma injeção antitetânica, que doeu mais que a patada do urso. Fui conduzido para casa pelo administrador do circo. Ganhamos uma permanente para assistir a todos os espetáculos, de graça e no camarote.
Tampinha continua lá, em Itaquera, e todo final de semana eu o vejo com seu carrinho de amolar facas, ostentando o sorriso de um único dente, o canino esquerdo inferior, que me faz lembrar a presa de um urso.
Por Marcos Falcon
7 comentários:
Interessantíssimo relato, Falcon, sobre uma constante relação de outrora: a criança e o circo. Como esse foi importante em nossas vidas...agora, tenho uma boa definição para o teu amigo tampinha: Amigo Urso, literalmente, só comparável ao Amigo da Onça. Um abraço.
Olá, Marcos!
Não sei o que foi pior: se a patada do urso nada amigo ou o empurrão do amigo urso... mas tenho certeza que as boas lembranças são o presente perfeito deixado por aqueles dias em que as grandes preocupações se resumiam a como encontrar mais tempo para as brincadeiras.
Parabéns e obrigado pelo texto que me transportou para o tempo em que eu também me encantava com a chegada do circo.
Abraço.
Marcos, o circo sempre foi o encantamento de meninos e meninas. Eu também me via obcecado pelo circo e por todas as suas atrações. Principalmente as feras que hoje, por força de dispositivos legais, não mais fazem parte do elenco circense.
Eu também tenho lembranças de uma aventura que resultou em calças rasgadas, joelhos estourados e surras caseiras. Já publiquei essa aventura no vivasp e no SPMC, mas qualquer hora, na falta de novos textos a publicarei aqui.
Obrigado por me fazer voltar no tempo.
Falcon, Quando cheguei ao final da leitura de seu texto pensei, puxa esse tampinha foi mesmo um amigo urso. Mas ao postar meu comentário,notei que o Saidenberg foi mais rápido e não deixou escapar o trocadilho, Portanto só me resta agradece-lo pela oportunidade de ler uma bela historia, falando do mundo encantado do Circo de variedades que muito encantou a minha infância, minha juventude, até hoje me conforta, e me traz muitas boas recordações. Parabéns e volte mais vezes.
Olá, Falcon!
Há quanto tempo!
Nossa...que legal seu texto!
Trouxe-nos de volta à infância e aos bons tempos do circo...
Que pena que houve uma tragédia que foi, justamente, sobre você, pelo ataque do urso.
Com isto precebe-se que, certas brincadeiras, nunca deveriam se feitas, não é mesmo?!
A atitude do Tampinha, indolente como sempre, conforme vc nos disse, poderia ter trazido um final infeliz à história. Mas, felizmente, o final até que foi bom...Rendeu os ingressos permanentes para as apresentações do circo, naquela temporada em Itaquera.
Obrigada por nos enviar o texto.
Mande-nos mias, ok?!
Muita paz!
Bem-vindo ao CIRCO!
Bem-vindo ao mundo da magia e dos sonhos encantados! Vai começar a grande aventura!!!...
Ótimo texto! Embora você tivesse junto a si um belo "amigo da onça", viveu como muitos de nós os prazeres do circo.
Ah! O Circo dos Irmãos Queirolo, Sarrazani, Orlando Orfei... Como explicar o circo às novas gerações?
Abração, Natale.
Falcon, muito engraçada, mas perigosa este teu momento de criança. Ainda bem que nada mais grave aconteceu e estas experiências de vida marcadas como esta, não dá mesmo para esquecer e hoje virou historia para todos nós e principalmente para o neto....que coisa boa! Eu não sei porque nunca gostei de circo e já escrevi no saopaulominhacidade, um texto falando do medo e como eu me escondia do circo quando ouvia o barulho chegar lá na rua em que eu morava. Adorei seu texto...um grande beijo.
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