sexta-feira, 27 de maio de 2011

Congonhas


Nos tempos da Panair.

Na primeira vez que fui a Congonhas, não foi para voar. Com sete anos, jamais imaginava que voaria algum dia, a não ser nos voos diários da imaginação... Tínhamos vindo a São Paulo, meu pai com seu Vauxhall à disposição, naquele tempo de raros carros particulares, e minhas tias aproveitaram para por os passeios em dia.
Vejo-me cruzando um caminho sob os eucaliptos - o Parque do Ibirapuera ainda não existia -na rota do então longínquo aeroporto. Lá chegados, revejo-me novamente: estou sobre um vermelho barranco, que a oeste desce para um bairro quase descampado, o Campo Belo. Hoje, não tão belo, e muito menos campo.
Atrás de mim, um muro esconde a pista, com murais em baixo relevo, belos painéis em cerâmica referentes à aviação, que jamais poderiam ser destruídos, como foram, anos atrás. Não havia a 23 de Maio, nem o estacionamento ajardinado, hoje sepultado por vários pisos de concreto.
Foram estas minhas primeiras impressões do velho aeroporto, e nem sonhava que tantas vezes voaria por ele, nem que um dia fosse morar vizinho, no Planalto Paulista, separado por pouco mais do que a futura Av. Bandeirantes.
Voei pela primeira vez em 1962, com um colega de editora, íamos à Porto Alegre, para checar uma cooperativa de desenhistas que estava lá se estabelecendo. Não lembro o avião, se seria ou não da Panair. Mas, com certeza, da segunda vez voltando ao sul para lá trabalhar, um velho DC-3 da Real Aerovias, com seu símbolo de bobo da corte.
Quando, em 77, mudamos para o Planalto Paulista, ficamos ainda mais íntimos de Congonhas. Se, por um lado os aviões incomodavam com seus motores, o aeroporto estava ali bem à mão, como o quintal de casa.
Dali partimos para nossas duas primeiras viagens à Europa; da segunda, vindos de Roma, ao descer em Congonhas, apanhamos o primeiro táxi que passou ao longo da ala internacional, um fusquinha, e nele amontoamos as malas. Nada de táxi especial, nenhuma frescura. Afinal, até em casa, só uns dez minutos.
Congonhas ainda era risonho e franco nessa época; era tradicional o hábito de seu cafezinho e o da praia paulista: subir ao terraço superior para ver as naves em ação. Nada que se compare ao burburinho de hoje. Faz algum tempo que não voamos, mas, quando fomos acompanhar até lá nosso filho a uma de suas aventuras ecológicas, fiquei pasmo. Multidões, filas imensas, os espaços irreconhecíveis.
Onde havia a bela escadaria metálica para o salão de bailes e retaurante, frias escadas rolantes, como num shopping. Na sala circular central, lembrava-me de um grande mapa na parede, com a rosa dos ventos. Ainda existe, mas é preciso procurar bem, meio oculto pelos balcões de uma loja.
Dos bailes do passado, como o famoso e escandaloso Carnaval do Arakan, restariam apenas lembranças, isto se eu tivesse ido a algum deles... Mea culpa: nunca fui; apenas certa vez ao baile de formatura de uma ex-parente.
Congonhas, um dos elos da crise de aeroportos que ensombrece a próxima Copa do Mundo, trazida para um país até agora sem a devida estrutura. E aguardando voos mais altos em vários setores...
Em 17/07/2007, um avião da TAM, voo JJ 3054, proveniente de Porto Alegre, não conseguiu frear e arremeteu pela pista, como um bólido. Atravessou o espaço sobre a 23 de Maio e explodiu contra um prédio da mesma companhia. Uma catástrofe ainda na memória de todos.
O ponto de onde ele saltou da pista, era o mesmo de minha primeira lembrança de Congonhas, o barranco vermelho com o desabitado Campo Belo como fundo. Coisas de um aeroporto engolido pela monstruosa cidade, que como Chronos, o Tempo, devora seus próprios filhos.

Por Luiz Saidenberg

11 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, Congonhas é ponto referencial em Sampa.
Desde outróra, como vc mesmo conta, foi de tanto destaque que as más linguas diziam que os Paulistanos tinham um passeio unico, era ir ver subir e descer aviões em Congonhas, depois saborear o cafezinho que era servido no saguão principal.
Belo texto!

MLopomo disse...

Morei próximo ao aeroporto de 1951 a 1986, a beira do córrego da traição hoje Av. dos bandeirantes. divisa da Vila Olímpia - Brooklin. Era a rota dos aviões, Eles passavam bem acima da nossa casa, já próximo ao solo, creio que a 100 metros de altura, que atrapalhava em ouvir radio e depois Televisão, Com o tempo nos acostumamos que nem parecia que os aviões estavam descendo, mas que nos visitava não entendia como a gente conseguia morar ali. Nos anos 1950, logo às seis horas da manhã começavam a esquentar os motores e o barulho era insuportável.

LAERTE CARMELLO disse...

SAIDENBERG: Nossa amiga Márcia Ovando
do blog "Moemas de tantas histórias"
tem uma postagem interessante com fotos sobre os primórdios do aeroporto de Congonhas, inaugurado em 1946.
Como Você bem diz, ele certamente empanará a Copa 2014, pois está exaurido em todos os sentidos, sem
falar do entorno que vive congestionado a qualquer hora do dia.
Mas este aeroporto fez e faz parte de nossas vidas, não só pelas viagens, como também pelos passeios
que dávamos quando jovens para tomar café, paquerar,etc. Era um dos pontos de encontro mandatórios.
Quando calouro na década de 60, os veteranos me arrastaram até lá, onde careca e todo pintado tive de pedir esmola aos viajantes. Bela postagem!

Modesto disse...

Pois é, Luiz sua narrativa, tão bem equilibrada, nos remete aqueles anos em que Congonhas era nossa atração, não a maior mas, a mais simpática. Sua descrição termina com o desalmado acidente onde centenas de vidas foram ceifadas. Parabéns, Saidenberg.
Modesto

Soninha disse...

Olá, Luiz!

O velho Congonhas, amado e odiado pelos paulistanos...
Mas, um ícone na história de Sampa, com certeza!
Eu adorava ir ver os aviões subirem e descerem...kkkkkk
O mais legal era paquerar e tomar o café com chantily,o top gourmet da época...era tão chique...rsss
A verdade é que Congonhas está mais parecendo um porta aviões urbano, isso sim.
O barranco vermelho é ponto referencial para muita gente, ainda,pode crer.
Valeu, Luiz!
Obrigada.
Muita paz!

Wilson Natale disse...

Boa Lembrança, Saidenberg!
O Congonhas que vicê viu, que vimos está muito distante do atual.
É tambem o "meu" aeroporto, ou ARIOPORTO - como dizia a maioria...
Mais que ver aviões subindo e descendo, íamos nos confraternizar com os amigos - fazer novos, tomando um "café du Brèsil" expressamente expresso.
Ah! Congonhas! Dos bailes, das bancas de revistas importadas, dos sonhos de um dia partir e conhecer o mundo... Dos lotações, dos táxis-mirins; do tempo em que realmente se relaxava e gosava.
Hoje ele é apenas o arremedo de uma grande rodoviária.Lixo, banheiros sujos e gente de cara feia, oprimida pela ansiedade, receando atrasos e cancelamentos de vôos. E acidentes...
Somos ainda dos tempos dos trens, dos navios. A rodoviária era um sonho distante. As estradas, então, sem comentários.
E o aeroporto de Congonhas encantava-nos com os seus pássaros de aço da PANAIR,VASP, VARIG,CRUZEIRO, SADIA...
No nosso tempo aeroportos eram ainda novidades, hoje é lugar comum. Hoje, poucos vão até lá para sonhar.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

PS:
Acabei de lembrar que essa minha foto aí do lado, foi tirada na estrada do aeroporto de Congonhas, em 1952. Essa foto foi recortada para caber no "box". Na original,vê-se ao fundo os mosaicos alusivos à aviação e parte do estacionamento.
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. Faz tempo que não volto ao velho aeroporto, ou airoporto, como disse o Natale, e não vôo. O jejum será quebrado nos inícios de junho, qdo vamos a Florianópolis, e aí poderei constatar se o estado está tão lamentável assim. Caro Wilson, não vi a foto, com os paineis.
Vou rever a matéria, e se não achar, vc me enviaria? Gostaria muito de rever esses relevos, que não encontrei em nenhuma pesquisa. Grande abraço a todos.

Luiz Saidenberg disse...

Não sei mesmo a qual foto se refere, Wilson. Vc me enviaria? Muito grato.
Luiz.

Wilson Natale disse...

Saidenberg: a foto é essa ai, que sempre aparece nos meus comentários.
Vou procurar a foto inteira nos meus CDS e mando a você.
Nessa foto, sem recortes, estou ao lado do meu irmão, e ao fundo o aeroporto.
Abraços.
Natale.

Luiz Saidenberg disse...

Ah, Bão. Entendi, Wilson. Isso, mande a foto completa, que só enriquecerá o site.
Muito obrigado e um abraço.