(Uma experiência insólita)
Em 2006, mais uma vez, meu amigo Silas veio do Rio para minha casa. Estava interessadíssimo em conhecer e fotografar o Castelinho da Rua Apa. Na manhã seguinte, lá fomos nós para a Avenida São João, fotografar o dito Castelinho. Não sabia que ia entrar de “gaiato” em mais uma situação insólita...
O Castelinho hoje está em ruínas.
Foi construído em 1912, por Vicente César dos Reis para ser o lar de sua tradicional família. Nele viveu a família até a trágica noite de 12/05/1937, quando todos morreram vítimas de um crime.
Naquela noite a governanta, que vivia em um anexo, ouviu tiros dentro da casa e saiu para a rua, em busca de um policial. Quando o policial entrou encontrou, no escritório e na sala, os corpos de Dona Maria Cândida (viúva havia dois meses) e dos seus dois filhos, Álvaro e Armando.
Na manhã seguinte, os jornais estamparam: “O crime do Castelinho da Rua Apa”, causando comoção na cidade toda.
A polícia investigou e encerrou o caso: Dois assassinatos, um culposo, outro doloso, seguido de suicídio (por suposição). Encerrou, mas não solucionou. Não descobriram a real motivação e nem quem seria o verdadeiro assassino.
A versão que ficou e que virou tradição oral é a seguinte: Álvaro queria transformar o Cine Broadway (propriedade da família) em um rinque de patinação. Desentendeu-se com o irmão Armando e pegou uma arma e o ameaçou. A mãe, tentando apartá-los, meteu-se entre os dois e foi atingida mortalmente. Álvaro mata o irmão e, em seguida, comete suicídio.
Com o tempo, o clima da tragédia maculou a residência dos Guimarães Reis. Virou uma casa mal-assombrada e tornou-se mais uma lenda urbana.
Com a ausência de parentela direta, o imóvel passou à União. Foi alugado muitas vezes até ser abandonado e, através dos anos, virou ruína.
A ruína continuou com a fama de mal-assombrada. Diziam que o fantasma de Álvaro vagava pela casa, perseguindo o irmão - o Armando. E que a mãe, eternamente desesperada, continuava na tentativa de separá-los; falavam de ruídos, vozes e gemidos... Muitos disseram que sentiram e viram “coisas” por lá.
O comediante ANKITO que morou no castelinho por uns tempos, disse que nunca vira, ouvira ou sentira nada. Confirmou que a casa era linda e que adorava viver lá.
A lenda urbana leva muita gente a visitar o Castelinho da Rua Apa, nº 236, esquina com a Avenida São João.
Estávamos eu e Silas dentro daquelas ruínas. É nosso costume, quando estamos fotografando, pouco ou quase nada falarmos. Em silêncio vamos fazendo as nossas fotos, sempre juntos, às vezes colados, fotografando o mesmo objetivo. Acabei de fazer a foto, mas Silas ainda fotografava o escritório. Eu fui para a sala dos fundos. Entretido em angular uma foto, percebo a presença do Silas. Logo senti que ele estava junto a mim. Pensei: “ele está interessado no mesmo tema que eu”. Mais uns passos e eu dirigi a objetiva para a torre do Castelinho. Um ângulo interessante! Clic! Pronto! Agora, mais duas fotos para garantir... De repente, sinto o Silas colar-se em mim. Sem tirar os olhos do visor, falei em tom de brincadeira:
- Se você colar um pouco mais, vai virar assédio! Rindo, volto-me para o Silas e... Ele não estava lá! Senti um arrepio dos pés à cabeça e uma sensação de enjôo. E a invisível presença desapareceu.
Segundos depois, ouvi o meu amigo, do lado fora, chamando por mim. Fui ao encontro dele. Eu me aproximei e ele rápido me diz: -
Caraca! Vamos embora. Não quero mais ficar aqui! -
O que houve? – Perguntei.
Ele contou: Depois de fotografar o escritório foi para fora, fotografar a fachada. Disse-me que logo percebeu a minha presença. Continuou fotografando e eu junto. De repente, bateu-lhe a vontade de virar-se e fazer uma foto minha (Brincadeira de mau gosto que fazemos um com o outro. É que não gostamos de ser fotografados).
Rindo intimamente, rápido ele virou-se e bateu a foto... Eu não estava lá! Apavorado começou a chamar por mim.
Eu, por minha vez, contei a ele o que acontecera comigo lá dentro.
Conclusão: Fomos fotografar o Largo de Santa Cecília e Silas, mais que depressa, entrou na igreja para “fazer um ‘descarrego básico’.” Eu, por via das dúvidas, fui atrás.
À noite, em minha casa, sem coragem de ir para os nossos quartos, ficamos na sala a ver filmes e nem cogitamos de falar sobre o assunto. Amanhecia quando subimos para dormir.
Fica aqui o meu relato somente. Eu não tenho competência para explicar o inexplicável. Sei que nunca acreditei nas lendas do Castelinho. Via nele, um local marcado pela tragédia, nada mais.
Do Castelinho e da tragédia que aconteceu lá, havia ficado na minha lembrança, apenas a figura fiel de Dona Baby (Maria Ângela Cunha Bueno). A namorada e amiga do Álvaro, que nunca acreditou que ele fora o assassino matricida e fratricida, como diziam. Passou a vida levando flores ao túmulo dele. E, quando ela morreu, uma parenta passou a cumprir o ritual.
Do Castelinho ficou e ficará apenas a figura de Dona Baby. Aquela mulher idosa, que tantas vezes vi no cemitério da Consolação (anos 60/70), carregando uma braçada de flores, a caminho do túmulo onde ainda repousa o seu amado...
Por Wilson Natale