sábado, 30 de outubro de 2010

Nossos amigos da Santa Ifigênia

Os dados históricos foram recolhidos do portal Santa Ifigênia e fotolog.terra.com

Assim como a Rua 25 de Março, com seu comércio intenso e variado e com um volume de pessoas circulando por ela, chegando a ficar intransitável, também a Rua Santa Ifigênia tem seu importante valor no que diz respeito ao comércio no ramo da elétrica, eletrônica e afins.
Comprar ou mesmo passear por estas ruas, em horários comerciais, além de ser uma aventura é, também, um passeio cultural.
Ambas a ruas citadas mereceriam inúmeras laudas para contar um pouquinho de suas peculiaridades; mesmo assim, neste
pequeno trecho reporto-me à Santa Ifigência, pois nela temos amigos muito queridos, que são comerciantes por lá, o Jair e a Alaine, da KLV Informática.
A Rua Santa Ifigênia tem sua história que remonta aos idos de 1758 quando foi criada a Irmandade de Santa Ifigênia e Santo Elesbão, instalada inicialmente na igreja do Rosário dos Homens Pretos que existia na atual Praça Antônio Prado. No local onde hoje encontra-se a Igreja de Santa Ifigênia, já deveria existir, desde 1720, uma pequena capela. Em 1795, as imagens de Santa Ifigênia e Santo Elesbão foram transferidas para esta capela que, a partir de então, passou a ser conhecida como igreja de Santa Ifigênia. Com o crescimento do número de devotos, fez-se necessário aumentar a capela. Reformas foram realizadas nos anos de 1798, 1817 e 1899. Em 1911, a antiga igreja foi demolida e iniciou-se a construção da atual, que foi inaugurada em 1912. Com forte vocação comercial, a Rua Santa Ifigênia abrigou, no início do século XX, várias das melhores lojas de tecidos, peles e chapéus femininos. A sua clientela era formada, principalmente, pelas ricas famílias que moravam no então elegante bairro dos Campos Elíseos. A partir das décadas de 1940 e 1950, surgem as primeiras lojas especializadas em material elétrico e eletrônico e foram, gradualmente, tomando o espaço das famosas lojas de tecidos, em função do surgimento da televisão e dos eletrodomésticos.

As lojas de materiais elétricos e eletrônicos, por sua vez, começam a predominar neste logradouro e, nas décadas de 70 e 80, já eram a maioria.
Nossos amigos estão estabelecidos na região há mais de 30 anos, na Av. Rio Branco, 300, loja 31 a 34, esquina da Rua Aurora. Saem, diariamente, lá de Santana, região norte de Sampa, e vão para a região da Santa Ifigênia para trabalhar.
Incansáveis que são, Alaine e Jair, ainda tem disposição para, todo final de semana, descerem à praia para descansarem um pouco da correria da loja, ao som de belas músicas, nos bailes do Ocian Praia Clube onde, além de dançar e interagir com diletos amigos, fotografam os eventos e postam as fotos em seu blog http://oceam1.spaces.live.com/

Por Sonia Astrauskas

Presidentes do Brasil

Como nasci em março de 1948, as primeiras lembranças que tenho sobre os presidentes do nosso país são da morte do Getúlio, pois minha avó chorou muito e eu não entendia por que, já que ele nem era uma pessoa do círculo de conhecidos da nossa família. O mesmo se dera dois anos antes, com o acidente que vitimou o cantor Francisco Alves, mas, sua música “Criança Feliz” é uma das mais antigas lembranças musicais que tenho.
Depois, como não podia deixar de ser, vêm as lembranças do presidente bossa nova, aquele que construiu uma cidade futurista no coração do Brasil. O sorriso largo do Juscelino é uma das maiores lembranças que tenho dele. Depois da fundação de Brasília, em 1960, comemorada no Brasil inteiro, veio uma verdadeira confusão para a minha cabeça adolescente. Lembro das disputas de Adhemar de Barros, com s
ua “caixinha” e Jânio Quadros, com sua “vassoura”, que pularam do governo de São Paulo para a presidência do país, com vitória deste último e de Jango, que manobrou os eleitores para elegerem-no vice-presidente do Jânio (naquela época os vices eram eleitos independentes dos presidentes). A confusão só aumentou com a renúncia do presidente, que havia proibido a apresentação de mulheres de maiô na televisão e queria abolir o uso da gravata; ele mesmo , tentando lançar a “moda safári”, ao invés de governar de verdade, o que não conseguiu devido a não contar com a maioria no Congresso. Sua renúncia e a posse conturbada de seu vice, João Goulart, demonizado como comunista, abriram as portas para o golpe iminente que nos trouxe a ditadura militar. Esse foi um período negro para o Brasil e para os jovens que, como eu, estavam em período de formação e foram privados de informação.
Mas, lembro bem do período do Geisel, com sua aparência mais de avô do que de general. Durante seu governo foi iniciada uma abertura política e amenização do rigor do regime militar, continuados pelo General Figueiredo, aquele que gostava mais de cavalos que de gente... Durante seu governo, marcado pela inflação e endividamento do país, houve também a concessão de uma anistia ampla, geral e irrestrita aos políticos cassados , com base em atos institucionais.
A abertura política abriu caminho para a eleição de Tancredo Neves, morto antes da posse , e seus sucessores: Sarney, Collor, Itamar, FHC e, finalmente, Lula. Este é o primeiro presidente semi-analfabeto e que se orgulha disso, como nunca antes havia acontecido em nossa história
.
Esse 35º presidente se orgulha tanto de suas conquistas que, para eternizar-se no poder, resolveu criar um clone para substituí-lo até 2014, quando retomará a faixa presidencial carregado nos braços do povo que o idolatra. Como a ciência ainda não conseguiu criar um clone perfeito, o do atual presidente usa saia (apenas para satisfazer o protocolo, pois gostaria mesmo é de umas bombachas) e, embora afirme ter um curso universitário completo, é ainda mais despreparada que seu criador, não conseguindo completar uma frase coerentemente. Pelo menos esse mérito o seu criador tem, já que é excelente orador, possuidor de um carisma indiscutível. Ela se parece mais com um cruzamento de abóbora com chuchu, sem um pingo de charme, nem de simpatia, coisa que ele esbanja à vontade. Como passado político, pode-se afirmar que ela participou de grupos guerrilheiros, com atuação em roubos de armas, assaltos, assassinatos. Depois da anistia dada pelo governo, ocupou a Secretaria da Fazenda da Prefeitura de Porto Alegre e Secretaria Estadual de Energia, Minas e Comunicações, antes de coordenar a equipe de Infra-Estrutura do Governo de Transição para o primeiro mandato de Lula. Foi Ministra das Minas e Energia e da Casa Civil até o lançamento de sua candidatura à Presidência da República. O sucesso de sua campanha se deve mais à quase idolatria que o povão sente pelo atual presidente do que aos méritos dela. Na verdade, o povo está querendo reeleger o próprio Lula e não essa desconhecida que surgiu do nada e não disse coisa nenhuma em todas as suas aparições.
O Presidente Lula tem alguns méritos e isso é indiscutível. Embora se orgulhe de suas deficiências escolares, é um líder nato e sabe manobrar o poder como ninguém. Deu sequência às políticas e atos implantados por seu antecessor e acabou por colher, sozinho, os louros das vitórias obtidas. Cercou-se de pessoas competentes, embora tenha distribuído cargos, a torto e a direito, entre seus correligionários, tornando o governo um imenso e infinito cabide de empregos. E assim , seguiu governando, distribuindo “bolsas” disto e daquilo, para os mais necessitados (nem sempre) e garantindo, assim, a generosa gratidão dos beneficiados (e desinformados). É, em sua simpatia, reconhecido como “o presidente dos pobres”, embora ele mesmo e todos os seus apaniguados estejam nadando em dinheiro, conforto e tudo o que acham que têm direito.
Recentemente, quase elegemos , já no primeiro turno de votações, seu sucessor , indicado por ele, para os próximos quatro anos. Mas, o segundo colocado nas votações, levou para o segundo turno as eleições para presidente. Ganhamos com isso, mais 28 dias onde a esperança de conseguirmos reverter o quadro político atual, que mostra, ainda, situações de gritantes diferenças sociais, trocando o supremo mandatário que mantém alianças com outros líderes políticos internacionais (Hugo Chávez e Ahmadinejad entre outros), por outro que, sem a simpatia e o carisma de Lula, tem uma história política com excelentes trabalhos prestados durante sua carreira. Com nossa baixa formação política e graves deficiências educacionais temos, no segundo turno, a chance de detalhar melhor as idéias, expor fragilidades (e fortalezas) e aumentar o confronto entre situação e oposição – coisa que não vimos nos debates do primeiro turno. Ganhamos nós, eleitores, com uma transparência maior para decidirmos com bases mais sólidas e também ganha o eleito, que chega, enfim, ao poder, com a legitimidade dos votos recebidos.
Não é elegendo um Tiririca (deputado federal mais votado!), que mostraremos nossa insatisfação! Atrás do candidato, vêm outros que não se elegeriam sem os votos arrebanhados por este. Dentro da lei da proporcionalidade, os votos arrebanhados pelo candidato do PR ajudaram a eleger gente como Agnal
do Timóteo e Juca Chaves (cantores com a carreira em baixa), Valdemar Costa Neto (um dos mensaleiros), Luciana Costa (outra desconhecida que assumiu a vaga deixada por Enéas Carneiro) entre outros. Tenho certeza que quem votou em Tiririca não sabia disso! E essa falta de conhecimento mostra claramente que as leis eleitorais precisam de mudanças já! Assim como nossa capacidade de eleger aqueles que direcionarão nossos destinos!

Zeca Paes Guedes

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Brincando de nosso Brasil

texto de Ewerton Neto
Adaptação de Arthur Miranda



Em nossa terra tem brincadeiras
que todo mundo conhece.

Tem pião, tem bolinha, tem dadinho.
Tem carnaval e confete, tem dama,
Tem palitinhos esse então ninguém esquece.
Porém, o nosso melhor brinquedo,
o melhor brinquedo que existe,
o mais conhecido por todos,
e não importa a idade,
é brincar de Nosso Brasil.
É fácil de se brincar,
quase todos se divertem.
E o pobre só pode participar
como peças, obviamente.
Parece-se com o Xadrez,
também tem rei, rainha,
bispo, cavalo e peão.
Nele também, o Rei vale mais
que a rainha , a rainha
Mais que o Bispo, o bispo mais
que o cavalo e o cavalo mais
que o peão.
Pois como já dizia um nosso falecido
Presidente (do qual alguns filhos... da Pátria,
é claro ), tem saudades:
O cavalo cheira muito melhor que nosso povo.
A diferença é que, nesse jogo,
as peças são vivas e os peões
estão sempre morrendo.
Uns, morrem de desemprego
Outros, de apatia; muitos de ignorância,
Outros, sem hospitais,
ou então de juros altos .
Porém, a grande maioria,
morre de fome e doenças
por toda a periferia.
Assim sendo, é fácil distinguir o peão.
Porém, as peças maiores, também as mais

importantes, com mais força nas decisões,
nem sempre são reconhecidas com muita facilidade.
É muito difícil saber-se quem é cavalo,
bispo, torre ou rainha, porque todos são
muito parecidos e usam as mesmas artimanhas;
brigam o tempo todo mas, no finalzinho do jogo,
acabam mesmo dando as mãos.
Tanto é assim que, certo Bispo, Mais cedo
do que esperava, ganhou num joguinho desses
a posse de uma TV.
Em Nosso Brasil, pra vencer ,
a coisa mais importante é fazer
uso da lei de Gerson:
Levar vantagem em tudo.
Por esta razão, a tática mais usada
é mudar as regras do jogo
a todo o momento,
em beneficio próprio.
Por exemplo: para liquidar o maior número
de peões com apenas uma jogada, basta pagar
o salário mínimo, não registrar a carteira
profissional, não dar aumento aos aposentados
e votar um grande aumento
ao salário dos Cavalos, Bispos, Torres, Reis,
e Rainhas.
Ou então, superfaturar os preços dos remédios,
isso mata qualquer peão.
O que faz essa brincadeira
tornar-se fantástica e irresistível,
é ver como é fácil liquidar os peões.
Porque o Nosso Brasil é um jogo,
em que quanto mais peões
se lascarem para sustentarem os cavalos,
as torres, os reis e rainhas, mais fortes
e imbatíveis eles serão.
A pequena diferença deste jogo com o
Xadrez tradicional, é que nesse, não se
ganha dando Xeque - mate , mas só com
cheques sem fundos .
E o peão paga a conta .
O Nosso Brasil é um jogo
em que, para se sair vencedor,

precisa-se menos de técnica
e muito de esperteza.
Existem várias hipóteses para
ganhar, nenhuma delas, porém,
ensinadas em bancos da escola,
mas, com toda a certeza, ensinadas
nas escolas dos Bancos.
É um jogo divertido e tem a garantia
de que os corruptos vencedores
por mais que se envolvam em falcatruas,
jamais conheceram um autêntico Xadrez,
pois contam com imunidades parlamentares.

texto de Ewerton Neto
Adaptação de Arthur Miranda.

Profissão poceiro

Coisa de 50 anos atrás, a cidade de São Paulo era desprovida de saneamento básico na maior parte do seu território. Alguns bairros mais ao centro dispunham dessa benesse, como os Jardins, e bairros previamente planejados, como os loteamentos organizados pela companhia City, Jardim Europa, Paulistano, Alto de Pinheiros e Alto da Lapa. Antes mesmo de se construir casas, toda a infra-estrutura vinha primeiro.
Na periferia da cidade onde os moradores não dispunham de água encanada e rede de esgotos, tinha em suas casas um poço, com tampa de concreto, um sarilho com corda e balde de onde vinha à água para todos os fins. Tinha também uma fossa negra para receber os dejetos humanos, ela ficava uns 10 m de distância do poço, para não contaminar as veias de água que jorravam no poço.
Era aí que aparecia o profissional chamado de poceiro, para fazer o poço e a fossa. Era um trabalho duro, sujo e perigoso. O perigo era o de haver desbarrancamento das laterais em terrenos que eram de terra preta, ou arenosa. Já onde tinha terra vermelha, ela não oferecia muito perigo, pois era bem compacta. Em muitas ocasiões, quando o poço era de mais de vinte metros de profundidade, aparecia um gás e quando o poceiro não saia rápido acabava morrendo asfixiado. Teve noticia de vários poceiros que vieram a falecer devido a esse problema.
Na minha casa, o poço era na frente e a fossa ficava aos fundos, há uma distância de 10 m, mas ainda assim, havia o perigo de contaminação de a fossa negra entrar pelas veias por onde jorrava a água potável. De qualquer
forma, aquela água para beber tinha que ser fervida antes de se colocar no filtro ou moringa.
No bairro em que eu morava, Vila Olímpia - Brooklin havia um poceiro conhecido, seu Alberto, que era chamado por todos os moradores quando uma moradia estava sendo construída; ou então, para aprofundar a calha do poço das casas que já estavam feitas há mais tempo. Era preciso sempre manter o poço sob observação, porque quando ele não era atijolado, porções de terra caiam e ia assoreando, fazendo com que sua profundidade fosse ficando menor. No Brooklin, por exemplo, tinha o saibro que aparecia aos primeiros três metros, sendo um tipo de terra muito mole caía com muita facilidade, daí a necessidade de fazer o atijolamento logo no início do aprofundamento.
Muitas vezes, um poço estava mal localizado dentro do terreno e outro tinha que ser construído. Então, o orçamento era feito. Tinha três tipos de poços: o comum, o atijolado e outro com tubos de concreto que chamavam de cisterna. As cisternas eram mais usadas para a fossa negra; para evitar a contaminação, os tubos de concreto eram colocados. Também nos poços de água potável era usado esses tubos que deixavam a água bastante fresca.
O poço comum era somente perfurado (cavado) e ficava dessa maneira, sem revestimento de tijolos ao lado, portanto, esse tinha um preço menor. Os poços atijolados, como diziam os poceiros, os tijolos eram colocados beirando a terra, um colocado em cima do outro sem reboco ou cimento para não obstruir as veias que jorravam água, vindas pelas frestas dos tijolos. Nesse caso, ele cobrava somente o serviço; os tijolos, sempre mais de um milheiro, ficavam por conta do dono da casa.
Havia gente que achava que o poceiro queria sempre fazer um poço mais fundo para ganhar mais, pois o preço era por metro linear. Mas eles sempre diziam, e com razão, que um poço mais ou menos raso ficava sem água quando da estiagem, do mês de maio a agosto. Já um poço de fundura normal, com cinco metros, a água podia ficar a um metro do fundo, permanecendo assim até a volta da estação das águas, pois as veias, mesmo com pouca água jorrando, conseguiam manter esse nível. Para tentar ter uma água mais pura, éramos aconselhados a jogar um pouco de cal virgem; com as pedras que continham a cal, este se diluía e as pedras continuavam dando também um frescor segundo os poceiros. A fossa negra era outra coisa que se tinha que ter muito cuidado, pois era um antro de insetos e ratos. Era comum passar caminhões de limpa fossas e propagandas em postes oferecendo esse serviço, de construir e limpar poços tanto de água potável como de dejetos.
Muita gente não tinha a fossa negra em sua casa devido a um córrego que passava em frente das moradias. Era comum isso acontecer nos córregos do Itaim até o Brooklin; No caso, os córregos do Sapateiro, Uberabinha, Traição, Água Espraiada e Cordeiro. Fazer saneamento básico não era do inter
esse de governadores já que era da alçada do estado, e o opositor dizia que uma obra abaixo da terra não dava votos porque não aparecia à vista do povo.
Mas com o passar do tempo, o saneamento foi aparecendo e foi no governo de Paulo Egidio Martins, anos 1970, que se viu um projeto enorme de redes de água potável encanada e, ao mesmo tempo, a rede de esgoto, numa proporção de 400 quilômetros de canos de água e de manilhas para o esgoto e, por incrível que pareça, desde 1951, somente nossa casa e a vizinhança ficamos livres do poço e da fossa.
Hoje a profissão de poceiro me parece extinta, creio que em longínquos rincões ainda possa haver poços e poceiros. Mas, uma coisa me chamou atenção: todos os poços que vi eram redondos. Mas, segundo o autor Estanislau Rybcynski, mostrou ter conhecimento no assunto, diz que os poços são redondos por questão de física, o perfil é auto travante, se fosse quadrado tenderia a desabar. E foi mais longe: as cúpulas de fornos e túneis são sempre em semicírculos, mesmo sendo de tijolos elas se auto travam.

Por Mário Lopomo

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dois anos presa por levar queijo e biscoito

Amigos do “blog”, vocês se lembram dessa ocorrência, aqui em São Paulo?
Isso aconteceu aqui, na nossa cidade, poderosa, rica e humana, mas, dentre certos departamentos de justiça ocorrem, às vezes, absurdos revoltantes que merecem ser divulgados pra que não haja proliferação de fatos semelhantes.
A manchete dos jornais, de 3 ou 4 anos atrás, dizia:
“Dois anos presa por levar queijo e biscoito”.
Flagrada por segurança, foi surrada, presa, encarcerada durante dois anos. E, de quebra, portadora do HIV.
Perde a mãe que dava sustentação ao seu filho durante esses dois anos, razão de seus cuidados ao “furtar” os produtos; luta, agora, pelo pecúlio de sua falecida mãe e, ainda, uma dívida com a Eletropaulo. Quanta infelicidade, meu Deus, e tudo por conta, segundo a advogada Sônia Drigo, que prestou “a
juda Humanitária com a presença de uma juíza na prisão”, faltando “só” dois meses pra completar uma pena nunca julgada, por conta, repito, de “uma cultura entre promotores e juízes de punir com rigor os crimes cometidos pelas mulheres, sem levar em conta os efeitos sociais”
Preconceito a parte contra as mulheres, que já está bem caracterizado, estes promotores e juízes não levam em consideração o mais elementar preceito da justiça que é aquele que orienta que uma lei estabelecida deve ser interpretada antes de ser aplicada.

Por Modesto Laruccia

Ficar mocinho - anos 50

Eu não devia escrever sobre isso. Por causa da D... fui motivo de gozação e piadas. Por culpa da D..., eu fiz uma pergunta ao meu tio. Uma pergunta que eu nunca deveria ter feito a alguém mais “bocudo” que eu. Santa burrice! Ou seria santa ingenuidade?...
Os fatos dessa situação ainda me incomodam. Mas, a lembrança serviu-me para revisitar os anos 50.
Os anos 50 eram cheios de tabus. Era o mundo dos machos. As mulheres eram as “rainhas do lar” e, salvo raríssimas exceções, sempre diziam “sim” aos seus “maridos e senhores”. Melhor fossem escravas. Pois, cativas, trabalhariam menos e não teriam que aguentar o que aguentavam. E, mais raras ainda
eram as feministas, as libertárias (a Revolução viria nos anos 60, com a queima dos sutiãs e com o anticoncepcional). Claro que havia – sempre houve e haverá – certas “senhorinhas alegres” que, por um preço módico, faziam certas coisas de deixar o diabo corado de vergonha...
No mundo dos machos não havia, necessariamente, uma divisão de idades. Cabia aos mais velhos instruir os mais novos, passando todo o conhecimento possível. Trabalho, estudo, progresso, lutar para vencer na vida... Claro que todos os “catecúmenos”, também, desde cedo eram “instruídos” nas “cose degl’uomini” (coisas dos homens): Muita sacanagem e muita coisa sobre os “males de Vênus”.
No mundo das mulheres havia uma divisão, ou melhor, um deserto entre as idades. Mulheres com mulheres, moças com moças, meninas com meninas. Todo o conhecimento era transmitido pela metade. Ia-se até certo ponto e só. Falar de sexo, nem que a “Madonna” viesse à Terra e dissesse que não era pecado! Claro que havia exceções. Mas geralmente, uma adolescente raramente era instruída sobre as mudanças do próprio corpo. Penso que nem as mulheres maduras tinham muita consciência disso. Essa falta de informação, os tabus – e a vergonha – impediam o diálogo honesto entre mães e filhas. Por tudo isso, mães apenas “vigiavam” as filhas adolescentes. Quando chegasse a hora, dariam explicações...
Falei demais! Vocês não estão interessados nesse pequeno panorama dos anos 50. Querem é saber o que aconteceu comigo. Então, vamos lá!
Eu, em meio à molecada estava na rua jogando “calcio” (futebol). Uma partida tensa. Muitos palavrões e apupos dos que assistiam. No meio dessa balbúrd
ia toda, ouvimos os gritos desesperados de uma menina. Era a D...! Correndo da sua casa para a rua, gritando por socorro, ela abriu o portão e caiu na calçada. Antes de desmaiar, gritou: “Socorro! Eu estou morrendo!” Em pânico, paramos o jogo e cada um de nós fez o que podia fazer no momento. Gritar por nossas mães. A rua encheu-se de mães. Mães rodeavam a pobre D... E crianças rodeavam as mães.
Reanimaram a menina. Fizeram com que D... sentasse no degrau do portão e a metralharam com perguntas. Perguntas respondidas, as mães caem na risada. Olham para nós, as crianças, e nos mandam embora. Não tínhamos nada
que fazer ali. Que fossemos jogar! Antes de sair de lá, ouvi minha mãe dizer baixinho para Dona Anunziatta: “Quem diria! Como o tempo passa. Ontem mesmo a D... era um bebê e, agora, “ficou mocinha”...”
E ali, sentada no degrau do portão, depois de “ter ficado mocinha”, um mundo de mães ensinou-lhe os fatos da vida e falaram dessa mudança do corpo. Falaram da benção que era a menstruação. Sem ela, não haveria maternidade... Foi preciso “ficar mocinha”, passar pelo terror de cólicas estranhas, aterrorizar-se diante da possibilidade de estar tendo uma hemorragia interna, para que lhe contassem que a coisa mais natural do mundo estava acontecendo com ela.
A mãe de D... chegou pouco depois. Exímia lavadeira e passadeira, havia saído para entregar a roupa aos fregueses. Juntou-se às mães e soube da novidade. Não gostou nem um pouco da interferência das mães em assunto tão delicado. Era ela quem teria que contar. E do jeito dela. Pegou a filha pela mão e entraram. Não se deu nem ao trabalho de agradecer as vizinhas pelo socorro prestado à menina.
Não devia contar. Mas, como cheguei até aqui, não vou parar.

Ver a D... caída ao chão, com aquela palidez assustadora, deixou-me traumatizado.
Tanto que, à noite, por causa dela, eu tive um pesadelo horrível. Nele, ela corria para o portão e caia na calçada. Só que não desmaiava, morria. No velório, ela roxinha, levantava-se do caixão e vinha até a mim e me dizia: “Virei mocinha, breve será a tua vez...” Acordei sobressaltad
o, enrolei-me no cobertor e, corajoso que era, enfiei-me debaixo da cama.
De manhã, ainda sob a cama, acordei apavorado e preocupado. Pensa que pensa no maldito pesadelo, lembrei que D... tinha 12 anos e “ficara mocinha”. Lembrei, também, que faltavam menos de dois anos para eu completar os 12... Meu Deus, eu ia “ficar mocinho”!
Lembrando o terror e o desespero da D..., entrei também em desespero. Apavorado corri até o meu tio Amedeo e fui logo perguntando a ele: “Zi, d


oeu muito quando você “ficou mocinho”?” Ele perguntou: “Mocinho como?” E eu respondo: Mocinho, assim como a D..., que “ficou mocinha”.
Titio arregalou os olhos, engasgou, tossiu muito e desandou a gargalhar como um louco. Gargalhando às lágrimas, balbuciando repetidamente as palavras “ficar mocinho” saiu correndo para a rua. E sabe o que o “bocudo” foi fazer na rua? Foi contar aos amigos tudo aquilo que eu perguntei-lhe confidencialmente!

Por meses eu fui alvo da gozação dos amigos do meu tio. Por meses eu tive que engolir o ódio que eu sentia de mim mesmo, por ser tão burro. Ódio que ficou maior quando o titio, curto e grosso, contou-me o significado de “ficar mocinha”... Então, dirigi a minha raiva toda contra a D...
Como prêmio de consolação, dei-me por satisfeito. Indiretamente, sem ser “bocudo”, todo mundo ficou sabendo que ela tinha “ficado mocinha” (segredo que era para ser mantido a sete chaves). Fiquei muito feliz por ter recebido de presente uma vingança porca que não eu encomendei.
Fiquei muito infeliz, p... da vida, quando fiz meus 12 anos. Ganhei de presente do meu tio e dos amigos dele, uma caixa de absorvente íntimo.
Titio não havia esquecido aquela história da D... E eu não esqueci de dar-lhe o troco...
Tio Amedeu ia passar o fim de semana em Santos. Quinta-feira à noite arrumou a maleta, pois na sexta-feira, viria do serviço para casa, tomaria um banho, comeria qualquer coisa, pegaria a maleta e tchau! Sexta-feira pela manhã, eu entrei no quarto de mamãe, depois no de vovó. Depois fui ao quarto do meu tio. Lá eu abri a maleta e retirei e separei calças e camisas. Tirei meias e cuecas, a sunga, o calção e o “short” e escondi tudo no guarda-roupa. Voltei à maleta e coloquei dentro as calcinhas de mamãe e as calçolas de vovó que eu havia escondido sob a minha camisa. Cobri tudo com as calças e as camisas e fechei a maleta. Pronto! Estava feito!
Titio chegou do trabalho atrasado. Não ia tomar banho, só fazer um lanche. Logo a buzina de um carro insistia em nossa porta. Eram os amigos. Titio pegou a maleta, disse um até logo geral e foi embora.
Eu me reservo o direito de não comentar sobre as cintadas que levei do meu Vingança incerta, eu sabia. Se ele abrisse antes a maleta, eu estaria “fritopai
. Nem dos bofetões que me deu a minha mãe e nem dos beliscões que me deu a minha avó que ficaram somente com as calcinhas/calçolas do corpo e as do varal. E não falarei do pé no traseiro que me deu o meu tio, ao chegar a casa no domingo à noite, por tê-lo feito passar a maior vergonha na frente dos amigos e ter virado motivo da maior gozação.
Mas falo com orgulho dos abraços apertados, dos beijos na face e apertos de mão que me deram os amigos do meu tio, dizendo-me: “Bravo, Ciccio! Tu sei peggio di noi”. Dio ti bendica testardo maledetto!” (Bravo,Ciccio! Tu és pior que nós. Deus te abençoe maldito cabeça-dura!). Só faltaram me carregar em seus ombros. Nunca havia me sentido tão vitorioso. E feliz!

Por Wilson Natale

domingo, 17 de outubro de 2010

Semana na praça

Olá, amigos!

Terça-feira (19/10) farei uma pequena cirurgia da tireóide e ficarei alguns dias em repouso.
Para que nosso cantinho de recordações não fique desabastecido de textos, pensamos em fazer a “Semana na Praça” e, para isto, entrego-lhes textos incríveis que recebi de nossos amigos Saidenberg, Zeca e Miguel, que aceitaram meu desafio para escreverem sobre as praças de Sampa.
Tenho certeza que os textos serão enriquecidos pelos comentários preciosos de nossos queridíssimos autores e leitores deste blog.
Boa leitura a todos e até breve.
Que Jesus os abençoe!
Muita paz!

Sonia Astrauskas
PRAÇAS DA MINHA VIDA

Na verdade mesmo, são poucas as praças que marcaram a minha trajetória de vida.
Nascido em uma cidade cosmopolita e vivendo num bairro central, nunca tive o hábito de fazer o “footing” por pracinhas da minha São Paulo.
As praças que marcaram a minha existência foram: Praça da Republica, Parque Trianon, Praça Buenos Aires e a mais querida de todas elas, a Praça Franklin Roosevelt.
Nessa praça, vivi diversas etapas da minha vida, ainda no final da década de 40, ainda no uso das calças curtas, a descobri. Nela, atrás da Igreja de N. S. da Consolação, onde estava localizado um Seminário, eu e meus colegas da época descobrimos que os tijolos dos muros do Seminário, quando de
slocados, nos ofereciam ótimos nichos onde guardávamos uma série de pertences. Entre eles maços de cigarros comprados à duras penas e que jamais poderiam nos acompanhar até nossas residências.
Ali, foram escondidos muitos maços de Fulgor, Elmo, Aspásia, Pulmann e outras marcas, que eram consumidos nas horas de folga.
Mais tarde, quando já não mais existia o Seminário, essa praça, que era de terra batida em mais de 80% de sua extensão e, por isso, perfeitamente própria para receber os grandes Circos que chegavam à cidade.
Muitas aventuras vivi com esses monumentos da arte circense.
Na praça Roosevelt eu também iniciei um trabalho como feirante, nas feiras-livres dos sábados.
Mais tarde, foi nessa mesma praça que eu prestei meu exame admissional para o Curso Básico de Contabilidade.
O Colégio Comercial Frederico Ozanan, que na época se chamava Escola Técnica de Comércio Frederico Ozanan, estava estabelecido na Praça Franklin Roosevelt, 123, ao lado do Colégio Visconde Porto Seguro.
Foi nessa Praça, também, quando já estava coberta por asfalto, que a Fanfarra Frederico Ozanan, fez seus primeiros ensaios.
Depois, nas madrugadas da vida, meus amigos de boemia e eu, visitávamos todas as boates que a circundavam. Nessas aventuras noturnas, ajudei o novato Jair Rodrigues a “caitituar” o seu primeiro disco que tinha de um lado, a música “O Morro Não tem Vez” e do outro lad, a música “Feio não é Bonito”.
Depois, a sutileza de políticos fez da Praça um conglomerado de c
oncreto armado, transformado em Estacionamentos, Super-Mercado e de um monte de lugares onde os facínoras de plantão, seviciavam mulheres, os viciados em drogas viajavam em suas paranóias e a noite se fazia presente, mesmo de dia.
Hoje, as promessas de revitalização, reforma e reurbanização dessa Praça dormem nas gavetas de políticos desinteressados no embelezamento da cidade, e nós, amantes da saudade, esperamos que ela se renove.

Por Miguel Chammas
Um domingo no parque

3 De Maio de 2009. É domingo, e dia da Virada Cultural.
Trânsito livremente pela 23 de Maio. São 10,30 da manhã.
Não queremos chegar tarde à Pinacoteca, pois o estacionamento fica lotado. Mal me aproximo, vejo que entrar lá será missão impossível.
Toda a lateral já se acha ocupada por carros, cercando a quadra toda.
É claro que não pode ser só pela Pinacoteca, mesmo com exposições de Fernand Léger e o Brasil visto por fotógrafos franceses- deve haver algum grande evento por ali.
E há mesmo: como primeiro domingo do mês, acontece o grande encontro de carros antigos e clássicos, em frent
e ao Jardim da Luz.
Ali é que não dá para parar, menos ainda entrar, está cheio.
Mas, indo pouco mais em frente e atravessando o pontilhão da estação, estaciono tranquilamente, na Brigadeiro Tobias.
Impossível resistir à atração, compartilhada com milhares de pessoas. Assim, resolvemos dar uma passeada pela àrea, antes da Pinacoteca. Músicos peruanos tocam, uma bela menininha ensaia uns passos de dança junto a eles.
Bem diante do histórico prédio, o espaço foi reservada para gigantes americanos: Cadillacs Rabo de Peixe, Thunderbirds, Camaros. Os menores, Fuscas e Kombis foram para a outra extremidade da estação.
Mas a exposição, como a multidão, segue parque adentro.
Lá estão alguns dos exemplares mais antigos, como um Ford 29 igual ao primeiro carro de meu pai.
Mais que tudo, o que me chama a atenção é a alegria contagiante do povo, que invade as velhas alamedas, cercadas por jaqueiras e figueiras seculares. Há muito não via um espetáculo assim, pois normalmente o parque é melancólico e mal frequentado, e muita gente não se arrisca a explorar seu belo interior.
Mas, hoje, é só festa. O que me transporta há muitos anos atrás, numa comemoração belíssima.
Seria aniversário da cidade? Foi em 66, 67...era noite e o parque estava aberto, todo iluminado por seus velhos lampiões.
Era mágico o contraste da multidão com os grandes espaços, das belas luminárias com a escuridão das àrvores. As estátuas, nos lagos, iluminadas como numa festa da antiga Roma.
Todo o ambiente era nostálgico. Nos coretos, orquestras executavam valsas, polcas e maxixes.

Carros antigos desfilavam e estacionavam por ali. Vendia-se bengalas
e chapeus palheta. Parecia termos voltado um século no tempo. Só faltaria estarem todos de gravata borboleta.
E mais, o clima era de um quadro impressionista, Renoir e Degas gostariam de tê-lo pintado, com suas luzes e sombras.
A Belle Époque parisiense retornando numa bela noite paulistana !
Nunca, desde então, contemplei um espetáculo tão festivo no velhíssimo parque.
Hoje, tantos anos depois, o evento recordou-me aquela noite.
Mesmo sem paletó e gravata, sem palheta nem bengala, adentremos a Pinacoteca, que, outra surpresa, hoje é grátis.
São Paulo não é Paris, mas, às vezes também é uma festa.

Por Luiz Saidenberg
PRAÇA DA REPÚBLICA

Do outro lado do Vale do Anhangabaú, nas terras do Marechal Arouche, havia uma plantação de chá e, em seguida, um descampado que, inicialmente, serviu para exercícios militares, depois cavalgadas e touradas. Recebeu o nome de Largo dos Curros e, com a proclamação da república, em 1889, foi rebatizado como Praça da República, recebendo um edifício moderno, especialmente projetado para receber a Escola Normal Caetano de Campos. Na mesma época, a construção do Viaduto do Chá, ligando o Centro Velho ao Centro Novo da cidade, transformou-a numa das principais praças da cidade, propiciando a ocupação dos seus arredores pela florescente elite paulistana. Em 1905, uma grande remodelação entregou à população uma praça com lagos e pontes, coreto e estátuas, projetada segundo padrões europeus, pronta para dar conforto aos seus freqüentadores. Em volta da praça, além dos prédios que iam surgindo, surgiu o Cine República, a maior e mais sofisticada sala de cinema do país, criada especialmente para a aristocracia que até então não trocava seus clubes pelas salas acanhadas e abafadas dos cinemas da época. Assim, na véspera de Natal de 1921, o público presente assistiu ao filme “Macho e Fêmea”, com Glória Swanson, na mais bela casa de espetáculos que o Brasil jamais conhecera.
A Praça da República, remodelada nos moldes das praças européias, pensadas para reunir e proporcionar novos espaços de lazer para a população das cidades era especialmente bonita, com árvores frondosas e imponentes palmeiras, oferecendo sombra aos transeuntes e refrescando os dias agitados da metrópole. Pelos muitos bancos espalhados entre as alamedas ligadas por pontes sobre lagos repletos de peixes, as famílias se encontravam e as crianças brincavam. Mas esse oásis idílico não durou muito tempo na cidade, tomada pelas pessoas que trabalhavam no comércio e nos bancos que foram ocupando a área e muito ocupadas para utilizar o espaço à sua disposição.
Nos idos de 1940/50, tornou-se ponto de encontro de colecionadores, principalmente de moedas e selos e também de cambistas. Nessa época, floristas que ocupavam a praça foram transferidos para o Largo do Arouche, próximo dali, sendo criado o mercado de flores que ainda permanece no mesmo local. Na década de 60, foi tomada por jovens que negavam as convenções e instituições sociais estruturadas por um estado essencialmente autoritário, os hippies, que ali expunham seus trabalhos artesanais, tornando conhecida, aos domingos, como “Feira Hippie” que, mais tarde, incorporando artistas plásticos, virou a “Feira de Artes e Artesanato”, onde alguns dos artistas reconhecidos atualmente ali se lançaram vendendo seus primeiros trabalhos.

Com o crescimento acelerado da cidade, o Centro Velho havia sofrido o desgaste da falta de interesse público em sua preservação, que acabou se espalhando para o Centro Novo quando os centros comerciais e financeiros rumaram para o espigão da Avenida Paulista ou para os modernos shopping centers, na segunda metade do século passado.
E a nossa Praça da República foi sofrendo com as transformações que atingiam o centro da cidade, adaptando-se aos diversos públicos que dela foram se apossando, bem como ao tradicional descaso das administrações públicas. Assim, de uma praça concebida nos moldes europeus, destinada ao desfrute das famílias e transeuntes, foi se transformando gradativamente em ponto de referência de todos os tipos de marginais, expulsando as famílias e os trabalhadores que já nas últimas décadas, não ousavam mais sentar-se em seus bancos e refrescar-se sob a sombra do arvoredo que a enfeita. Os lagos se degradaram completamente, perdendo os peixes que ali nadavam e tendo suas águas imundas e fétidas pela sujeira acumulada. As graciosas pontes se transformaram em redutos de traficantes e de profissionais do sexo. E suas alamedas se transformaram em ponto de exposição de garotos de programa que ali aguardam seus clientes.
Nem mesmo a construção da Estação República do Metrô conseguiu revigorar a praça! O Edifício Caetano de Campos também passou por várias ocupações, ao longo do século, até ser ocupado pela Secretaria de Estado da Educação, o que também em nada contribuiu para a revitalização daquele espaço público, tão degredado. Existem vários projetos de reurbanização do centro da cidade, onde se espera conseguir a reocupação da área para moradia e comércio, com o enfoque principal na recuperação dos edifícios e praças ali existentes. Mas até agora nada do que foi feito conseguiu algum resultado. Infelizmente a violência que impera, especialmente nos grandes centros, tomou conta da nossa cidade, expulsando cada vez para mais distante os moradores, os bancos
e as casas de comércio. E aos habitantes da nossa cidade restou a herança dessa violência que os obriga, cada vez mais a se defenderem dela atrás de grades, alarmes e empresas particulares de vigilância.
Assim, praças como a da República, que deveriam ser oásis refrescantes e aconchegantes espalhados pelas cidades, para reunir pessoas e oferecer-lhes espaços alternativos de lazer, acabaram tomadas pelos marginais. E a nós, amantes da nossa cidade, restou a saudade...

Por Zeca Paes Guedes
PESCANDO NA PRAÇA BUENOS AIRES


Final dos anos 40, a molecagem era minha principal atividade. Era praticada na Rua Augusta onde eu morava e nas imediações, diga-se de passagem, que eram definidas muito além de minha residência.
Na Augusta, mesmo diante das traquinagens, eu tinha a mão do velho Ministrinho, outrora grande craque do Palmeiras e da Itália, agora simples sapateiro, alisando minha cabeça de moleque.
Um dia, estava eu na casa do amigo-irmão Zilando, na Rua Marques de Paranaguá, quando surgiu a idéia de promover uma pescaria. Onde? No laguinho que ficava na Praça Buenos Aires (hoje Parque Buenos Aires), nas imediações da Avenida Angélica e da Rua Maranhão, próximo do Estádio Municipal do Pacaembu.

As carpas coloridas que lá nadavam não seriam nossos alvos; nosso alvo de pesca seria as centenas de alevinos que por ali nadavam. Queríamos obter alguns exemplares vivos para tentar completar uma criação em casa.
Idéia aprovada, nos armamos com latas de óleo, devidamente furada, que substituiriam as peneiras, vidros para acondicionamento dos exemplares pescados e saímos em expedição até o local de nossa pescaria.
Lá chegando, assuntamos as redondezas, tentando localizar o vigilante da praça. Sem encontrá-lo ficamos mais tranquilos e partimos para nossa missão.
Estávamos em plena atividade, alguns alevinos já nadavam nos vidros quando um longo e estridente apito foi ouvido. Esse apito foi seguido de um brado rancoroso que dizia “espera lá moleques, que eu já os pego”.
Que esperar que nada! Saímos em desabalada carreira, atravessamos a Avenida Angélica, alcançamos a Rua Itambé, entramos por trás do Mackenzie e alcanç
amos a parte florestal daquele instituto de ensino onde, claro, tínhamos nossa casa em cima de uma árvore.
Começamos a subir na árvore, mas os deuses do dia não eram nossos aliados.
O caseiro do Mackenzie, que já havia nos prometido uma lição, nos surpreendeu, munido com uma espingarda, dando tiros de sal.
Não me acertou nenhum tiro, nem o Zilando foi ferido, mas o susto dobrado quase nos fez sujar as calças (na época ainda curtas).
Correndo ainda, saímos pela “passagem secreta” para a Rua da Consolação e só paramos de correr, esbaforidos e muito suados, dentro da casa do Zilando.
Os peixes e todos os apetrechos? Foram jogados de lado assim que começamos nossa fuga.
Outra tentativa?
Não, decididamente éramos moleques, mas não éramos burros.

Por Miguel Chammas
Quatro damas na praça, três vestidas uma nua

A praça, pequena e quase solitária. Cheguei cedo, como das duas outras vezes em que fora entrevistado ali. Numa delas, fui fotografado abraçado à moça nua. Na outra, não.
De qualquer forma, saíram em pequenas notas de jornal, e em nada resultou: a bela e nua dama continuou na praça, ainda mais nua e indefesa que antes.
Se vocês não sabem, a praça é a Prof. Cardim, defronte ao Jockey,
e a moça, a estátua Nostalgia. Clássico mármore de Francisco Leopoldo e Silva, fazia par com sua irmã Aretuza, no Parque Trianon dos anos antes de 60, donde nunca deveria ter saído.
Cheguei mais cedo que o repórter e fiquei esperando na pracinha. Esta é meio inquietante: no ponto de ônibus, único lugar para sentar, apenas uma senhora, escura e pobre. Logo levanta-se para tomar a condução.
E ali, fico. Que estará fazendo este circunspecto senhor, com uma pasta de cartão nas mãos? Poderá ser confundido com cliente das prostitutas, ou mesmo assaltado ? Não sei, e espero que não. Bem, por prostituto, nesta idade, dificilmente serei tomado.
Chega o jornalista. Valdir Sanches, veterano do JT (Jornal da Tarde) e agora fazendo trabalhos para o Diário do Comércio. Simpático, temos quase a mesma idade.
Mas, ele já viu de tudo; do Brasil conhece muito mais que eu. Enquanto eu dava tratos à bola, na minha salinha, para fazer campanhas da Fiat ou da Volkswagem, ele girava o mundo. Reportou o fechamento do Paribar, a decadência da Confeitaria Vienense.
Tudo viu e tudo sabe, minha visão já é bem mais limitada. E aí estão, o veterano jornalista e o cronista iniciante, falando de estátuas e tempos passados. Contei-lhe o que sabia, e muitas vezes havia repetido, sobre Nostalgia.
Verificamos que o mármore, de alvura lunar, está muito gasto, devido aos maus tratos e à lavagem inadequada, com jatos de alt
a pressão. O pedestal, sem sua placa de bronze, pende torto sobre uma falha do terreno, talvez uma galeria de esgoto.
Já que nossa idade é, aproximadamente, a mesma, vamos mais além; falamos sobre o Paribar, o Ponto Chic, enfim, sobre todo o belo centro de São Paulo das décadas de 50 e 60. Muitas vezes introspectivo em casa, falo agora a bandeiras despregadas. Afinal, estou em campo minado, mas bem conhecido.
No final, Valdir resolve entrevistar as outras mulheres, as vivas, da praça. Existem várias delas, espalhadas pelas esquinas, mas ali, bem na Lineu de Paula Machado, estão três juntas, e parecem bem acessíveis. Atravessamos o canteiro e comento - elas devem estar pensando: oba, ali vem dois coroas, cheios da grana !
Mas, não é assim; a recepção nada tem de calorosa, provocante ou mesmo de curiosidade. Embora desinibidas e comunicativas, elas não exibem nenhum charme, ternura, ou intenção sexual. Recebem-nos sem medo e sem problemas, mas há uma invisível barreira, como se fossemos alienígenas aterrizados na praça.
Elas estão à venda, suas intimidades à disposição de quem passa.
Mas, seu verdadeiro eu recolheu-se a um inatingível refúgio interior. A vida tornou-as rijas e frias; mais frias que o branco mármore de Nostalgia. Falam desbocadamente sobre a praça, a estátua que lhes faz companhia há vários anos. Uma está há seis anos, afirma que antes de Nostalgia, havia ali outra estátua, também de mármore. Mas, era homem, não mulher nua. Quem seria ?
Não são pessoas refinadas, nem cultas, mas, burras estão longe de ser. Uma, fala dos jatos de alta pressão, que prejudicam o mármore, e a outra acrescenta: isto fora a poluição da avenida, que deve fazer muito dano. Riem, como se os anos passados ali, sem um banco para sentar, sem banheiro, sem nada, não lhes tivesse causado qualquer problema. O dano maior já fora feito na origem, pela pobreza, pelo descaso.

E, a tudo Nostalgia contempla, ou medita, pois seu rosto, apoiado na mão direita, mostra a tristeza de nascença, em que foi concebida e por tal recebeu esse nome.
Uma página inteira no Diário do Comércio - mais uma esperança de que as autoridades se condoam da pobre donzela e a façam voltar à família, como disse uma das “meninas“: Bom seria se estas também pudessem voltar à sua família, de onde, como Nostalgia, jamais deveriam ter saído.
Ou, continuarão todas, vestidas ou não, até o final dos seus dias, nesta árida pracinha da Cidade Jardim, perdidas no tempo e no espaço imenso desta cidade?

Por Luiz Saindenberg

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Roberto Jorge

imagens: acima, Beto filmando; ao lado esquerdo, Beto; ao lado direito, Beto com a Irmã e Beto com os sobrinhos
No dia 17de Outubro de 1995, uma terça feira chuvosa e fria, Roberto Jorge levantou cedinho e muito feliz, apesar do tempo feio. No dia anterior, uma segunda feira, depois de um longo ano de atividades no Banco Bamerindus – Agência Campos do Jordão, onde fora admitido um ano antes, para o cargo de atendente de balcão, ele, enfim, entrava em merecidas férias.
Silenciosamente, imaginando que eu estivesse dormindo, entrou em meu quarto evitando ruídos que pudessem me acordar, falou baixinho ao lado da cabeceira da mãe.
-Mãe, eu já vou; meio dia eu venho almoçar.
Tive uma vontade de falar pra ele que o tempo estava feio; havia chovido a noite inteira e que e que talvez fosse melhor ele ir mais tarde, depois do almoço, quem sabe, o tempo já houvesse melhorado, mas, acabei permanecendo em silêncio, sabendo que ele iria passar a manhã com a namoradinha, que há dois meses atrás ficara conhecendo, no colégio onde a mesma estudava; era um encontro de despedida de adolescentes apaixonados, Roberto estava de viagem marcada para Curitiba onde, curtindo suas primeiras férias bancárias, ao lado de colegas também funcionários, iria passar 10 dias no Clube dos Funcionários do Bamerindus, em Curitiba – PR.
E assim, Roberto partiu.

Meio dia, hora do almoço, caminhei para o meu canto da mesa e perguntei para a mãe dele:
- E o Beto, não chegou ainda?
30 minutos depois, quando já estava para deixar a mesa, ouço e atendo ao telefone.
-Pronto.
Uma voz masculina fala: - É da residência de Roberto Jorge?
-Sim! Respondi, é o pai dele que está falando.
-Aqui é o Policial do Posto Rodoviário Estadual da SP 50, houve um acidente com o veículo de seu filho e pedimos a sua presença, aqui no Posto.
Temeroso perguntei: - E meu filho, está bem?
- Não sei informar, tudo que sei é que ocorreu um acidente que envolveu seu filho e fui encarregado de informar o ocorrido aos familiares.
Como já antevendo o fato e, no intuito de preparar o espírito da família para o pior, desliguei o telefone, comentando com a mãe dele:
- Acho que Deus veio buscar aquilo que sempre foi dele e que, por mais de 20 anos, permitiu que a gente tomasse conta, achando até que era nosso.
Foi uma longa e dolorosa viagem aqueles 15 quilômetros até o Posto Rodoviário. Lá chegando, fui informado daquilo que na alma eu já sabia; meu filho estava em óbito. Neguei-me a ver o corpo e acompanhei, em meu carro, a viatura funerária até o I M L.
Dia seguinte, velório, parentes, colegas e amigos, pêsames, palavras de conforto, o enterro, o silêncio e o tormento de não poder desviar o pensamento.
Parece que a gente se prepara para enterrar os pais, os avós, os tios e tudo que é parente; mas, acho que pai algum nesse mundo está preparado para enterrar o próprio filho.
Mas, pra quem tem fé, crê e acredita, chega junto também a essa tristeza, a esperança, a redenção, a ressurreição.
A minha veio através de um belo sonho, aquele que jamais esquecerei.
Naquele dia Roberto Jorge saiu de casa em seu carro e, no caminho, vendo um jovem caminhando, parou o carro e lhe deu carona.
O estranho entrou no carro e sentou-se no banco da frente, ao lado de Roberto. Era um jovem bem simpático e moderno, usava barba e cabelos bem compridos e era um pouco mais velho que meu filho.
Assim que entrou no carro, foi falando.
-Cara, eu acho que te conheço de algum lugar; meu filho respondeu:

- Pode ser, eu sou paulistano, moro em Campos a dezessete anos, estudei em Taubaté, faço faculdade em Pindamonhangaba e trabalho, há mais de um ano, no Bamerindus. Também acho que você não é estranho; já te vi em algum lugar.
-Eu acho até que foi em alguma igreja; tenho quase certeza que já te vi algumas vezes.
-É provável. Eu costumo ir à missa dos jovens na Matriz e...
Então uma freada violenta, o carro rodopiou na pista e bateu de frente com um caminhão. Roberto na direção, todo esmagado, o carona do lado de fora do carro transfigurado, clamava seu nome e lhe estendia a mão:
- Roberto venha, me dê sua mão! Você não se lembra mais de mim na comunhão? Na eucaristia?
Meu filho, com um sorriso nos lábios, largou aquela ensanguentada direção, cercado que estava por uma estranha luz.
Seguiu em frente, de mãos dadas com Jesus.
Roberto Jorge nasceu em 26-10-1974 em São Paulo, Capital e faleceu em um acidente, em Pindamonhangaba, em 17-10-1995

Por Arthur Miranda (tutu)

Amor incondicional de uma professora

Homenagem ao dia dos professores


Para ela, a opção por italiano foi a primeira coisa que lhe ocorreu, quando decidiu fazer Letras.
Há mais de sete anos, a cada sábado dirige-se para a Escola Municipal F. Doutor Miguel Vieira Ferreira, onde uma turma bastante heterogênea a aguarda. As idades variam de 10 a 80 anos e alguns têm mesmo dificuldades físicas. Nada que impeça a curiosidade e a vontade de aprender.
Mas, se engana quem pensa que ela apenas ensina o idioma. Sinaliza os caminhos da história, cultura, civilização e atualidades da Itália. Alerta para a importância de exercitarmos a delicadeza,
agradecendo, pedindo com licença e sendo atenciosos. Nem precisava. Sua atitude é o maior exemplo. Seu amor incondicional, uma lição permanente.
Dos valores de cidadania, mantém o senso crítico e de justiça. Participar dessas aulas é um privilégio.
Durante a semana trabalha duro. Dirige escola; já estudou Direito e até trabalhou numa rede francesa de supermercados e num laboratório.

De voz suave e enorme paciência. Horas e horas em pé. Mas as costas doem. Aulas seguidas, sem tempo para se alimentar. A moça magra, de muito saber, segue ensinando sábado afora.
Das viagens à Itália, nos fala do que viu e nos ajuda a sonhar com novas possibilidades. Mantém acesa a chama do interesse e da imaginação . E gosta de vulcões. “La donna è móbile”.
Com ela, só não aprende quem não quer.
Ela é a Maria da Penha Freitas. Gosta de frutos do mar e não aprecia muito os doces.
Uma doçura de pessoa. Uma mãe para nós. Trabalha como voluntária no Projeto Comunitário de Cidadania Amigos da Paz.

Maria da Penha ministra aulas gratuitas, projeto NCCAPZ (Escola Cidadã e Solidária), aos sábados, no EMEF Dr. Miguel Vieira Ferreira, na Cidade Dutra, São Paulo.
Inscrições:F. 9145.1941 (Maura) ou 8834.7790 com a Marlene .


A Maria da Penha , professora e voluntária

E il naufragar m’è dolce in questo mare (Leopardi)

Pés no chão
E passos para seguir
Erupções efusivas.
A língua, a cidadania


Mente mergulhada a ensejar
Saberes a dedicar

Tempo, Talento, Trabalho
O italiano a ensinar

O seu profissionalismo
Presença fundamental
Pontualidade que a esperança traz

Magmas. Placas tectônicas. Ensinamento inefável
Emergem, concretos em nossas mentes.
Como a expansão dos fundos oceânicos
Mar e moto.

Por Suely Aparecida Schraner

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O dia que conheci o Tom

Imagens: acima, Tom Jobin (de preto) e Luiz Simões Saidenberg, de camisa branca.
Ao lado: Tom ao piano e capa do LP Passarim



Sempre fui fã da Bossa Nova, desde que ela surgiu. Aliás, foi um momento de grande renovação no Brasil.
Houve a mudança da capital para Brasília, a indústria nacional deslanchou numa rotação que não se imaginava antes. Era um ritmo, sem trocadilhos, antes desconhecido.
Juscelino Kubitschek era uma figura sorridente e carismática, parecia o retrato da nova era em que o país adentrava. A arquitetura, o cinema, a música, tudo entrava em ebulição.
Era o "Cinema Novo", a "Bossa Nova", e por quê não, um novo país, que parecia, enfim, desperto de seu esplêndido berço? Até campeões mundiais éramos, no futebol !
Havia um clima de otimismo e mesmo de felicidade, pairando pelo ar. Agora sim! Lá vamos nós! Sentíamos, até nós, apressados paulistanos, relaxando um pouco em Ipanema, ou andando pela praia até o Leblon...
O que é bom não dura muito e aquele período, afinal, era a calmaria que antecede a tempestade.
Mesmo assim, com o tema das músicas mudando radicalmente após 64, os grandes compositores da Bossa Nova permaneceram. Tom, Vinícius, Carlos Lyra, João Gilberto, Sérgio Ricardo, foram acrescidos de novos valores, menos otimistas e mais agressivos, como Chico Burque, Caetano, Gil, Geraldo Vandré.
Mesmo distante dos felizes dias do início dos anos 60, a Bossa Nova ainda permaneceu, encantando a quase todos que a ouvem. Quando morei no Rio, costumava percorrer os lendários lugares cantados por Tom, Vinícius e Cia...
Estive tomando chope na esquina do Veloso, onde, dizem, foi composta "A Garota de Ipanema", mas não a encontrei lá, que pena, muito menos o Tom.
"Rua Nascimento Silva, 107, você ensaiando com a Elizete no piano as canções do amor demais..."
Estive por lá também, aliás passamos um reveillon no apartamento de um amigo nessa rua de Ipanema. Mas, Tom Jobim em pessoa mesmo, ainda se passaria algum tempo antes que eu conhecesse.
Estávamos em 1990 e fizemos um roteiro para o sabonete Phebo, no qual o astro seria o Tom. E foi aprovado, logo se iniciando os preparativos da produção.
Eis-nos adentrando um grande apartamento da Rua Piauí, cenário escolhido para imitar o do Tom, embora sem o verde da Gávea lá fora, nem aquele cantinho de céu e o Redentor!
Na espaçosa sala central, um belo piano de cauda e, atrás dele, Tom Jobim.
Teria seus sessenta e alguns anos, mas parecia mais jovem, uma madeixa de cabelo ainda escuro escorrendo pela testa, calça e camisa jeans e ar de moleque arteiro. O maestro era, à primeira vista, uma pessoa amável, simples e comunicativa.
Uma vez apresentados, nem tive que procurar assunto, constrangido diante daquela celebridade. Ele mesmo quebrou o gelo e uma vez que desandava a falar e dedilhar ao piano, não parava mais.
- Claude Achille Debussy - disse ele, salientando o heróico e desconhecido nome intermediário do compositor. E, mãos à obra, ei-lo tocando "Clair de Lune"...
Em seguida, contou casos de seu amigo, o brilhante psicanalista e escritor Hélio Pellegrino.
E assim continuaria, tarde a fora, se a produção não o arrancasse do piano. Afinal, havia um filme a ser feito e este era o motivo de sua presença! Tomadas depois, foi servido o almoço, no qual ele bebeu só cerveja, pois sua saúde já não era a mesma dos tempos em que não dispensava um scotch on the rocks... depois, partiu para uma pequena sesta, antes do reinício das filmagens.
Meu redator e eu também saímos, pois havia trabalho esperando na agência. Ficamos de voltar, mas infelizmente isto não aconteceu; até mesmo o disco "Passarim", que eu havia comprado na Praça Vilaboim, acabou ficando sem seu autógrafo.
Meses atrás, compareci com a família a uma bela exposição de jóias e roupas da época dos czares, na Fundação Álvares Penteado. Deixei o carro numa subidinha, estreita rua que vai da Rua Alagoas à Piauí.
Quando voltamos, o carro não pegava: era a bateria. Enquanto esperava o socorro, subindo até a Piauí, vi justo à frente o prédio onde havia sido feito o filme. E assim, pude mostrá-lo à turma.
- Pois é, pessoal. Foi ali que conheci o Tom!

Por Luiz Simões Saidenberg