terça-feira, 3 de maio de 2011

Virada


Sou um palco anexo e desconexo. Sobre mim, carrego outros palcos. Sou cabeça do Brasil. Metrópole do trabalho, inovação em serviços. Sem parar. Arrecadando impostos para a União. Para todos do rincão. Inovação em serviços. Diversos em versos. Acolho todas as cores, as dores e flores. Tudo super, hiperbólica. Meus governantes, mega descuidam de mim. Acolho sem distinção quem me ama e quem me odeia. Apreciar e depredar. Construir e demolir. Limpar ou poluir. Os verbos transitando indiretos, desarrumando a direção. A vida em parafuso helicoidal. São Paulo na convulsão. Noites brancas de sujeira na virada sem igual. Cascata cultural. Negócios, ócios, bócios pro ar. Concentração de talentos ao relento na planície paulistana. Diversidade total.
Fui lavada, policiada, esvaziada dos ambulantes e “craqueiros” de plantão. A vida provisória em vinte e quatro horas. Noites brancas em lembranças. São João e Barão, palcos da explosão da multidão. Pernas brancas, pretas, amarelas. Todos na passarela. São matizes irmanados e colados. Almôndegas civilizadas, cidadãos pasteurizados, interligados em sentimentos velados. Nem há segregação nesta comemoração.
Afrouxar, respirar , puxar o ar, sair deste sufoco.
Ressoam-se os clarins. Cento e cinquenta seis baterias, numa orquestra improvável. Anhangabaú, Praça dos Correios. Centro velho e cultural. Revoar de arte para ver, ouvir, sentir. Raios fúlgidos outonais, num calor abrasador. Sentido acalentador.
O ajuntamento defronte do palco principal da Estação Julio Prestes, é um frenesi de cores, raças e extratos sociais. Bandeira do arco-íris, antecipando a Parada: desce emotiva do edifício, tremulando em decadência. Desfraldada a intolerância. As moças equilibristas, num guindaste a bailar na atmosfera mista e espúria. Sobre o bafo e esgares, na planície enlevados, milhares de jovens antenados, policiais fardados e velhos oxigenados. Burlando a proibição, ambulantes e o ramerrão: “cerveja gelada, dez real”. Whisky e vodka: “mamadeiras” trazidas de casa. Um gole aqui e uma tragada acolá e a noite vai caindo. O sol cede passagem a uma lua prateada na paisagem encantada.
A roqueira Rita Lee começa polemizando: "Moro aqui há 65 anos. I love São Paulo. O rock in Rio, perto da Virada paulista, é um cemitério. Daqui não saio daqui ninguém me tira. Sou viciada no cheiro de merda do Rio Pinheiros. Entra prefeito, sai governador e eles não fazem porra nenhuma"."Eu quero que todos se fodam, porque nenhum escapa. E a gente vota neles. Será que não tem ninguém Ficha Limpa? Só não quero que fodam com o meu Corinthians. Seus putos". Vibração geral. Um sósia do cantor Michael Jackson, “ressuscita”, para o delírio dos fãs.
No palco Júlio Prestes é mais uma Virada. Enquanto isso, noutros palcos da cidade, imperdíveis movimentos. Ainda pulso.

Por Suely Aparecida Schraner

19 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Lindo texto Suely. ó não me foi simpática a reprodução da apologia feita pela Rita em relação ao C.....(me recuso escrever esse nome rsrsrsrs).
Eu gostaria imensamente de participar de uma noitada assim, infelizmente minhas condições físicas não me permitem tais arroubos, então me contento com a leiturade textos como o teu.
Parabéns!

Modesto disse...

Nas esteiras da puberdade
onde tudo é permitido,
não conto com o encanto
do seu canto desafinado.

não ouço os arroubos do Chammas
nem as lamúrias dos cor.....(também me nego)pois, açoitados por uma turba de gondoleiros,
sem remo, perco a postura própria dos personagens de Frans Kafka.

Parto e deixo vc, querida Suely,
que lindo foi seu texto
até esbarrarmos com uma derrocada e
inconsequente lamúria da Rita.
Modesto

Soninha disse...

Olá,Sueli!

É sempremuito bom ler seus textos!
Eu gosto muito deeventos culturais,mas, não gosto de multidões,aglomerações...Sem deixar de curtir a virada, claro, que curtimos pela TV e pela internet.
Os lugares citados, gosto de visitá-los em datas que não conscidam com datas especiais, justamente para evitar aglomerações que me deixam irritada...rss
Mas, a iniciativa da prefeitura de Sampa é sempre muito bem vinda,pois é um jeito de juntar as pessoas ao redor da cultura e promover a cidade de forma bem positiva.
Pena que, mesmo assim, sempre há as confusões,o que não tira o brilho de tão grandiosa festa.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

Zeca disse...

.

SUELY!!!

PARABÉNS!!!

Não fui a nenhuma edição da Virada Cultural, que acompanho pelos jornais da TV e de papel. Mas acho que é um excelente modo de levar o povo à cultura, mesmo que esta venha embalada em confusões.

Mas o que mais gostei mesmo foi este belo poema escrito por você que nos dá um painel excelente do que é essa coisa chamada "Virada Cultural", da qual muitos de nós não faz nem idéia...

Excelente! Parabéns! Presenteie-nos sempre com outros!

Abraço.

Wilson Natale disse...

É Suely,esta é a São Paulo onde o absurdo mais absurdo é provável, viável. Onde o esgôto e a merda produzem odores e poesia... E o avesso do avesso da política administra, criando lixões a céu aberto em cada esquina.
É São Paulo, Suely! Onde impossível é possível, onde o vômito a urina pelas ruas e calçadas misturam-se às músicas, aos mambembes e ao povo,que endividado nos shoppings enfeitam-se, mascarando a sua miséria pecuniária e humana. Porquê? É que até das sarjetas os holofotes luminosos da Esperança uluminam esse palco que é a Cidade.
E, por um dia, a Cidade que a todo dia se enfeia, alinda-se. Por um dia faz de conta que é para sempre o "pane et circens" oferecido em 24 horas de maravilhas...

E, no dia seguinte, as críticas sobre a merda, a urina e o lixo - lugar comum de todos os dias, nas noites e madrugadas da Cidade.
Eu, como a Rita, sou viciado nesta cidade. Viciado nos seus fedores e odores. Ela me conserta e desconserta! Eu sigo em frente ouvindo os desconcertos, descompassados da música absurda que ela me oferece. Nessa trilha sonora vou em frente, pisando na bosta que os políticos deixam quando fazem as suas cagadas pela cidade...
Ser Paulistano é isso, amar Sampa! No seu pior, no seu melhor. É desamar amando com ardor. É amar sentindo o desamor... Por vezes é ser um palco da Ópera cômica em cenários de tragédia grega.
Seu Texto é delicioso!!!
Abração,
Natale

aRTHUR disse...

Suely, seu texto maravilhoso, você falou de cultura com ternura e de São Paulo a altura e também da Grande Rita, que eu gosto a todo instante deis dos tempos dos Mutantes. Por ser grande artista, famosa compositora e como se isso não bastasse ainda ser uma grande corintiana.PARABÉNS S U E L Y FIQUE PARA SEMPRE POR AQUI.

aRTHUR disse...

Suely, seu texto maravilhoso, você falou de cultura com ternura e de São Paulo a altura e também da Grande Rita, que eu gosto a todo instante deis dos tempos dos Mutantes. Por ser grande artista, famosa compositora e como se isso não bastasse ainda ser uma grande corintiana.PARABÉNS S U E L Y FIQUE PARA SEMPRE POR AQUI.

aRTHUR disse...

Suely, seu texto maravilhoso, você falou de cultura com ternura e de São Paulo a altura e também da Grande Rita, que eu gosto a todo instante deis dos tempos dos Mutantes. Por ser grande artista, famosa compositora e como se isso não bastasse ainda ser uma grande corintiana.PARABÉNS S U E L Y FIQUE PARA SEMPRE POR AQUI.

aRTHUR disse...

Suely, seu texto maravilhoso, você falou de cultura com ternura e de São Paulo a altura e também da Grande Rita, que eu gosto a todo instante deis dos tempos dos Mutantes. Por ser grande artista, famosa compositora e como se isso não bastasse ainda ser uma grande corintiana.PARABÉNS S U E L Y FIQUE PARA SEMPRE POR AQUI.

aRTHUR disse...

Suely, seu texto maravilhoso, você falou de cultura com ternura e de São Paulo a altura e também da Grande Rita, que eu gosto a todo instante deis dos tempos dos Mutantes. Por ser grande artista, famosa compositora e como se isso não bastasse ainda ser uma grande corintiana.PARABÉNS S U E L Y FIQUE PARA SEMPRE POR AQUI.

Luiz Saidenberg disse...

Muito legal vc ter participado desse evento, Suely. Já eu não sou chegado a multidões, e confesso que a noite no centro de São Paulo me assusta, mesmo sem tais manifestações. Qualquer coisinha aqui vira mega evento, então preferimos passeios mais tranquilos. Mas valeu, a Virada!
Abraços.

suely aparecida schraner disse...

Miguel, bem que minha vó dizia que quem fala nome feio tem que ter a boca lavada com sabão de pedra. Obrigada e vamos em frente!

suely aparecida schraner disse...

Modesto

A gente solta a palavra
E pernas pra que te quero
Uma pausa na revolta
Lamúrias que não venero
Mandamos tudo pro ar
E nada de lero-lero

Agradeço o lindo verso
De sua verve inspirada
Fica tudo comentado
Basta apenas esta teclada

Abraço.

suely aparecida schraner disse...

Soninha
O jeito é combater o medo passando medo. Andando com cuidado para não esbarrar em problemas. Pisando em ovos como convém aos sensatos. Muito obrigada! Grande abraço.

suely aparecida schraner disse...

Wilson

Beleza de comentário!
A cidade e seus contrastes a enredar e enlevar. Muito obrigada! Abraço.

suely aparecida schraner disse...

Zeca

Ocupar espaços, arriscar e se safar.
As pessoas, a cultura, a cidade a nos tentar. Valeu! Muita paz!

suely aparecida schraner disse...

Arthur

Suas palavras me incentivam e comovem. Muito obrigada mesmo!

Luiz Saidenberg disse...

O Centrão não me atrai, nem um pouco, desde que la´estivemos para uma entrevista da Folha, no Ponto Chic. Constatei, estarrecido, o horror da multidão dos caídos, a sujeira e a decadência de antes tão belo local. Assim, tão cedo não volto lá, menos ainda numa Virada onde se encontra uma multidão incontrolável, misturada aos mesmos infelizes. Desculpe, Virada, e tb Suely, mas vamos nos virar em outros lados. Belos versos!

suely aparecida schraner disse...

É verdade Luiz. Tem também este reverso. É o avesso do avesso como diz a música. Enfim a gente teima e vai. Abraço e obrigada.