segunda-feira, 2 de maio de 2011

Casa dos "dois"


Alguns dos nossos colegas e amigos, colaboradores deste site maravilhoso, com idades suficientes pra "Dobrar o Cabo da Boa Esperança", devem lembrar-se destas ocorrências.
Todos conhecem as inúmeras lojas que se intitulam "$1,99" espalhadas por toda cidade; com essa denominação, que seus proprietários encontraram guarida no sabor pitoresco\popular, sem a preocupação de se locupletar com sua apropriação, por ser agora de domínio público. Não tem franquias, quem quiser, abre uma.
Nos principais municípios de São Paulo, senão em todos, tem sua lojinha de $1,99. Exploram, essencialmente, comércio de objetos de consumo imediato, utensílios domésticos, principalmente, tapetes, toalhas de mesa e de banho, brinquedos, papelaria, porta-nota, adornos, chaveiros, pilhas, lâminas de barbear, cortador de unhas, guarda-chuvas, quadrinhos e até roupas, enfim, um perfeito bazar de quinquilharias.
O fenômeno deve ter sua origem no prazer que o consumidor tem ao ser atendido por um ser humano. Sim, alguém com quem possa trocar idéias, sobre o emprego de determinados objetos, preços, gostos, qualquer que seja o motivo ou a intenção de adquirir este ou aquele produto. Vocês sabem que, duas ou três gerações já passaram das compras nas vendinhas, pequenos empórios com o devido passaporte de bom e honesto cidadão que era a caderneta. Quantos de nós, a mando de nossos pais, com a caderneta debaixo do braço, íamos até a vendinha comprar pão, feijão, macarrão etc?
Esse contato, imprescindível nos dias de hoje por ser raro, na época era corriqueiro. Que magia escondia este procedimento? O que ele possuía de prazeroso? Nada, era só o papo saudável, amigável com o dono ou o funcionário.
Como as últimas gerações não conhecem, na prática, evidentemente, esse tipo de comércio raramente é localizado, a não ser em pequenas cidades do nosso precioso interior.
O que na realidade acontece, nestas pequenas lojas, é um número bem pequeno de itens que realmente são oferecidos a $1,99. O importante é manter um comércio que agrade o consumidor não muito exigente e aqueles que realmente, precisam economizar. E vocês sabem onde, quando e como começou tudo isso?
Aqui no Brasil e sem querer cometer erro de informação, foi em São Paulo... E em que bairro? No Braz!
Calma, Capasso, não vai me triturar, vou puxar pela minha memória, o mais que puder. Nos idos da década de 40, pouco antes de terminar a Segunda Guerra Mundial, em 1945, na Av. Rangel Pestana, em frente ao Grupo Escolar Romão Puigari, tinha uma loja chamada de "Lojas Americanas" cuja denominação popular, no Braz, Belém, Mooca e adjacências, era "casa dos dois", ou seja, a loja dos dois mil réis (equivalente ao, mais ou menos hoje, dois reais), onde nada custava mais do que dois mil réis, moeda reinante no Brasil antes do "cruzeiro". Logo que terminou a guerra, o nome permaneceu, mas os preços acompanharam a bomba V–II: subiram para nunca mais descer.
É por isso que, quando a gente entra num supermercado, sente vontade, às vezes, de um bate papo com alguém sobre preços, qualidade, quantidade, comparações etc. Na maioria das vezes se encontra alguém com a mesma disposição e, quando isso não acontece, a olhada que o outro ou outra te dá — "sai debaixo, Chico” —, é de derreter asfalto. Mas, eles tem, também, suas razões; são da geração supermercadistas, habituados a só falarem com computador, internet, games, celular etc. Alias, nem "etc." se usa mais...agora é "and"...
No nosso tempo, para ter filhos era só casar (homem com mulher). Agora o casal pode ser do mesmo sexo, entrar em contato com um banco de sêmen, uma barriga de aluguel, pronto, está feita a família. Mais prático e menos dispendioso. Está se caminhando pra isso já que sexo, de verdade, por enquanto só o que se vê nas novelas, que é tudo de "mentirinha". Havendo essa profusão de demonstração pública, o cansaço e o excessivo exibicionismo, o desinteresse se manifesta, ocorrendo, então aquilo que o Darwin viu, previu e não se manifestou: na evolução, certas partes do corpo que não se usam mais, tendem a definhar e, até desaparecer, restando só a suprema necessidade de fazer xixi.
E, depois, como dizia meu saudoso amigo, cujo único defeito era ser são paulino, Boris Migliacci, "Aqua a la pipa, siamo tutti finóchio" (água no barril, somos todos bamby).

Por Modesto Laruccia

10 comentários:

Zeca disse...

Caramba, Modesto!

Uma crônica diferente, mas com o mesmo sabor das outras que nos foram aqui presenteadas por você! Onde foi buscar inspiração para, lembrando as lojas de "R$ 1,99", escrever sobre costumes?

É verdade! A maioria de nós ainda é do tempo das "vendas" e das "cadernetas"! Do tempo onde sempre sobrava tempo para um papo, para trocas de experiências e conhecimentos! Hoje, com informações cada vez mais rápidas, parece que o tempo nos está sendo constantemente "roubado"!

Digo roubado pois, no nosso caso - todos na chamada melhor idade - ainda temos disposição para puxar um papinho, embora nem sempre o outro, ou a outra, tenham a mesma disposição. E assim vamos aprendendo a conviver com os famosos "choques de gerações", esses sim, eternos!

Muito bom este texto! Parabéns!

Abraço.

Luiz Saidenberg disse...

Muito bom, Modesto. As lojas de
"1,99"- na verdade, isto é só fachada, pois os preços vão muito além. Mas, uma boa fachada.
E a esta fachada vc acresce, como sempre, suas brilhantes lembranças
de Brás, com ainda pitadas de reflexão. Parabéns, e um abraço.

LAERTE CARMELLO disse...

CARO MODESTO: SUAS CRÔNICAS REALMENTE DESPERTAM PARA O NOSSO PASSADO.TODOS NÓS FOMOS FREQUENTADORES DA LOJA DOS "2 MIL RÉIS" DA R.DIREITA COM SAÍDA
PARA A R.JOSÉ BONIFÁCIO,ONDE PODIA-SE DESFRUTAR AQUELES DELICIOSAS TAÇAS DE MORANGO COM CHANTILLY. E, NA IDA DE BONDE DO BAIRRO(IPIRANGA) PARA O CENTRO, APRECIAVA-SE O BATE PAPO DAS PESSOAS CONHECIDAS. HOJE, VIVE-SE A GERAÇÃO DIGITAL, EM QUE OS VIZINHOS NÃO SE FALAM E MUITO MENOS NOS ÔNIBUS E METRÔ. NOS PONTOS COMERCIAIS TAMBÉM A IMPESSOALIDADE É O QUE IMPERA.
AS PESSOAS DE HOJE SÃO MEROS RG´S,
OU SEJA, APENAS NÚMEROS.
AINDA BEM QUE NÓS DA MS E SPMC PRESERVAMOS OS AUTÊNTICOS VALORES HUMANOS E FORMAMOS UM GRUPO COESO, COMUNICATIVO E AMIGO - ALHEIOS À CULTURA DO IMPESSOAL. E QUE CONTINUEMOS ASSIM POR MUITO TEMPO.
PARABÉNS POR ESTE TÃO SENSÍVEL TEXTO! ABRACCIO!

Miguel S. G. Chammas disse...

Mô, pçara teu desgosto eu n ão esgtou dobrando o cabo da Boa Esperança (acho que já dobrei faz tempo. Pior, e não me lembro da casa dos $ 2,00 no Braz, me lembro dela sim, incrustada na Rua Direita, no centro de São Paulo, onde na minhpré-adolescência, aprontei diversas pequenas infrações, mas isso já é outra hisoria e depois eu conto.

Arthur Miranda tutu disse...

Modesto, infelizmente como sou muito "jovem" não me lembro da casa do dois mil reis. Mas me lembro e muito dos papos com os vendeiros, e vizinhanças
muito comum nas decadas de 50 e inicio dos anos 60.Parabéns pela narrativa e memória.

Soninha disse...

Olá,Modesto!

Adooooooro as lojinhas de $1,99...kkkkkkkk...gosto muito mesmo!
Mas,das Lojas Americanas me ebro de meus tempos de menina adolescente, quando íamos, minha irmã e eu, lá na Rua Direita, comprar na Americana e comer o sanduiche Cheese Salada, depois os morangos com chantily...hummmmm...tinha, também, a Brasileira que gosávamos muito.
Lembrei-me,também, dos tempos de infância,quando minha mãeno mandava ir à veninha perto de casa, munidos com a caderneta, paracompraro que ela estivesse precisando...a gente nem entendia a razão daquela caderneta...julgávamos que era para outra finalidade...coisas mirabolantes da imaginação de criança...kkkkkkk
Valeu,Modesto!
Obrigada.
Muita paz!

Wilson Natale disse...

Larù, carissimo!
Texto interessante.
A Loja Dos Dois Mil-réis, remonta ao fim Século XIX, quanto um mascate que vendia tudo por 200 réis, abriu uma loja na Rua Direita e continuou a vender TUDO a 200 réis. Na primeira década do século XX, ele tinha uma filial na Rua XV de Novembro. Com as demolições do Centro e a construção dos prédio, o "220 réis' - apelido dado ao dono da loja, mudou-se para o Braz, onde a loja de 200, passou a mil réis e a dois mil réis e teve uma filial na Rua Direita.
Os tempos mudam, caro mio, e, eu lembro bem, poucos se lembram do furor e espanto que causou o Peg-Pag! Hoje as lojas fugiram das ruas e se refugiaram nos Shoppings e, atualmente, muitas estão se refugiando no mundo virtual da internete: Vá à loja, sem sair de casa!Escolha a sua compra, em casa!Pague à vista, ou parcelado, em casa! E receba a sua compra em casa!!!
Os tempos mudam, a sociedade muda, as opções sexuais mudam e os pais mudam...
E: O TEMPO PASSA! MAS, SE VOCÊ TOMAR "VIAGRA", A "COISA" FICA!(RISOS)...
Abração,
Natale

marcia ovando disse...

Belíssima aula! Nunca tinha ouvido falar na casa dos dois.
abraço

Modesto disse...

Aos meus queridos amigos, antes de agradecer os comentários, aos que nunca ouviram falar das "casas dos dois" e aos que buscam até o século XlX, como o Natale (estou surpreso, Natale, não sabia que vc é do século "otocento", ma, tu sei un "vero pidóchio embalsamato"), ofereço a todos pizza a dois mil...reais, o pedaço. É o que custa ir comer un "pezzo de pizza in Nápole, con un bichieri di vino di Polignano," como gosta o Saindenberg.
Tchau i grazia a tutti.
Um abraço a todos, "scuzati lo scherzo"

suely aparecida schraner disse...

Eita, Modesto! Viajei sem sair do lugar. Me apertou sem abraçar. Eu gostei. Amplexos.