imagens extraídas da internet: portões da escola Alcina Dantas Feijão (SCS); o menino David; Rua Santa Rosa no Bras.
Nos dias que correm, deparamos com ocorrências que o rádio, jornais, televisão, internet se apressam em nos por a par de tudo, com detalhes minuciosos, às vezes, exagerados. Quando um fato, de relativa importância, chega ao conhecimento público, ele é exaustivamente noticiado por todos os meios de comunicação, durante todas as horas do dia e, tratando-se de assaltos, latrocínios, “colarinho branco” etc, banaliza-se num instante. A crueldade de um estupro seguido de morte, choca e muito, devido à maldade inata de determinados indivíduos, revolvendo nosso estômago, num desejo imediato de vingança em termos de se infligir o pior dos castigos ao monstro. Chegamos a ficar tão bem informados que, praticamente, numa roda de amigos, em casa ou no clube, quando você se dispõe a contar um fato, todos já tem conhecimento do mesmo, tirando o prazer de começar um bom bate-papo.
O que me traz aqui, prezados colegas, pode ser um papo, mas, não um “bom-papo”. Habituado que estou (porque gosto muito) de ler contos e romances policiais, mesmo com histórias de “arrepiar os cabelos”, envolvendo criminosos inteligentes, cruéis, mulheres não menos espertas, detetives possuídos da arte de descobrir autores de crimes aparentemente insolúveis, à moda de Sherlockianos modernos. Leio com satisfação por que sei que é uma distração pura e inteligente ficção. Lembro que determinados escritores, a maioria norte americanos, mas os melhores eram (ou ainda são) os ingleses, se especializavam em enfoques, criando uma legião de leitores sempre a espera de novas histórias. Criavam investigadores, policiais, agentes da inteligência, detetives que eram personagens principais de todas as histórias que eles publicavam. Um bom exemplo, James Bond, Herculet Poiro, Sherlock Holms etc.
Havia um escritor americano, não lembro seu nome, que se especializou em contos de crimes praticados por crianças. É evidente que todos os escritores baseiam suas histórias em fatos que acontecem ao seu redor e quando terminava de ler um conto dentro desse clima, ficava imaginando que, mesmo sendo ficção, onde ele poderia se inspirar pra contar uma história que causava náuseas, um crime praticado por uma criança.
Em Setembro de 2011 todos vocês tomaram conhecimento sobre o garoto de dez anos, em São Caetano do Sul, munido de um revolver, que atirou na professora, ferindo-a nas nádegas e, em seguida, disparou um tiro na própria cabeça. Menino com bons antecedentes, confirmados pela própria professora, de família classe média, torna-se um mistério, um fato inusitado. Uma verdadeira tragédia urbana, com poucas possibilidades de uma explicação razoável. O pai, guarda-civil, negligenciou sua arma permitindo que o filho se apoderasse da mesma em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Pois bem, lendo e ouvindo os detalhes dessa verdadeira tragédia, lembrei-me de que eu quase fui protagonista de um fato semelhante.
Meu falecido pai Bartholomeo, tinha um armazém de cereais com seu irmão, Francisco, na rua Santa Rosa, na época o maior centro de distribuição de alimentos de São Paulo, junto com o mercadão da Cantareira. Vez ou outra ia ao armazém brincar com meu primo Victor, filho do Francisco, eu com 9 ou 10 anos e ele com 12 ou 13. No meio das sacarias de feijão ou arroz, ficávamos pulando de pilha em pilha de sacos, num risco constante de vir abaixo toda sacaria. Depois de uma sonora bronca de nossos pais, resolvemos ir brincar no “quintal” do armazém, onde eram empilhados os caixotes de bacalhau vazios. Logo me inspirou utilizar os caixotes, que eram no formato retangular em pinho de riga, como são até hoje, parecendo um caixão de defunto, só que mais largo.
Na minha imaginação, arrumando as caixas montei uma “carroça do faroeste” sem os cavalos, que eram representados por dois dos caixotes, colocados de pé, na parte estreita e cobertos por dois sacos vazios. Como chibatas e rédeas, dois pedaços de cordas. Nossa brincadeira eram os gritos dos índios “peles vermelhas” ou os bandidos assaltantes de diligências. Meu primo era o xerife e eu, o bandido.
Bang-bang pra lá, bang-bang pra cá, lá íamos nós, “pelos prados verdejantes” de nossa imaginação. “Aiô, Sílver”.
Logo percebi que faltava um revolver. - “Victor, vamos procurar um pedaço de pau e improvisar dois revolveres.”- Nossos pais ficavam sempre no balcão da frente, atendendo a clientela, só iam ao fundo pra alguma necessidade. Nos fundos do armazém, bem escondidinho, tinha uma escrivaninha antiga, fora de uso, toda empoeirada, acredito que era uma verdadeira relíquia do tempo dos pioneiros. Tentei abrir suas gavetas, quase todas emperradas ou fechadas a chave. A última, com muito custo, consegui abrir. Surpresa, UM REVOLVER, todo enferrujado, peguei-o, examinei e tentei (vejam vocês, a imprudência de uma criança) puxar o gatilho. Nem saiu do lugar. Estava pra mostrar pro meu primo quando tentei, de novo, desta vez encostando o cano na parede. Consegui, ouvi o estalo e percebi que não estava carregado. Levei um tremendo susto, coloquei o revolver no lugar, que era do tipo usado pelos “cawboys”. Não contei pra ninguém e nunca fiquei sabendo de quem era a arma, por isso estou aqui, contando essa história.
Por incrível que possa parecer, o prédio do armazém ainda está de pé.
Por Modesto Laruccia
13 comentários:
Mô, srá que o revolver ainda se encontra por lá?
Poderia ser entregue às autoridades na campanha de desarmamento.
Brincadeiras à parte, viu o que uma criança, inadvertidamente pode fazer?
Graças a Deus nada aconteceu desra vez.
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Caro Laruccia!
Mais uma bela crônica relacionando fatos tão distantes, mas cujos desfechos bem que poderiam ser parecidos! Nota-se claramente sua preferência pela leitura dos contos ou romances policiais, dos quais também sou um fã de carteirinha! E concordo plenamente que os ingleses ainda detêm o título de mestres nesse tipo de literatura. Conheci "Dame Agatha Christie" ainda nos bancos escolares e, de lá para cá, minha fascinação pelos intrincados mistérios policialescos só fez aumentar. Infelizmente, casos como os do garoto de SCS ocorrem sem que nenhum detetive consiga destrinchar o que se passava pela cabecinha dessas crianças! Acabam no rol das "fatalidades" e no esquecimento público.
Como sempre, mais um dos seus estimados presentes, que agradeço muito pela oportunidade de poder ler e... viajar.
Abraço
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Modesto, querido amigo!
A humanidade faz sua história, mostrando seu lado cruel e com situações tão violentas que custamos a creditar que seja verdade, pois se parecem com as famosas obras fictícias de crimes.
O que vimos em São Caetano do Sul, nosso coração de mãe e também como seres humanos, nos fez repensar tantos conceitos...
Há que se fazer algo, realmente, para mudarmos o cenário atual.
Entendo que só mesmo a educação, em seus mais rigorosos conceitos, poderá transformar o mundo.
Felizmente, em sua história de traquinagem, nada de mais grave aconteceu.
Valeu, Modesto!
Obrigada.
Muita paz!
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Laer!
Quero aproveitar a "carona" no texto do Laruccia para desejar-lhe, ainda que com um dia de atraso, um
FELIZ ANIVERSÁRIO!
Abraço.
Aí está, Modesto, um prato cheio para vc, que sempre gostou de mistérios. Eu tb, pois meu pai adorava romances policiais e de detetives, a Coleção Amarela, Ellery Queen, e li muito disso tudo.
Mas, nesse ato, chegou sua vez de encarar de frente o mistério. De quem seria tal arma, que estava fazendo na escrivaninha, há quanto estaria ali? Nada foi elucidado. Nada elementar, meu caro Watson.
Aproveitando tb, um abraço no caro Laer. Parabéns!
Larù: Esta foi uma experiência traumatizante! Não hora, não estamos nem aí... Mas a gente vai ficando adulto e, de repente, temos consciência do perigo que corremos e do perigo de causar uma tragédia.
Em casa, eu tinha uns 25/26 anos quando soube que existia um Parabellum que pertencera ao vovô,relíquia dos tempos da fazenda.
E não era para atirar em ninguém. Era para proteger-se de cobras e das onças que existiam na Região de Ribeirão Preto.
Adorei esse seu texto-moleque!
Abração,
Natale
PS: LAER, AMIGÃO: TUDO DE BOM PARA VOCÊ! PARABÉNS!!! NATALE
Modesto, não sou muito chegada em leituras policiais, mas as contadas por você são sempre bem recebidas.Realmente uma tragédia aconteceu em São Caetano neste dia e este mistério com pouca chance de ser resolvido, acredito que só mesmo através da espiritualidade poderia ser compreendido.Um grande beijo.
PS: Laer, meus parabéns!
Modesto, não sou muito chegada em leituras policiais, mas as contadas por você são sempre bem recebidas.Realmente uma tragédia aconteceu em São Caetano neste dia e este mistério com pouca chance de ser resolvido, acredito que só mesmo através da espiritualidade poderia ser compreendido.Um grande beijo.
PS: Laer, meus parabéns!
Esse texto me fez lembrar dos meus amiguinhos de infância, os irmão José Leo e Santino Leo, que brincando de “mocinho” com a arma do avô, no ano de 1952, José de 13 e Santino de 12, um tiro foi disparado por José. Este quando viu seu irmão caído, a primeira coisa que fez foi ouvir o coração dele. Como estava batendo foi procurar socorro. Caso, contrario, daria um tiro na sua própria cabeça. Santino está com a marca da bala no lábio até hoje, já com seus mais de 70 anos pois tem a mesma idade minha. (Mário Lopomo)
Modesto, a sua história real nos dá a dimensão do perigo que está em toda a parte. Felizmente vocês foram poupados.
em tempo: Laer, feliz aniversário! (cheguei de viagem ontem à noite e estava sem internet)
Amigos, brincadeiras a parte mas, hoje, quando lembro meu atrevimento... A arma não estava totalmente enferrujada, tanto é que o gatilho funcionou. Quanto a posse e origem, nunca fiquei sabendo. Meu pai nunca usou ou teve armas e meu tio, idem. Fui crescendo e esqueci desse detalhe, lembrei com os envolvimentos de crianças com armas.
Agradeço a todos os comentários e, realmente armas e crianças são tão perigosos quanto o alcool com direção de carro. Morte certa.
Abraços a todos.
Modesto
Modesto,
que bom que a arma estava entrevada e podemos contar com sua lavra e belas reminiscências. Muito bom mesmo!Abraço.
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