São Paulo é um macrocosmo. Uma galáxia em expansão desordenada e
incontrolável. Formada de incontáveis universos, subdivisíveis em milhões de
microcosmos e microcosmos.
Podemos nos deter para observar alguns deles. Podemos limitar uma
região, uma zona, um bairro, uma rua, até uma casa e sempre será fascinante.
Detenhamo-nos sobre essa imensa praia, para apanhar alguns dos grãos da
infinita areia.
Desta vez ficarei com um quarteirão, uma quadra apenas do Brooklin, que
muitas vezes me chamou a atenção. Logo após a esquina, uma bem sucedida loja de
chocolates finos.
Mas, logo a seguir, uma estranha casa em violento contraste. Era feia e
mal reformada, e até parece ter sido invadida. Repentinamente surgiram ali, do
nada, uns latinos, barbados e mal ajambrados, como vindos da Revolução Cubana.
Creio que são bolivianos, ou de outro país subdesenvolvido.
Instalaram-se ali muito à vontade, espalhando pela calçada e em frente a
ela uns móveis destrambelhados, nos quais por vezes se escarrapacham. O tema
principal seria reforma de estofados, mas faz-se de tudo um pouco:
eletricidade, encanamento, o que pintar.
Condoída, minha mulher passou-lhes um velho pufe, todo arranhado de
gato, para revestir. Prometeram o serviço para a semana seguinte, mas nada foi
feito.
–Deixa pra lá, disse eu, o pufe estava mesmo muito feio. Mas, ao saber
que ela tinha dado um adiantamento, fui lá cobrar. Soltei meu espanhol com o
que pareceu ser o chefe deles, e, si, señor, por cierto que si, como no,
prometeu-me o serviço para poucas horas.
E cumpriu, mas depois vimos que o courvin era de má qualidade,
rasgando-se facilmente. Saltemos para a casa seguinte: também muito decadente,
que parece ser de uns velhos japoneses. No jardim, dois fuscas condizentes:
velhos, encardidos, brancos e absolutamente iguais.
Logo a seguir, o que foi a tentativa de ser um restaurante.
Um espaço verde, no qual foi colocado um cartaz com a cara do Sr.
Madruga, o que por si bastaria para afugentar os clientes. Durante uns dois
dias ficaram por ali umas moças distribuindo prospectos, mas creio que o
restaurante não sobreviveu a esses dois dias. Tentaram então transformá-lo em
bar de Happy Hour, mas nada de happy ocorreu ali, e fechou.
Sobrou a carantonha de Madruga, assombrando o local, até hoje.
Depois de uma loja de utilidades domésticas, chegamos então à Cidade
Proibida. Um mistério, que começou como loja de louças e estatuetas chinesas,
bonitas e baratas. Compramos até dois potes, pois tudo na China é feito em
duplas.
Logo transformou-se, cerrando-se dentro de altos muros, como a Muralha
da China. Quase nunca se via ninguém, mas passaram a estacionar defronte
carrões: BMW, Audis, Mercedes, Porsche Panamera. Deles, de vez em quando via-se
sair um chinês.
O andar superior ampliou-se, tornando-se quase um pagode. Certa vez vi
um guarda no porão, tão blindado como tivesse chegado da Guerra do Golfo.
Grande, forte, feroz, todo de negro, colete à prova de balas, metralhadora. De
outra, vi pelo portão entreaberto, rara ocasião, a placa de um banco
desconhecido. Mas qual? De quê? Não se vê vivalma entrar, nem sair.
Tão misterioso como um antro de ópio do Dr. Fu Manchu, de Sax Rohmer. Eu
é que não vou bater lá, para saber.
Pois é, só um quarteirão. Poucos metros. E contrastes e enigmas, como
rotina de um bairro, de uma rua. Somente alguns do grande caos que é nossa
cidade.
Por Luiz Saidenberg
5 comentários:
Olá, Luiz!
Os contrastes de São Paulo que nos encantam, nos deprimem, nos assustam, nos surpreendem...
Mas, uma coisa é certa. Nosso amor a esta cidade com coração gigante e que abriga a todos que a buscam.
Adorei o texto.
Muita paz!
Sonia Astrauskas
Luiz, são pedacinhos da nossa cidade que nos surpreendem, às vezes até dentro de uma praça! Quem ama São Paulo tem sempre olhos de amor e a esperança que aquele pontinho tão próximo vai melhorar!
Luiz, São Paulo é mesmo assim, apresenta-nos mil facetas, umas lindas outras feias e, ainda, outras horrorosas, mas é a Sampa adorada por nos paulistanos da gema e muitos outros não paulistanos. Gostei do texto como sempre bastante detalhista. Espero novos artigos.
Dobrando a esquina, um mundo novo se nos apresenta. Isto é São Paulo. Esta é nossa cidade.
Belo texto Luiz, as mil facetas de São Paulo,bem assim mesmo. Parabéns
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