terça-feira, 6 de setembro de 2011

O prédio do DOPS


(Uma experiência insólita)

 
Sempre passei “batido” por lá. Nunca havia entrado e nunca quis entrar.
Prefiro pensar nesse edifício como a segunda estação da Sorocabana.
Antes dela, havia uma estação rudimentar com alguns arremedos de galpões.
Em 1914, Ramos de Azevedo projetou e construiu o novo edifício. Mas, São Paulo crescia vertiginosamente. A Sorocabana necessitava de uma estação maior e melhor aparelhada. Nos anos 20, começa a construção da estação que ora se vê - projeto de Cristiano Stockler das Neves – e que, desde 1952, chama-se Estação Júlio Prestes.
O DOPS, em São Paulo, foi fundado em 1924. Teve o nome de Delegacia, depois, Intendência. Naqueles tempos turbulentos da Anarquia, do Sindicalismo revolucionário, a sua função era o controle dos movimentos que colocassem em risco a Ordem Social e os cidadãos. Nos seus primeiros tempos a sua função era mais preventiva do que repressiva. Isso tudo mudou radicalmente com o “Estado Novo”. Mudança que continuou até 1983, quando o DOPS foi extinto.
Em 1935, o prédio projetado por Ramos de Azevedo, passou a abrigar o Departamento de Ordem Política e Social. E, desde 1935, o prédio transformou-se no cenário macabro das vítimas do Estado Novo e da Revolução de 1964.
Desnecessário se faz aqui relatar os dramas e a violência que acontecia entre aquelas paredes. É de conhecimento geral...
Eu prefiro pensar no edifício, como a segunda Estação da Sorocabana. Uma estação que, nos anos 10, era uma porta de entrada a trazer progresso e riqueza para a Capital e o Estado. Um lugar aonde vidas iam e vinham. Por suas portas passavam os sonhos, as decepções e, acima tudo, a esperança.
Uma linda estação que foi transformada na porta de entrada do inferno de Dante: “Deixai toda esperança, vós que entrais”!
Nunca havia entrado lá, nem nunca quis entrar. Mas, já diz a velha frase: “Nunca diga nunca”!
Por necessidade, tive que enfrentar os “meus fantasmas da ditadura” e entrar naquele lugar cuja egrégora era tão negativa e deprimente. Eu tinha que fazer a sinopse para um projeto de pesquisa sobre a ocupação do prédio. Passei pelo Memorial da Liberdade, Pelo Museu do Imaginário do Povo Brasileiro. Até ai, tudo ia bem. Mas havia chegado o momento de descer aos “porões” do DOPS...
Em meio aos visitantes, digital na mão, eu iniciei a indesejada visita. As celas estavam alteradas. Somente o espaço para o banho de sol permanecia intacto. Cada cela continha, nas paredes, materiais alusivos ao período da ditadura: “Posters”, panfletos, capas de revistas, etc. Cela a cela, fui fotografando. Mas a última, no fim do corredor, foi-me impossível fotografar.
À porta da última cela senti-me paralisado. Senti com se minha energia estivesse sendo sugada. De repente fui acometido por uma estranha depressão e uma forte dor de cabeça. Congelado entre aqueles umbrais, olhando o interior da cela, aterrorizava-me aquilo que os meus olhos não viam, mas – coisa sem sentido – eu sabia que algo estava lá, invisível. E, dentro de mim, eu sentia que ali não estavam os torturados e sim, os torturadores falecidos que voltaram e entre aquelas paredes, cada um vivia o seu inferno particular.
Um casal se aproximou por trás de mim e o homem pediu licença para entrar na cela. Com o som da sua voz eu recuperei a minha mobilidade e afastei-me. O casal entrou. Encostei-me à parede do corredor. Sentia-me exaurido. E que dor de cabeça! Dentro da cela, a mulher começou a chorar desesperadamente e pedia, entre os soluços, que o homem a levasse dali. Saíram e eu fui atrás. O casal saiu rápido pela porta de entrada, sob os olhares assustados das atendentes. Eu saí, logo em seguida.
Explodia de dor de cabeça! Entrei em um bar e pedi um café-expresso. Abri a mochila e retirei a cartela de Aspirina. Peguei dois comprimidos e os engoli com o café sem açúcar – a velha fórmula da Cafiaspirina caseira. Passados alguns minutos a dor de cabeça desapareceu completamente. Achei estranhíssimo. Mesmo com as aspirinas, a minha dor de cabeça mais simples levava, pelo menos, meia-hora para desaparecer... Foi-se a dor e “bateu” uma tremenda fome. Pedi dois X-salada e uma água mineral.
Enquanto esperava pelo lanche fiquei pensando no que acontecera. Fora auto-sugestão, dei asas à fantasia? Catarse? Infestação do local? Memórias que permaneceram impregnando aquelas paredes? Teria sido a minha imaginação a pregar-me uma peça?... Foi a minha imaginação? Sei lá!
E por que aquela mulher que me pareceu tão calma e equilibrada de repente ficou histérica? Teria ela entrado em sintonia, como eu, com as energias daquele ambiente? E, sem desprezar a lógica, pensei: Talvez, ela fosse parenta de alguém que foi torturado lá...
Continuei por um bom tempo a perguntar-me, em busca de respostas improváveis, mas não impossíveis que me acenassem com alguma solução plausível. Nada! Concluí que o insólito é o insólito. Ele é difícil de explicar ou justificar...

Por Wilson Natale

21 comentários:

Soninha disse...

Olá,Wilson!

Este seu texto mexeu comigo...
Não de forma ruim. Nada disso. Mas,levou-me para meus dias de infância, lá pelos idos de 1964, quando o Brasil vivia os turbulentos dias da revolução... Meu pai trabalhava na Mafersa, nesta época; era líder de fábrica e intermediava algumas negociações, como porta voz, junto ao sindicato. Não era subversivo e não tinha nenhum envolvimento político, mas, foi detido por 30 dias e ficou no prédio do DOPS,lá na estação da luz. Minha mãe sofreu muito e nós, crianças, também, pela ausência de meu pai e pela dor de minha mãe. Sabíamos que os presos eram torturados e muitos foram mortos por aquele sistema autoritário.
Não puderam provar nada contra meu pai e ele foi solto, felizmente. Ele nos dizia que em momento algum foi submetido à tortura e que o trataram respeitosamente. Não sei se para não nos assustar, nem provocar pânico em nós,crianças.
Depois disso, ele ficou desempregado e passamos por imensas dificuldades que só não foram maiores porque me avô materno supriu muitas de nossas necessidades.
Bem...vou parar...kkkkk...mesmo porque, minhas lágrimas me impedem de enxergar nitidamente a tela.
Valeu, Natale!
Obrigada.
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Má experiência mesmo, Wilson.
Esse lugar está carregado inevitávelmente de uma aura tenebrosa, de eflúvios e miasmas que evolam do chão, das paredes carcomidas, como os da Casa de Usher, conto de Egard Allan Poe.
Eu quero mais é distância de coisas assim! Abraços.

Luiz Saidenberg disse...

Ah, devo acrescentar que tive um grande amigo que esteve preso alguns dias nesse lugar. Junto com outros publicitários, havia assinado um envio de dinheiro a um exilado. Alguém delatou e todos foram para o Dops. Não foram torturados, mas maltratados e ofendidos, enquanto ouviam os gritos do torturados em outras celas. Bastante horrível. Mas não o seu texto, este sim, magistral. Abraços.

Zeca disse...

Natale!

Como os demais, este é mais um magnífico texto que nos é presenteado por você! Repleto de informações, que ampliam nosso conhecimento e nossa visão, além dos seus próprios sentimentos, que afloram em cada palavra digitada. Parabéns por mais esta obra de arte! E não deixe de nos presentear com outras como esta, pelas quais só poderemos dizer: Obrigado!

Abraço.

Zeca disse...

Natale,

se me permite uma carona neste espaço para comentários, quero registrar que, por um descuido de minha parte, só agora percebi, aqui ao lado do texto, que ontem foi aniversário da Erta. Assim, deixo a ela meus votos de felicidade, saúde e paz!

ERTA!

FELIZ ANIVERSÁRIO!!!



Abraços.

joaquim ignacio disse...

Natale, tive alguns amigos e conhecidos que passaram pelo DOPS e pela prisão da R.do Hipódromo naqueles dias sombrios; alguns deles estão por aí nos meios de comunicação, tornaram-se pessoas importantes: o Laerte (cartunista), os jornalistas Pola Galé e Sérgio Gomes e outros menos citados. Eu mesmo acabei por me demitir da USP após receber alguns avisos de gente "de dentro". Quanto a essa sensação terrível que vc sentiu, essa eu conheço bem. Já passei por isso, já vi 'coisas'(?) em necrotérios e porões de hospitais, juro por Deus. A Odete, minha esposa, passou mal ao entrar em uma cela cavada em um enorme matacão de granito nos fundos do Museu da Inconfidência em Ouro Preto... Quem somos nós prá entender certos acontecimentos e situações, não é mesmo?
Saude e um abraço do Ignacio

Laruccia disse...

Pô, Natale, cada "impiastro" que vc se mete. Conheço aquele prédio (por fora)e quando ouvia e lia o que era publicado, (o que eles permitiam), me dava arrepios. Nunca entrei e nem quero entrar. O que ocorreu com vc, na minha opinião, foi o puro estado de sencibilidade que vc possui. Mesmo que vc entrasse preparado pra ficar indiferente ao que vc iria ver, a forte "presença" de um ambiente carregado de tortura, dor e morte envolveram sua sencível personalidade. Sem perceber, vc foi acometido de forte dor de cabeça que as forças ocultas da naturez provocavam. As paredes, portas, tijólos, teto, enfim tudo o que compõe o cubículo, emitiam odores e murmúrios, imperceptíveis ao seu nariz e ouvidos. Vc não ouvia e nem sentia cheiro algum mas, eles agiam assim mesmo; se vc ficasse mais um pouco la dentro, iria vomitar ou desmaiar de dor de cabeça. Muito sugestiva e bem redigida esta sua narrativa, Natale. Parabéns.
Laru

suely aparecida schraner disse...

Magnífico texto, Natale. Quanta dor e desesperança naqueles idos. Quanto mistério perdura. O inferno de Dante, você captou muito bem. Parabéns!

marcia ovando disse...

Por razões pessoais acho que mesmo que quisesse jamais conseguiria pisar nesse prédio, para mim a palavra certa é:
D I S T Â N C I A
abraço

Arthur Miranda - Raul disse...

Natale, Você jamais vai encontrar uma explicação para essa sua dor de cabeça, pois essa sua dor de cabeça é a mesma que foi sentida por 95% da população brasileira entre 01 de Abril de 1964 a 1985. e é a mesma que atinge o povo Líbio, Sírio, Cubano e
que o Povo do Egito esta se libertando mesmo sem aspirina.
Belíssimo texto, parabéns.

Wilson Natale disse...

SONINHA: A situação que vocês passaram foi também asituação de muitas famílias.
As energias desse prédio é tão densa que não dá para você sequer imarginá-la como o interior da antiga Estação Sorocabana!

Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

SAIDENBERG: A Casa de Usher é um lar, doce lar, comparado ao DOPS. E o que mais incomoda lá é o silêncio. Eu o defino como um silêncio que grita. Um silêncio que incomoda bastante.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

ZECA: Agradeço o comentário.Pode deixar, aos poucos vou enviando mais textos como esse.
E, junto com você, mando abraços e parabéns a ERTA TAMBERG.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

JOCA: Valeu o comentário!
E foi bom você citar o Hipódromo - o famoso Presídio da Alegria. Lá era tão ruim quanto lá, no DOPS.
Que las ay, las ay, Joca! A gente não sabe se viu, se sonhou; se ilusão, devaneio. A gente não sabe! Não se fica nem de um lado, nem de outro e, muito menos em cima do muro (risos).
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

LARÙ, mio caro: Eu não quero me meter nos "Impiastro della vita". Acontece. Acho que nascí "caccato".
É bem aquela história: Mais eu rezo, mais assombração me aparece... Ahahahaaaaaaa!
Agora, flando sério, o lugar provoca sensações terríveis. E esta é a opinião de todos.
Bacione in testa,
Natale

Wilson Natale disse...

SUELY: É bem isso! "Lasciate ogni speranza, voi che entrate"...
Lá dentro, sente-se a decepção, o amargor permeando a parábola da vida. São as energias estranhas e incômodas empestando aquele lugar.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

MÁRCIA: Se existem razões pessoais, com certeza, você não deve ir até lá. Não vale a pena ir lá para abrir velhas feridas.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

ARTHUR-RAUL (risos): Em termos de sensações, impressões "y otras cositas" passear pelo DOPS é como abrir a caixa de Pandora. Lá dentro, todos os males do mundo!
Abração,
Natale

Miguel S. G. Chammas disse...

Natale, vou precisar recorrer ao objeto do teu tema neste texto.
O motivo é simples, SUMIU o comentário que fiz sobreo texto.
Fiquei tão impressionado com as lembranças que ele reavivou que comentei em alto e bom escrito, e não sei por que cargas d'agua, o comentário "se sumiu"...
Será que algum "fantasminha" mais ousado passou por aqui?
Em todo caso, obrigado por es lindíssimo momentio de lembrança.

Wilson Natale disse...

MIGUÉ: Você tá mi sustando eu! Mi já tô mi borrando todo!Ahahahahaaa!Coisas do além... Mistééééério!...
Dá até para você fazer um texto assombrado sobre "O comentário desaparecido".
Coisas do além, ou da Internet, "qué las hay, las hay"...
Abração,
Natale
PS:- Agora, mi vô lá, na Festa di San Gennaro, mi inchê u rabo di spaghetti, comê uns zeppoli, uma foccacia i tomá uns vinho. Ahahahaaaa!!!

ALMANAKUT BRASIL disse...

(Os dias são assim) - Vídeo em 360 graus mostra nova Cracolândia no centro de São Paulo - 01/06/2017

Após operação da prefeitura e do governo do estado, usuários passaram a se concentrar na praça Princesa Isabel, a poucas quadras do antigo local.

http://veja.abril.com.br/brasil/video-em-360-graus-mostra-nova-cracolandia-no-centro-de-sao-paulo


69 - Praça da Luz / 69 - Luz Square - São Paulo - Brasil

jggs79

https://www.youtube.com/watch?v=7v0XhQ_ObIk


Durante o Regime Militar, o brando, na DITADURA comunista de CUba os opositores foram fuzilados sem julgamento!

Aqui, com anistia, abertura e o golpe do palanque das Diretas Já, deu no que deu!

Herança maldita para o futuro!