Cada vez que vamos lá, rezo para que não seja a última. O cinema, embora modernizado, parece o mesmo de muitas décadas atrás.
Entra-se direto da calçada, em plena via pública, sem os vários lances de escadas rolantes, nem os elevadores dos shoppings. Ali, o café, ali a bomboniére, ali os refrigerantes, tudo bem modesto. Em seguida a bilheteria, como em outros tempos.
O velho Lumiére, nome dado em homenagem aos iniciadores da arte cinematográfica. Teve outro nome, em tempos ainda mais distantes, nos primórdios da Rua Joaquim Floriano, quando, creio, não existia sequer o Joaquin´s.
Depois, virou Lumiére. E assim continuou. Com nomes aditivos, de acordo com as mudanças de patrocínio. Foi Estação Lumiére, Lumiére UOL, agora é Lumiére Playarte. Não importa; continua sendo o velho e simpático Lumiére.
É perto de casa, barato, estaciono facilmente nas ruas vizinhas; bons restaurantes e lanchonetes ali é que não faltam.
Há muito o frequento e sua programação sempre foi, garanto-lhes, excelente. Vi magníficos filmes lá, sempre mais voltado para filmes de autor, ou europeus, bem longe do estardalhaço dos blockbusters, que reinam nos muitos e cada vez mais luxuosos shoppings de São Paulo.
Nunca um Harry Potter 8, ou Guerra nas Estrelas 16. É muito frequentado pelo pessoal do bairro, especialmente a turma da terceira idade. Agora tem ingressos numerados, mas, quando não tinha, muitas vezes os idosos se pegavam na fila, estouravam bate bocas e, como diz minha esposa, havia o perigo de bengaladas.
Agora está tudo mais calmo... E, infelizmente, mais vazio. Já se foi a grande maioria de seus assíduos frequentadores? Onde estão as filas na bilheteria, que se viam até pouco tempo?
Um cinema tão agradável e gentil. Seus porteiros cumprimentam e agradecem a todo mundo, e são antigos de casa. De casa antiga, então é justo...
Certa vez, perdi lá um relógio Fossil, comprado no Macy´s de Nova Iorque. Foi já há vários anos. A fivela soltou-se da correia, só percebi na rua e era noite. Voltei lá e deixei a descrição do objeto, sem mais esperanças de reavê-lo, nem de voltar à Nova Iorque para comprar outro igual.
Imaginem minha surpresa quando me ligam do cinema, no dia seguinte: o porteiro, simpático baixinho que ainda outro dia vi lá, o tinha encontrado e devolvido. Maravilha, não?
A honestidade somando-se às várias outras virtudes do Lumiére. Grandes filmes, de grandes diretores. Vimos, nesta última- espero que não- vez, O Mágico, animação, sobre uma história de Jacques Tati. O de Meu Tio, estão lembrados, veteranos?
O desenho, francês, belíssimo, pintado à mão, nada das computações de Hollywood. O herói é o próprio Tati caricaturado, seu nome é o mesmo do mestre, Tatischeff. Seus movimentos, os do desajeitado Monsieur Hulot, o personagem que celebrizou Tati.
Lindo e triste, pois fala de um ilusionista decadente, que só encontra platéias vazias. Olhei ao redor e a do Lumiére estava exatamente assim. Pouquíssimas pessoas e na outra vez em que viemos, para ver um filme de muito renome, a desolação era a mesma.
O Lumiére é um herói, um sobrevivente cheio de cicatrizes. Uma vez, estava em péssimas condições, mas a UOL salvou-o e restaurou-o. Um dos poucos, raríssimos, cinemas de rua que restaram na cidade. Agora mesmo fala-se, mais uma vez, no fechamento do Belas Artes, na Consolação... E do esforço titânico que os fãs fazem para salvá-lo.
Temo que, neste ritmo, também logo chegue a vez do Lumiére. Afinal, tudo é mega na cidade. Tudo cada vez mais caro e descomunal. Os grandes shoppings avançam como monstros, prontos a engolir multidões.
O pequeno cinema de bairro, como a vendinha da esquina, as lojas de miudezas, as casas de discos, não têm mais lugar nesse clima de gigantismo. Não adianta repintá-lo, trocar seus estofados, cadeiras Bertoia na recepção, nova tela, projeção digital.
Está no caminho dos mastodontes, dos megalíticos, das babeis desmesuradas e infindáveis que, a cada dia, deixam a cidade cada vez menos identificável para nós, seus velhos moradores. Ele também está tão velho, que nem os frequentadores crêem mais em sua existência... E não vão mais às suas ótimas sessões.
Será muito triste, ao menos para mim, quando esse dia finalmente chegar. Mais triste que o belo filme de Peter Bogdanovitch, a Última Sessão de Cinema.
O letreiro Fim aparece na tela e fecham-se as cortinas do espetáculo. Desta vez, para sempre.
Por Luiz Saidenberg
Entra-se direto da calçada, em plena via pública, sem os vários lances de escadas rolantes, nem os elevadores dos shoppings. Ali, o café, ali a bomboniére, ali os refrigerantes, tudo bem modesto. Em seguida a bilheteria, como em outros tempos.
O velho Lumiére, nome dado em homenagem aos iniciadores da arte cinematográfica. Teve outro nome, em tempos ainda mais distantes, nos primórdios da Rua Joaquim Floriano, quando, creio, não existia sequer o Joaquin´s.
Depois, virou Lumiére. E assim continuou. Com nomes aditivos, de acordo com as mudanças de patrocínio. Foi Estação Lumiére, Lumiére UOL, agora é Lumiére Playarte. Não importa; continua sendo o velho e simpático Lumiére.
É perto de casa, barato, estaciono facilmente nas ruas vizinhas; bons restaurantes e lanchonetes ali é que não faltam.
Há muito o frequento e sua programação sempre foi, garanto-lhes, excelente. Vi magníficos filmes lá, sempre mais voltado para filmes de autor, ou europeus, bem longe do estardalhaço dos blockbusters, que reinam nos muitos e cada vez mais luxuosos shoppings de São Paulo.
Nunca um Harry Potter 8, ou Guerra nas Estrelas 16. É muito frequentado pelo pessoal do bairro, especialmente a turma da terceira idade. Agora tem ingressos numerados, mas, quando não tinha, muitas vezes os idosos se pegavam na fila, estouravam bate bocas e, como diz minha esposa, havia o perigo de bengaladas.
Agora está tudo mais calmo... E, infelizmente, mais vazio. Já se foi a grande maioria de seus assíduos frequentadores? Onde estão as filas na bilheteria, que se viam até pouco tempo?
Um cinema tão agradável e gentil. Seus porteiros cumprimentam e agradecem a todo mundo, e são antigos de casa. De casa antiga, então é justo...
Certa vez, perdi lá um relógio Fossil, comprado no Macy´s de Nova Iorque. Foi já há vários anos. A fivela soltou-se da correia, só percebi na rua e era noite. Voltei lá e deixei a descrição do objeto, sem mais esperanças de reavê-lo, nem de voltar à Nova Iorque para comprar outro igual.
Imaginem minha surpresa quando me ligam do cinema, no dia seguinte: o porteiro, simpático baixinho que ainda outro dia vi lá, o tinha encontrado e devolvido. Maravilha, não?
A honestidade somando-se às várias outras virtudes do Lumiére. Grandes filmes, de grandes diretores. Vimos, nesta última- espero que não- vez, O Mágico, animação, sobre uma história de Jacques Tati. O de Meu Tio, estão lembrados, veteranos?
O desenho, francês, belíssimo, pintado à mão, nada das computações de Hollywood. O herói é o próprio Tati caricaturado, seu nome é o mesmo do mestre, Tatischeff. Seus movimentos, os do desajeitado Monsieur Hulot, o personagem que celebrizou Tati.
Lindo e triste, pois fala de um ilusionista decadente, que só encontra platéias vazias. Olhei ao redor e a do Lumiére estava exatamente assim. Pouquíssimas pessoas e na outra vez em que viemos, para ver um filme de muito renome, a desolação era a mesma.
O Lumiére é um herói, um sobrevivente cheio de cicatrizes. Uma vez, estava em péssimas condições, mas a UOL salvou-o e restaurou-o. Um dos poucos, raríssimos, cinemas de rua que restaram na cidade. Agora mesmo fala-se, mais uma vez, no fechamento do Belas Artes, na Consolação... E do esforço titânico que os fãs fazem para salvá-lo.
Temo que, neste ritmo, também logo chegue a vez do Lumiére. Afinal, tudo é mega na cidade. Tudo cada vez mais caro e descomunal. Os grandes shoppings avançam como monstros, prontos a engolir multidões.
O pequeno cinema de bairro, como a vendinha da esquina, as lojas de miudezas, as casas de discos, não têm mais lugar nesse clima de gigantismo. Não adianta repintá-lo, trocar seus estofados, cadeiras Bertoia na recepção, nova tela, projeção digital.
Está no caminho dos mastodontes, dos megalíticos, das babeis desmesuradas e infindáveis que, a cada dia, deixam a cidade cada vez menos identificável para nós, seus velhos moradores. Ele também está tão velho, que nem os frequentadores crêem mais em sua existência... E não vão mais às suas ótimas sessões.
Será muito triste, ao menos para mim, quando esse dia finalmente chegar. Mais triste que o belo filme de Peter Bogdanovitch, a Última Sessão de Cinema.
O letreiro Fim aparece na tela e fecham-se as cortinas do espetáculo. Desta vez, para sempre.
Por Luiz Saidenberg
7 comentários:
Luiz, cinema era comigo antogamente, agora teho medo de ir e envergonhar quem vai comigo pois nem bem o filme começa e estou prostrado em confortável sono.
O Lumiére foi um dos meus cinemas de antanho, era proximo da casa do meu chefe no escotismo e dei algumas fugidinhas das reuniões para lá assistir um filme gostoso.
Pena que esteja chegando ao fim de sua carreira como chegou ao fim a loja da Kopenhagem ali ao lado.
Olá, Luiz!
Gosto muito de cinema. Sempre ia, quando mais moça e nem tanto agora já mais velhinha...
As salas de projeções de hoje são, realmente, mais confortáveis e com tecnologia de ponta quanto à exibição dos filmes...
Os desenhos animados estão em alta, com histórias incríveis e perfeitos...Acredito que, assim, chama-se mais a atenção de todos os grupos de público...desde os mais equeninos até os mais velhos.
Muito legal.
Vou procurar assistir "O Mágico"...sua sujestão é ótima.
E, qando não conseguimos ver no cinema, recorremos aos moderníssimos DVDs, para vermos em casa mesmo. Incrível também, né?!
Valeu, Luiz!
Obrigada.
Muita paz!
Caramba, Luiz!
Você tocou fundo no coração, com esse texto! Embora não vá, atualmente, muito ao cinema, devido à falta de salas na cidade onde moro e, quando em São Paulo, geralmente com pressa e "sem tempo", fui um frequentador dos mais assíduos, em outras épocas, quando ainda morava na nossa cidade tão amada. Mesmo estando em outras cidades, se lá houvesse uma sala de cinema e um bom filme, minha presença era garantida. Mas o passar dos anos vai nos entorpecendo e tornando mais difíceis os deslocamentos e, com isso, vamos nos readaptando e, com as vantagens dos atuais DVDs, acabamos quebrando o galho, mesmo perdendo a magia de uma sala de cinema. Isso não se consegue, nem mesmo nos mais modernos e bem equipados home theaters. Assim como o velho e saudoso charme das grandes salas de cinema, que davam diretamente para a rua, completamente diferentes dessas pasteurizadas salinhas dos cinemas de shoppings.
Valeu pela lembrança e pela enorme saudade!
Abraço.
Pois é Saidenberg... Na Mooca tínhamos, antes, os Cines Roma, Santo Antonio, Icaraí, Imperial, Patriarca, Aliança.Todos com mais de mil lugares.Fim de semanas - todos lotados ou cheios. Meio de semana - cheios. Hoje,uns são prédios a reavivar as nossas lembranças, outros só existem na memória.
Amava ir ao cinema! Ver filmes em VistaVision, em Cinemascope, Totalscope, Cinerama...E filmes para todos os gostos.
Antes, íamos aos cinemas e "entrávamos" nos
filmes. "Vivíamos" as estórias. E, talvez, até esperassemos que acontecesse conosco o que aconteceu com a protagonista de "A Rosa Púrpura do Cairo"...
Hoje a arte sobrevive em telinhas minúsculas em "cinemas de bolso".
A arte pela arte deu lugar ao faturamento. O artista se perdeu em meio dos efeitos especiais.
E os cinemas, que eram palácios, reduzidos a pequenas salas,perderam sua razão de ser.
O Belas Artes está "indo embora". O Lumière talvez resista até, sabe-se lá quando, antes de se fossilizar em uma camada geológica.Assim, como o próprio Lumière, que poucos ainda sabem quem foi.
Belo texto, Saidenberg. Falando da atualidade de um cinema sobrevivente. E que eu, espero que continue sobrevivendo.
Abração,
Natale
Pois é Saidenberg, o Belas Artes alem de um cinema importante para nossa Cultura seu predio antes de ser o cinema que é, foi durante algum tempo auditorio de programas da Tv. Tupi. Ali iniciei minha carreira, em Televisão no ano de 1964, no Programa 4 aos Domingos , Apresentado por Homero Silva, Julio Nagib, e Julio Rosemberg, e produzido por Theofilo de Barros
onde os musicais teve apresntaçoes de Wanderleia, Roberto Carlos e Jerry Adriani (todos em inicio de carreira e antes da Jovem Guarda) o Humor era escrito por Emanoel Rodrigues, com a participação do Gibe, Marly Marley,(eu iniciando carreira) Evilazio Marçal, cARLOS Buka, Marcelo Gastaldi, Antonio Aragão e Pericles de Almeida,(filho do comico Simplicio). É lamentavel que toda essa historia acabe assim nessa triste agonia.
Agradeço muito os sábios comentários, que foram poucos, mas bons, pois cinema não é assunto que comova mais muitas pessoas de nossa geração, com as comodidades de tv a cabo, DVDs...
Eu, porém, continuo um cinéfilo, e persistimos em ver o que de melhor passa nos cinemas. É como diz a música- não deixem o samba morrer.... Abraços.
Aviso aos navegantes: quando estivemos novamente hoje, no bom Lumiére, decobri seu primeiro nome: Radar. Quem nos contou foi um casal de antigos frequentadores. Basta dizer que ali viram Marcelino, Pão e Vinho, o que nos atira para os inícios do anos 50...
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