terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tempus fugit!

Este texto de Gentil Gimenez nos foi enviado pela Suely Schraner e, embora não tenha referência sobre a cidade de São Paulo, que é o perfil deste blog, decidimos postá-lo por sua qualidade.


Tempus fugit! O tempo foge! Não importa se na beleza latina dos versos de Virgílio ou se nas letras de uma música famosa da banda Yes, com um espaço de vinte e cinco séculos entre aquele e esta. Não importa o idiom
a, o lugar ou a circunstância, mesmo que sem pompa. O sentido do tempo não muda, não se abala,
brinca apenas, como um menino travesso e irreverente. O tempo foge pelas linhas sinuosas da vida, passa por charmosas avenidas, pelos becos escuros e sujos, pelos labirintos e pelos buracos, ora deixando rastros, ora apagando pistas, às claras ou de tocaia. Tripudia soberano sobre o pastor e as ovelhas, sobre os telhados e os porões, sobre a intocável e a meretriz, sobre o moço e o velho. Irrequieto, não há pântano, cordilheira, nem floresta, por mais virgem, que o detenha. O tempo voa! Com as asas da mariposa ou com a velocidade da luz. Qualificar o tempo é impossível. Todos os adjetivos, todos os verbos, todas as palavras, mesmo que juntas e emparedadas como fortalezas, não conseguem definí-lo. Segurá-lo, então, nem em sonhos! Mágico, ilude a retina enquanto a foto acontece, como se possível fosse prendê-lo refém no papel Kodak, no chip de memória ou na tela do computador; misterioso, abrevia em meros segundos dores antigas, mas perpetua por uma eternidade os segundos impulsivos e desordenados de um orgasmo; intrigante, instiga de forma inefável o filósofo e o poeta que passam o tempo na tentativa de decifrar o tempo; dissimulado, dá a resposta ao físico sobre a relatividade das coisas, mas muda as perguntas para que o tempo seja consumido em busca de novas respostas, como um moto perpétuo, sem começo, nem fim, sem dó, nem piedade, sem pé, nem cabeça; romântico, mata de ardores os amantes no fogo letal da paixão, mas permite a imortalidade aos amores de Tristão e Isolda, aos amores de Dulcinéia pelo cavaleiro andante, aos amores de Eurídice, envolta no sono de Orfeu. O tempo não pára, nas tintas fortes do poeta-cantor,
morto em tão pouco tempo. “Oh tempo, oh costumes”, definhava-se o senador romano Cícero em suas imprecações contra Catilina. “Oh tempo, oh costumes”, corrói-se o executivo atrevido na Quinta Avenida, na busca frenética de lições de administração de tempo, para procurar inverter a ordem bíblica que provavelmente assim ficará em um moderno testamento: “há tempo para tudo, tempo para colher primeiro, tempo para semear depois.” Ah, quantas laudas pode se escrever sobre o tempo, mas quanto pouco tempo temos para tanta pretensão. O que fazer então? Sentar com o tempo, traçar as cláusulas de uma coexistência pacífica com ele. Talvez “domá-lo” de uma forma marota, que nem ele perceba. E viver com ele, ao seu lado, andando juntos. E subtrair do tempo, o seu melhor. Surrupiá-lo, como ele faz conosco. Como fazem aqueles que vivem muito, que vivem bem, não necessariamente em termos de longevidade ou em termos materiais. Como fazem aqueles que devotam tempos longos a causas soberbas, como ao amor, à família, à amizade, ao trabalho, à arte, à leitura, à escrita, à poesia e à prosa, ao culto dos autores e cantores que amenizam nossa existência, ao petisco e ao vinho, à tagarelice e tudo o mais que possa ser uma boa causa para se consumir um bom tempo. Como fazem aqueles que se dedicam a causas mais profanas, mais encobertas, como os amantes, mas igualmente causas inerentes e necessárias aos poros de cada ser humano, pois infeliz aquele que não encontra tempo para amar, em todos os sentidos e em toda a plenitude, se possível. Como faz aquele que, como outro poeta famoso, Horácio, aproveitava cada dia, vivendo-o como se cada dia fosse uma parcela de uma eternidade findável. Curta cada dia, poeta! Aproveite o dia, poeta! Carpe diem!

Por Gentil Gimenez

11 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Gentil, trocadilhos à parte, foi muita gentileza sua nos enviar texto de tão alta qualidade.
Acredito que todos que se dispuserem a dedicar uma pequena cota de seu tempo para ler tão sábias palavras, estarão, em pouco tempo, armazenando em sua consciência uma excelente definição do tempo.
Confesso que, para mim, não foi perda de tempo ler esse texto filosófico.
Valeu1

Arthur Miranda disse...

Vou comentar enviando um texto de Catulo da Paixão Cearense, que tem como titulo O TREM DE FERRO.

Em um trem em grande dispara pai e filho corriam, e ambos que viam? As montanhas, os montes os horizontes, o matagal serrado, os penedos, os rochedos os arvoredos. Tudo a correr com a rapidez do vento tresloucado.
E o trem, que era em verdade o que corria, parecia estar parado.
A criança o petiz cheio de espanto lhe perguntou ? -Papai! Por que é que tudo ao longe esta correndo tanto e o trem daqui não saí? Os passageiros riram, pois sabiam que o petiz se enganara, o trem que parecia estar imovel era em verdade quem corria e voava. Dos passageiros todos, um somente nem de leve sorriu,e então os passageiros riram dele porque ele não se riu. E o poeta.
Era um poeta, disse então: É natural senhores a ilusão do petiz iludido, a quase todos nós o mesmo tem acontecido, e voz meus senhores, os cientistas, sábios e doutores, cais no mesmo engano lisonjeiro, Afinal todos nós nos enganamos Quando diariamente afirmamos: Como é que o tempo passa tão ligeiro. E na verdade somos nós que passamos.

Wilson Natale disse...

Gimenez: Esse é o segredo da vida. "Campare il giorno", carpe diem,Viver!
Viver, não o tempo a passar. Mas seguir com o tempo. E o tempo é relativo - o tempo a gente inventa.
Se formos sábios, o Pai Tempo nos levará com ele.
O Tempo passa depressa. Mas não se deve lamentar o tempo a passar. Devemos sim, lamentar o tempo que se perde em meio às coisas pequenas.
"Campare il giorno", pois Cronos devora tudo, não deixa nada para trás.
Abração,
Natale

Anônimo disse...

O Gentil é advogado e um escritor de primeira. Porém, fica encabulado e nunca posta seus escritos. Então tomei a liberdade de enviar este, na esperança que daqui em diante ele compartilhe conosco suas produções.
Abraços e "Carpe diem"!

suely schraner disse...

Êita, que saiu "anônimo disse". Me faltou familiaridade com esse negócio de URL e nem sei o que mais.
Abraços, Suely Schraner

Luiz Saidenberg disse...

Belíssimo texto. Parabéns ao Gentil e à Suely, que o enviou.
Além das belas referências, traz sua própria sabedoria: tb eu creio que o único modo possível de conviver com o Tempo, é realmente fazendo-o. Sentemo-nos com ele, numa mesa de um velho botequim, batamos um bom papo, tomemos um ótimo vinho, contando ainda com a presença da mulher amada. Ao fundo, um belo samba canção. E aí sim, ele não foge, nem luta contra nós, não nos devora, como faz a seus filhos; não nos deixa para trás nem para a frente, mas carrega-nos em suas asas, para sempre, para todo o sempre. Não fazendo tocadilho, em tempo: este belo texto despertou tb filosóficas divagações nos leitores, como mostra o ótimo exemplo do Arthur.

Modesto disse...

Uma ode sobre o tempo, sem nem sequer, abrevia-lo para não perde-lo. O longo tempo dessa escrita leva muito pouco tempo pra devora-la e um longo tempo pra digeri-la. Emoção é que sobra ao sabermos tanta coisa sobre o tempo em tão pouco tempo. Ao redigir esse trabalho sobre o tempo, o sr. Gentil teve a gentilesa de nos ofertar essa bela crônica sobre o maior dos mistérios que a natureza guarda: o tempo. Alias, a oferta foi da Suely, que teve tempo e não nos esqueceu. Parabéns.
Modesto

Luiz Saidenberg disse...

Caro Gentil; pensando sobre suas palavras sobre a convivência com o tempo, de andar junto com ele, cheguei a um outro passo: realmente, temos de aceitá-lo, torná-lo nosso cúmplice, e finalmente assumí-lo. Tornar-nos um com ele, vestir sua roupa, e tornar-mos, nós mesmos, a personificação dessa entidade, invisível e onipresente.
De contrário, ela nos esmaga e tritura, como no quadro de Goya. Abraços.

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Gentil, o tempo caminha lado a lado conosco, as vezes nos falta, as vezes nos surpreende com promessas futuras e até nos ajuda a esquecer os maus momentos, parabéns pela crônica, abraços, Leonello Tesser (Nelinho)

Soninha disse...

Olá, Gentil!

Seja bem vindo!

Ah, o tempo! Um piscar de olhos,diante da eternidade...
Somos entusiastas da vida e devemos valorizar cada momento, seja bom ou ruim. Pois podemos atrair bençãos ou tormentos, luz ou sombra, tristeza ou alegria...só depende de nossa disposição, sem pensar no tempo.
Sorrir a cada manhã, já é um bom começo para melhor admnistrarmos o tempo, não é mesmo?!
Valeu, Gentil!
Obrigada.
Muita paz!

suely schraner disse...

De Helena Miyaji@... (via e-mail para Suely)
"Achei de uma atenção e carinho sem tamanho o fato de vc ter enviado o textotão bonito do Gentil.
Realmente,merece ser lido por mais pessoas.
Grande beijo,
Helena.