segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Batizados(Ou um batizado a la italiana – o meu, no caso)

Narrativa baseada nos depoimentos da minha mãe e de minha avó.
Hoje em dia, batizados nada têm a haver com os batizados tradicionais. Hoje, a criança
nasce e os pais escolhem os padrinhos, marcam o batizado. No dia, todos estão na igreja com o bebê. Batizam a criança e vão comemorar em um dos muitos salões infantis que existe pelos bairros desta amada São Paulo.
Nasci na Mooca, onde os imigrantes ainda predominavam. Imigrantes que trouxeram junto com eles todas as tradições da velha Europa. Por isso, meu batizado e o batizado de tantos outros, foram organizados e celebrados dentro dessas tradições.
Minha avó, lá pelo fim de Maio de 1947, virou-se para minha mãe e disse: “Tu stai incinta!” (Tu estás grávida!). Na semana seguinte, o Médico de Senhoras confirmou a gravidez. Na mesma semana, vovó já estava no tanque, lavando a “camisolinha de pagão” usada pelo meu pai, no dia do seu batizado.
Nos meses que se seguiram tudo girava em torno do bebê (eu) por nascer: Homenageando os antepassados, meu nome seria Marcello, nome do irmão da minha avó, falecido nos anos da Guerra. E também já tinha padrinhos!
Tarde de terça-feira, 27 de janeiro de 1948. Minha mãe, imensa, estava bebendo coca-cola e saciando a fome com um segundo sanduíche de mortadela. De repente, uma contração. Mais um tempinho, outra... Mais outra. Foi um corre-corre, rumo à maternidade.
Às vinte horas e quarenta e cinco minutos, eu fiz a minha estréia no mundo. Eu, uma coisa com cara de joelho, de 50 centímetros de altura e pesando 5 quilos! Nenê grande e gordo só poderia ter um único apelido: “Ciccio” (gordo).
Quinta-feira, dia 29. Meu pai e padrinhos entraram no quarto da minha mãe, na maternidade. Traziam o meu Registro de Nascimento. Vovó, excitada, tirou o registro da mão de papai e leu o meu nome: Wilson... WILSON?! Ficou histérica. Mostrou o registro à mamãe e a “mamm

etta” começou a chorar. Vovó, possessa, gritava no dialeto: “Como vocês tiveram a ousadia de mudar o nome do menino?” Falou, falou. Gritava tanto, que a enfermeira entrou no quarto e pediu que vovó se acalmasse. Chorando, abraçada à minha mãe, ela respirou fundo e disse: “Vocês não são mais a minha família”!
Eu, com um pé na Calábria e outro na Campânia, que deveria chamar-me Marcello, tornei-me Wilson! Tudo porque a minha madrinha, muito moderna, mudou o meu nome. Afinal, Wilson era o nome da moda no pós-guerra. Era chique!
Sábado de manhã, mamãe saiu da maternidade e voltou para casa. À tarde, “a nonna” me deu o primeiro banho fora da maternidade. Vovô foi ao quarto e retirou-me do berço e saiu para a rua. Foi mostrar à vizinhança o seu novo neto. E não contente, mostrou também “os documentos” do neto.
No sábado seguinte, à tarde, deu-se o meu batizado pagão. A família toda na sala. Em fraldas, fui levado pelo meu tio Amedeo ao meu avô. O “nonno” abriu uma garrafa de vinho seco, despejou o líquido em uma colher e fez com que eu bebesse. Vovô grita: “Uva!” E todos respondem: “Vida!” E aplaudem.
Mas, o meu batizado cristão ia de mal a pior. Cansada de esperar “pela boa vontade” da minha madrinha que se incumbira de marcar o batizado (já era dezembro), a “nonna” vai a San Gennaro. Descobre que só poderia marcá-lo dali a dois meses. Louca da vida, ela vai para o Brás e marca o meu batizado na Igreja do Bom Jesus...
Lá estava eu, na Igreja do Bom Jesus, no colo da minha madrinha, vestido com a camisolinha de pagão do meu pai. Os olhos de vovó brilharam de satisfação quando o padre disse: Wilson, eu te batizo com o nome de Wilson Marcello, de São Marcello, nome do seu padrinho espiritual, etc, etc... Minha “nonna” sentiu-se vingada. Mas não muito.
Depois do batizado, o almoço para os padrinhos. Depois do almoço, a festa. Os parentes foram chegando, a vizinhança também. Só Alegria! Os amigos de papai e vovô chegaram, trazendo o violão e a sanfona. Tudo foi festa, risos e cantoria...
Até que vovó, esperando o momento certo, resolveu contar aos convidados o “crime” imperdoável do meu pai e da minha madrinha. Dramatizou, chorou, contou tudo! Consternados, os convidados lamentaram a dor e sofrimento da minha “nonna” e lançaram olhares acusadores contra papai e meus padrinhos. O clima ficou tão pesado que os meus padrinhos foram embora.
A “nonna” fora perfeita em seu desempenho. Amparada, consolada por minhas tias
e vizinhas, intimamente comemorava a sua vingança! Minha “nonna” gostou tanto da sua atuação, que resolveu reprisá-la nos dois primeiros aniversários que comemorei.
Do terceiro em diante, meus padrinhos vinham trazer o meu presente com antecedência, inventando mil desculpas por não estarem presentes no dia da comemoração.
Eu passei parte da minha vida sendo chamado de Ciccio...
E, quando adolescente, eu “caia na vida”, dei a mim um “nome de guerra”: Passei a chamar-me Marcello. Nome perfeito para um adolescente que tinha um forte sotaque ítalo-partenopese. Pois, se eu dissesse que me chamava Wilson, não iam acreditar. Iam dizer que era um “nome de guerra”...

Por Wilson Natale

16 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Que maravilha!
As tradições europeias, a dramacidade italiana, as adaptações brasileiras que foram surgindo ao longo os tempos, tudo isso me encanta demais, pincipalmente quando narrado por um professor de seu quilate.
Natale, seja lá Wilson ou Marcello, nós temos o privilégio de te-lo neste seleto grupo.
Fomos aquinhoados pela sorte.
Escreva muito mais amicci!

Soninha disse...

Olá, Wilson!

Minha família, sempre muito católica, costumavam colocar o nome dos bebes dos santos a que o dia do nascimento correspondia...
Felizmente minha mãe e meu pai nã se davam a esta tradição e escolheram os nomes de seus filhos livremente.
Seu texto me fez lembrar, também, do costume de meus avós e de minha mãe, de sempre deixar uma pequena lâmpada acesa, no quarto onde os bebês dormiam, enquanto não fossem batizados, pois alegavam que tinha de ser assim para os bebês ainda pagãos...sem muitas explicações, todas as mamães da família seguiam à risca o aconsalhamento das mais velhas. Depois de batizados, os bebês poderiam dormir no quarto escuro, caso as mães assim quisessem.
Valeu, Natale.
Obrigada.
Muita paz!

Arthur Miranda disse...

Otimo Marcelo, digo Natale, gostei de saber um pouco dessas tradições Italianas com respeito a Batizados batizando,pais,avós,nonas,padrinhos,tradições, superstições dramas e Cia. Ltda... Roteiro ideal para uma ótima comedia italiana. Sugestão: faça um roteiro e Filme, sucesso garantido nos Palcos e nas Telas. Só eu garanto a compra de 6 ingressos e pelo menos dois DVDs. Parabéns.

Modesto disse...

Natale, se vc nasceu em 1948, na maternidade do Braz, na rua Bresser, eu lembro que estava indo pra escola Senai, na Moóca, viajando no bonde "Moóca 9", pela rua Brsser quando ouvi um tremendo berro (tenor) de garoto, saindo da maternidade. Até o motorneiro se assustou, parou o bonde pra ir ver o que tinha acontecido. "Nasceu mais um italianinho...", disse ele.
Em outra ocasiaão, alguns meses depois, estava indo pro cine Piratinimga, passando em frente a Igreja Do Braz, ouço novamente o mesmo berro, (dessa vez já era de barítono) e pensei: "estão batizando o italianinho" (rsrsrsrsr)
(Si non'e vero...)scusati lo scherzo. Natale belo... Seu texto foi formidável, era tudo daquele jeito, mesmo. Parabéns, Wilson (Marcelo Ciccio)
Modesto

suely schraner disse...

Gostei deste batizado incomum. mandou bem, Wilson!

Wilson Natale disse...

MIGUEL: Obrigado pelo professor, apesar de um "foram" no lugar de um "foí", ai neste texto (risos).É o que acontece quando se resume um texto de várias páginas e se esquece de revisar.
Pelo menos vocês ficaram sabemdo como uma mistura de calabrês e napolitano acabou por se chamar Wilson. Nome pelo qual a minha avó nunca me chamou. Até o fim de sua vida quase centenária ela me chamou de Ciccio.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

SONINHA: O nome que eu teria seguia a tradição de homenagear aos antepassados e ao Santos. Eu teria o nome do meu tio-avô e, ao mesmo tempo o nome de um Santo: São Marcello,papa.
E ainda bem que não davam prioridade ao Santo do dia. Fosse assim, eu seria Giovanni Crisostomo (S. João Crisóstomo). Já pensou?...
A tal luzinha a que você se refere era a luz da presença de Deus. Como aquela luz que perenemente fica acesa na capela do Santíssimo, nas igrejas. Era para, caso o pagão morresse dormindo, os anjos o levasse. Era uma tradição, hoje desaparecida, muito forte.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

ARTHUR: Na Mooca o filme nãofaria muito sucesso. Há histórias hilárias, piores que as minhas.
Como o caso daquelas crianças "nascidas de 7 meses". Sempre tinha alguém que bebia uns copos a mais e estourava a bomba no meio da festa.
Era comum se dizer que "Festas da italianada" terminavam em bebedeira ou pancadaria (risos).
Pena que eu me direcionei para a Fotografia. Se me direcionasse para os filmes jã teria feito um monte de Curtas sobre o tenha Italianada, Graças a Deus!
Abração,
Natale

Memórias de Sampa disse...

Olá, Natale!

Corrigido o "foi", ok?!
Desculpe-me. Acho que foi minha velhice galopante que me desviou a atenção, ao editar...kkkkkkkkk
Muita paz!

Wilson Natale disse...

LARÙ: Você tem toda a razão. Eu sou um CARUSO! Minha voz é tão forte e potente que fui proibido de cantar no Municipal. A primeira e última vez que cantei lá, causei um estrago devastante.
Comecei a cantar e o povo vibrou de emoção. Gritavam! Arrancaram as poltronas e as atiravam contra o palco. Tentaram até, incendiar o pano de boca. Alguns enfartaram, outros enlouqueceram, tal a beleza da minha voz... Ahahahahaaaaaaa!!!
Valeu!
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Filme, e italiano, mesmo. Cenas dignas de Mario Monicelli, o grande diretor recentemnete falecido. E já que sua nonna insistia em " Marcello ", vc poderia ter acrescentado Mastroianni, e pronto, sucesso garantido. Talvez até fosse convidado por Fellini para La Dolce Vita ! Ótimo e divertido texto, Wilson Marcello !

Wilson Natale disse...

SUELY: Eram outros tempos e havia um apego muito grande pelas tradições. Aqui na Mooca era bastante comum toda essa pompa e circunstância um tanto dúbia.E a tensão era tão grande que, qualquer erro fazia todo mundo explodir.
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

SONINHA: O erro foi meu mesmo (risos). Tentando resumir o texto quilométrico eu mudei a frase e esqueci de substituir o foram por for.
Não é velhice sua. É desatenção e burrice minha! Ahahahaaaaaa!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

SAIDENBERG: O Marcello ficou por conta do certificado de batismo.
Virou um bom "nome de guerra" que, quando eu o dizia, todos acrescentavam Mastroiani... E não gostava muito. Por causa do Mastroiani, alguns amigos se divertiam em me chamar de "Il bello Antonio"... Eu ficava p...íssimo da vida.Lembra do filme? Pois é!...Ahahahaaaaa!
Abração,
Natale

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Natale, Wilson ou Marcello tanto faz, o mais importante é que temos você como nosso amigo neste modesto espaço escrevendo suas histórias alegres retratando as velhas tradiçoes das famílias italianas, parabéns pelo texto, abraços, Nelinho.

Wilson Natale disse...

NELLO: Muito obrigado! E esteja certo que você, todos desse site são importantes para mim. É uma questão de afinidade, empatia.
E o bom é que o site não é uma sala de estar onde se recebe visitas. É uma deliciosa cozinha, onde nós, os que "já somos da casa", nos sentamos em tono da mesa a contar causos e a tomar cafezinho e a falar das décadas, que nos é comum, dessa Cidade. Esperam que outros venham harmonicamente, a agregar este site e nos contar suas histórias.
Abração,
Natale