segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sonar Radar



Estou no clímax do fechamento de uma partida de tranca. Sim tranca, aquele jogo derivado do buraco, no qual o três preto tranca o jogo e cada um coloca suas regras que são contratadas no início da partida, do tipo: Não vale lavadeira, morrer com três preto na mão perde 100 pontos cada, e outras mais. Em nossa turma o jogo é o mais simples possível, vale tudo, até roubar se for bem feito e não descoberto.
Desculpe-me, vamos retornar ao tema. Minha vez de comprar bastava um coringa ou um seis de espada e eu e meu parceiro João Magro mataríamos a partida com mais de 500 pontos de vantagem sobre nossas queridas parceiras a Paula e a Alice.
Comprei a carta e, antes mesmos de olhar qual era, sinto algo estranho escorrer por minha testa, vindo parar no bigode. Foi uma gargalhada em coro por parte dos parceiros. Passei a mão e pude contemplar um liquido espesso esverdeado e de um aroma fétido. Lentamente levantei o olhar para verificar a origem do mesmo. Foi difícil acreditar, era a cagada de um morcego. Isto mesmo, de um morcego.
Nossa mesa de jogo fica na varanda dos fundos da casa em Bertioga e, acima da mesa, pendurado na viga de sustentação da cobertura, a nossa caseira Marilene colocou um bebedouro para atrair os beija-flores que por lá são inúmeros, de diferentes tamanhos e cores.
Acontece que durante a noite este líquido, que é uma mistura de agua com açúcar, atrai os morcegos e este nosso amigo mal educado já estava viciado em vir servir-se deste néctar colocado à disposição de forma fácil e abundante.
Imediatamente eu, pródigo em travessuras e com o ego ferido pelo bicho ter cagado em minha cabeça, tracei um plano de vingança.  Retirei o bebedouro do arame que o sustentava pendurado na viga. Fui para a cozinha e o lavei bem e preparei novo néctar, porém desta vez a fórmula era cachaça com açúcar. Voltei para a mesa e comentei com o pessoal que, depois de ter aprontado aquela comigo, o visitante deveria ser premiado com uma nova água fresca e limpa.
Recomposto, reiniciamos o jogo; e eu não peguei nenhuma das cartas esperadas e ainda por cima tive que dispensar uma carta colocada que foi a canastra dos adversários. O jogo continuou e por fim eu, que já estava cagado, e meu parceiro João, acabamos perdendo aquela mão e ainda dando uma ré de trezentos pontos o que recolocou as duas novamente na partida.
Agora o jogo certamente iria se estender por mais algumas horas.
Nossa anfitriã, Alice, refez o refil de cerveja gelada, azeitonas e amendoins e, ao iniciarmos a partida, recebemos a visita do nosso amigo cagão.
Ele chegou voando rasante por sobre o muro dos fundos e, com uma manobra digna da esquadrilha da fumaça, orientado por seu infalível sonar radar, pendurou-se de cabeça para baixo no bebedouro de onde sorveu um longo trago antes de retirar-se em nova manobra acrobática com um maravilhoso looping e desapareceu por sobre o telhado da casinha dos fundos.
Jogo reiniciado, cartas distribuídas e lá vem ele novamente com tudo no bebedouro. Alice exclama:
– Marcão ele gostou da nova agua que você colocou, deve estar mais docinha que a anterior. Não respondi, apenas balancei a cabeça de forma afirmativa e fiquei com um olho concentrado no jogo e outro no morcego.
Acabamos de ganhar esta rodada com uma atuação brilhante de meu parceiro o João que estava mais concentrado e foi por poucos pontos de diferença. Este resultado nos aproximava do final da partida, quando ele retornou, agora acompanhado por um amigo de copo e de bar. O amigo pendurou-se na viga enquanto o cachaceiro foi direto ao copo, quero dizer ao bebedouro. Nesta oportunidade sugou um longo trago e pude ver o nível da “Água” baixar rapidamente. Após o trago ele desprendeu um dos pés do bebedouro e ficou pendurado com apenas uma das pernas. Olhou com os olhos arregalados para mim, soltou a perna que o prendia ao bebedouro, ligou o sonar radar e disparou em um voo em parafuso batendo de cara no muro branco entre nossa casa e a do vizinho. Seu companheiro saiu da viga e foi até o chão na beira do muro para ver o real estado do amigo, porém nada podendo fazer neste caso e sem compreender o que ocorria partiu e desapareceu no negrume da noite.
Estabeleceu-se então uma enorme gritaria por parte das mulheres que indignadas me acusaram de ter envenenado a água dos passarinhos. Assim que elas deram um tempo pude explicar que não havia envenenado a água, apenas tinha colocado no bebedouro uma água que passarinho não bebe.
Peguei o Morcego cagão e pude constatar que estava vivo, apenas estava chapado. Com cuidado coloquei-o sobre o muro para que a bebedeira passasse e então pudesse retornar seguro à sua morada.
Passadas algumas horas percebemos que ele não estava mais sobre o muro. Não sei se levantou voo ou simplesmente caiu do lado do vizinho.
O jogo não terminou. Indignadas por minha atitude a Alice e a Paula negaram-se a continuar a partida decretando a nossa derrota pelo ocorrido.
Perdi o jogo, mas não poderia deixar o cara defecar na minha cabeça e sair impune.
Depois deste episódio abolimos a prática de colocar bebedouros para pássaros em casa.
E descobri que, mesmo com sonar radar, bêbado não pode voar.




Por Marcos Falcon

5 comentários:

Soninha disse...

Olá, Falcon!

Há quanto tempo, heim?!
Que situação! Levar uma cagada de pombos ou pássaros é, até, normal... Mas, de morcego??? kkkkkkkk
A vingança foi boa, embora eu ache que o bicho gostou muito da água que passarinho não bebe.
Valeu.
Feliz 2014!
Muita paz!

Anônimo disse...

Obrigado Soninha um 2014 lindão para vocês
Falcon

margarida disse...

Falcon,adoro ler suas historias que sempre me alegram e me faz rir de montão. Nunca imaginei que alguém faria isso com um pequenino morcego...rsrs, mesmo que ele seja ladrão de bebida do beija-flor.Adorei sua historia, um beijo e feliz ano novo pra toda sua família.

Wilson Natale disse...

FALCON, que maldade!
Afinal todo mundo sabe que os morcegos são os ratos bonzinhos que viraram anjos.
Já que você tinha dado um fogo no coitado, devia segurá-lo no chão e cagado em cima dele! Ahahahahahahahahahaaaaaaaaaaaaaa!
Valeu! Adorei!
Abração,
Natale

Modesto disse...

De tanto ser perseguido por "falcões", o filhote do "Bat-man", na primeira oportunidade, se vingou de um Falcon.
Espero que vc tenha servido pelo menos, de alambique confiável.
Gostei de sua crônica, Marcão, parabéns.
Modesto