domingo, 13 de novembro de 2011

Praça 28



imagens da internet: Praça 14 Bis e Avenida 9 de Julho
Ayrton foi o cara mais divertido que já conheci numa agência de propaganda. Era o palhaço da turma. Simpático e bem vestido, à primeira vista, ninguém o diria. Mas, logo seu rosto, como de borracha, contraía-se em caretas surpreendentes e não dava mesmo para levar a sério.
Gozava com todo mundo; era produtor de TV, mas a sua real ocupação era inventar brincadeiras com o pessoal. Colocava sacos com talco sobre as portas, de modo que a pessoa que abrisse ficasse toda empoeirada. Organizava os disputados torneios de pebolim, na hora do almoço.
Montou um cineclube após o expediente, onde vi muita coisa boa, inclusive Cidadão Kane, de Orson Welles, O Silêncio e Morangos Silvestres, de Bergman. Mas, nem sempre tal nível era mantido; de vez em quando era mesmo uma fita pornô, em preto e branco.
Havia outra brincadeira, na qual pedia a um ingênuo para equilibrar uma moeda na testa, de modo a tentar derrubá-la num funil colocado abaixo, para ver se a moeda passava. Mas o funil estava tampado, e quando o coitado baixava a cabeça, recebia um jato de água do recipiente.
Fora isto, era sério e competente em sua função, que exercia com dignidade, coisa surpreendente no clima de corrupção, caixinhas e "bolas" que imperava entre os produtores da época.
Mas, sua principal característica eram habilidades extraordinárias; vertia lágrimas na hora que queria; soltava fumaça pelos ouvidos e bolhinhas de saliva pelo nariz.
Generoso, dava carona aos colegas pedestres, que iam para seus lados. Entrávamos na sua DKW e seguíamos a 9 de Julho afora, pois eu ia ficar na altura do Planalto Paulista. Nesse trajeto, passávamos pela Praça 14 Bis, onde a réplica do avião de Santos Dumont decorava seu canteiro central. O bom Ayrton proclamava então, com sua voz parecida com a de Ronald Golias: - Praça 28!
Essa grande figura já passou para o andar de cima, mas a praça ficou sendo, para mim, para sempre, 28. Mesmo desfigurada, com viaduto e passarela no meio, sem avião, não tem importância: é Praça 28, e acabou.
Por Luiz Saidenberg

15 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, sem duvidza eu e seu amigo fariamos uma grande dupla. Brincadeiras eram e são, até hoje. minha praia favorita.
Agora, novo batismo para minhz Praça 1'4 Bis, essa eu nunca soube...

margarida disse...

Saidenberg,dentro dos grupos sempre tem um que é mais saliente e extrovertido. O Ayrton era um deles, até o nome da praça ele fazia questão de mudar, realmente um cara inesquecível em tua vida. Muito legal seu texto.

Soninha disse...

Olá Luiz!

Adorei o modo como o Ayrton se reportava à Praça 14 Bis...kkk
É bacana...as pessoas serem espirituosas, sem deixar de ser legais e prestativas.
Seria mais legal ainda se a Praça tivesse o avião, né!
Valeu! Obrigada.
Muita paz!

marcia ovando disse...

Acho que toda turma tem um Ayrton!Na minha turma do Levy tínhamos o Aimar:figurinha inesquecível.
abraço

joaquim ignacio disse...

Luis, sempre existe um mais extrovertido, mais alegre em qualquer turminha formada, é de praxe. Carona em uma DKW, heim? (Até hoje não entendo porque agente chamava os DKW de DKV. 'Cê sabe porque?)
Seu texto, como sempre é ótimo e sempre com um humor 'very british', gosto muito.
PS: Apenas uma pequena lembrança:
logo após a saída do túnel, em direção ao centro havia um grupo estatuário que, depois de vandalizado, foi retirado - Laocoonte e seus filhos sendo devorados por uma hidra -, e um caça da 2ª Guerra, um T6 Harvard que foi literalmente depenado. O que sobrou do avião foi recolhido ao Campo de Marte pela FAB. A réplica em metal do 14 bis encontra-se na Pça Campos de Bagatelle.
No local, em 1946, houve a queda de um Paulistinha (lembro-me bem, era de lona azul...)
Abraço do Ignacio

Arthur Miranda disse...

Luiz, belo texto e muito bem sacada pelo Airton, essa de Praça 28. Adorei, Parabéns. Tenho certeza que eu também me daria muito bem com o Airton.

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado.
O Airton era mesmo uma dessas pessoas que dão alivio á missão, sempre dura, de trabalhar.
Meu caro Joaquim, não sabia que Laocoonte esteve na "Pça.28". Esse belo grupo estatuário está agora numa das esquinas interiores do Ibirapuera, e é mesmo fascinante. E tb não soube do outro avião.
Já nessa época, então, existiam os bárbaros que sujam e destroem o que há de belo em São Paulo, tentando igualar tais locais com a miséria onde vivem. DKW- Das Kleine Wunder, a Pequena Maravilha, embora não fosse assim tão maravilhoso. E gostei do Very British, embora eu esteja mais para uei, paesano! Abraços.

joaquim ignacio disse...

Luis, meu comentário ficou um pouco confuso; deixe-me explicar:
1) Por volta de 1945/46 a Av 9 de Julho atravessava uma área desabitada (atual Pça 14 bis) onde um 'teco-teco' Paulistinha tentou uma aterrisagem forçada e acabou capotando; criança, fui ver os destroços.
2) O T6, nunca entendi muito bem, foi quem deu o nome à Pça 14 bis (durma-se com um barulho desses!)
3) A estátua de Laocoonte e seus filhos é uma das lembranças mais fortes de minha infância no Bexiga; até hoje, quando passo por lá, procuro a estátua com o 'rabo dos olhos'.
Abraço do Ignacio

suely aparecida schraner disse...

Ah, esses personagens que povoam nossas memórias e, neste palco nem sempre iluminado, inspiram lindas histórias. Muito bom, Saidenberg!

Laruccia disse...

Oh, Luiz, o Ayrton era o tipo do verdadeiro relaxante em qualquer área de trabalho. Conheci alguns, de saudosa memória, incluxive eu, gostava de "aprontar". Uma ocasião, em reunião de vendedores do Matarazzo, fomos apresentados para o novo chefe de vendas, um argentino de nome (fictício) Arturo. "Mira, usteds, jo soi enbiado del próprio sr. conde i quiero ordenm i disciplina, e..." Eu levanto da cadeira fui até o ventilador, que estava ligado, estendi uma folha de papel na direção do vento, fazendo ela tremular feito uma bandeira. O argentino logo quiz saber: "que estas haciendo, Modesto?" respondi: "prometi ao cliente que o assunto dele seria ventilado na reunião de hoje. E é o que estou fazendo..." Recordação gostosa, Saidenberg. Parabéns.
Laruccia

Luigy Marks Yang disse...

ok

Wilson Natale disse...

Pois é, Saidenberg, O seu amigo pode ter ido para o andar de cima. Mas, através de sua lembrança ele revive e faz das suas: Ensinou-me uma coisa importante: Janeiro que vem, faço 32 anos... Ahahahaaaaa!!!
Pessoas asssim, acabam com a monotonia e o tédio!
Obrigado por relembrar-me da DKW, que virou Taxi-mirim! E, por tabela, o "possante" Gordini e, claro, os Dauphines.
Bello texto!
Abração,
Natale

Wilson Natale disse...

JOCA: O Laocoonte parece-me que está no Parque Ibirapuera. Digo "parece-me", porque há uma outra na Pinacoteca.
Estátuas e o túnel parece-me incompatíveis. Lembra do "auê" que deu, quando colocaram lá "O Beijo" ou "O Idílio"?
Triste também é passar por lá e ver as fontes de água e luzes que há "séculos" não funcionam mais...
Aqui, tudo se cria e tudo se destrói, ou deixa-se ao Deus dará.
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Natale,
o Laocoonte original, do Vaticano, é mais mutilado que a cópia do Ibirapuera. Mas ficou boa a restauração...da Pinacoteca não lembro. Sempre vamos lá; preciso consultar de novo o andar superior, das esculturas. Qto ao V do DKW, Joaquim, talvez porque o W soa mesmo V, em alemão. Mas, como isto se transmitiu ao popular brasileiro, não sei. Veja-se que o Volkswagen tb se pronuncia Folks, como em alemão,ou Fusca, por aqui.
Abraços.

Zeca disse...

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Saidenberg!

Quem não teve um companheiro de trabalho, ou mesmo de estudos, como o Ayrton, que alegrava os seus dias e os dos demais colegas. Eu morei na 9 de julho, no prédio ao lado da FGV e lembro bem da Praça 28, se bem que, para mim, 28 só a partir deste seu belo texto.

E o melhor de tudo é que, com seu jeito irreverente e bom coração, o Ayrton mudou de andar, mas deixou saudade.

Abraço

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