imagens da internet: Praça 14 Bis e Avenida 9 de Julho
Ayrton foi o cara mais divertido que já conheci
numa agência de propaganda. Era o palhaço da turma. Simpático e bem vestido, à
primeira vista, ninguém o diria. Mas, logo seu rosto, como de borracha, contraía-se
em caretas surpreendentes e não dava mesmo para levar a sério.
Gozava com todo mundo; era produtor de TV, mas a sua real ocupação era inventar brincadeiras com o pessoal. Colocava sacos com talco sobre as portas, de modo que a pessoa que abrisse ficasse toda empoeirada. Organizava os disputados torneios de pebolim, na hora do almoço.
Montou um cineclube após o expediente, onde vi muita coisa boa, inclusive Cidadão Kane, de Orson Welles, O Silêncio e Morangos Silvestres, de Bergman. Mas, nem sempre tal nível era mantido; de vez em quando era mesmo uma fita pornô, em preto e branco.
Havia outra brincadeira, na qual pedia a um ingênuo para equilibrar uma moeda na testa, de modo a tentar derrubá-la num funil colocado abaixo, para ver se a moeda passava. Mas o funil estava tampado, e quando o coitado baixava a cabeça, recebia um jato de água do recipiente.
Fora isto, era sério e competente em sua função, que exercia com dignidade, coisa surpreendente no clima de corrupção, caixinhas e "bolas" que imperava entre os produtores da época.
Mas, sua principal característica eram habilidades extraordinárias; vertia lágrimas na hora que queria; soltava fumaça pelos ouvidos e bolhinhas de saliva pelo nariz.
Generoso, dava carona aos colegas pedestres, que iam para seus lados. Entrávamos na sua DKW e seguíamos a 9 de Julho afora, pois eu ia ficar na altura do Planalto Paulista. Nesse trajeto, passávamos pela Praça 14 Bis, onde a réplica do avião de Santos Dumont decorava seu canteiro central. O bom Ayrton proclamava então, com sua voz parecida com a de Ronald Golias: - Praça 28!
Essa grande figura já passou para o andar de cima, mas a praça ficou sendo, para mim, para sempre, 28. Mesmo desfigurada, com viaduto e passarela no meio, sem avião, não tem importância: é Praça 28, e acabou.
Gozava com todo mundo; era produtor de TV, mas a sua real ocupação era inventar brincadeiras com o pessoal. Colocava sacos com talco sobre as portas, de modo que a pessoa que abrisse ficasse toda empoeirada. Organizava os disputados torneios de pebolim, na hora do almoço.
Montou um cineclube após o expediente, onde vi muita coisa boa, inclusive Cidadão Kane, de Orson Welles, O Silêncio e Morangos Silvestres, de Bergman. Mas, nem sempre tal nível era mantido; de vez em quando era mesmo uma fita pornô, em preto e branco.
Havia outra brincadeira, na qual pedia a um ingênuo para equilibrar uma moeda na testa, de modo a tentar derrubá-la num funil colocado abaixo, para ver se a moeda passava. Mas o funil estava tampado, e quando o coitado baixava a cabeça, recebia um jato de água do recipiente.
Fora isto, era sério e competente em sua função, que exercia com dignidade, coisa surpreendente no clima de corrupção, caixinhas e "bolas" que imperava entre os produtores da época.
Mas, sua principal característica eram habilidades extraordinárias; vertia lágrimas na hora que queria; soltava fumaça pelos ouvidos e bolhinhas de saliva pelo nariz.
Generoso, dava carona aos colegas pedestres, que iam para seus lados. Entrávamos na sua DKW e seguíamos a 9 de Julho afora, pois eu ia ficar na altura do Planalto Paulista. Nesse trajeto, passávamos pela Praça 14 Bis, onde a réplica do avião de Santos Dumont decorava seu canteiro central. O bom Ayrton proclamava então, com sua voz parecida com a de Ronald Golias: - Praça 28!
Essa grande figura já passou para o andar de cima, mas a praça ficou sendo, para mim, para sempre, 28. Mesmo desfigurada, com viaduto e passarela no meio, sem avião, não tem importância: é Praça 28, e acabou.
Por Luiz Saidenberg
15 comentários:
Luiz, sem duvidza eu e seu amigo fariamos uma grande dupla. Brincadeiras eram e são, até hoje. minha praia favorita.
Agora, novo batismo para minhz Praça 1'4 Bis, essa eu nunca soube...
Saidenberg,dentro dos grupos sempre tem um que é mais saliente e extrovertido. O Ayrton era um deles, até o nome da praça ele fazia questão de mudar, realmente um cara inesquecível em tua vida. Muito legal seu texto.
Olá Luiz!
Adorei o modo como o Ayrton se reportava à Praça 14 Bis...kkk
É bacana...as pessoas serem espirituosas, sem deixar de ser legais e prestativas.
Seria mais legal ainda se a Praça tivesse o avião, né!
Valeu! Obrigada.
Muita paz!
Acho que toda turma tem um Ayrton!Na minha turma do Levy tínhamos o Aimar:figurinha inesquecível.
abraço
Luis, sempre existe um mais extrovertido, mais alegre em qualquer turminha formada, é de praxe. Carona em uma DKW, heim? (Até hoje não entendo porque agente chamava os DKW de DKV. 'Cê sabe porque?)
Seu texto, como sempre é ótimo e sempre com um humor 'very british', gosto muito.
PS: Apenas uma pequena lembrança:
logo após a saída do túnel, em direção ao centro havia um grupo estatuário que, depois de vandalizado, foi retirado - Laocoonte e seus filhos sendo devorados por uma hidra -, e um caça da 2ª Guerra, um T6 Harvard que foi literalmente depenado. O que sobrou do avião foi recolhido ao Campo de Marte pela FAB. A réplica em metal do 14 bis encontra-se na Pça Campos de Bagatelle.
No local, em 1946, houve a queda de um Paulistinha (lembro-me bem, era de lona azul...)
Abraço do Ignacio
Luiz, belo texto e muito bem sacada pelo Airton, essa de Praça 28. Adorei, Parabéns. Tenho certeza que eu também me daria muito bem com o Airton.
Muito obrigado.
O Airton era mesmo uma dessas pessoas que dão alivio á missão, sempre dura, de trabalhar.
Meu caro Joaquim, não sabia que Laocoonte esteve na "Pça.28". Esse belo grupo estatuário está agora numa das esquinas interiores do Ibirapuera, e é mesmo fascinante. E tb não soube do outro avião.
Já nessa época, então, existiam os bárbaros que sujam e destroem o que há de belo em São Paulo, tentando igualar tais locais com a miséria onde vivem. DKW- Das Kleine Wunder, a Pequena Maravilha, embora não fosse assim tão maravilhoso. E gostei do Very British, embora eu esteja mais para uei, paesano! Abraços.
Luis, meu comentário ficou um pouco confuso; deixe-me explicar:
1) Por volta de 1945/46 a Av 9 de Julho atravessava uma área desabitada (atual Pça 14 bis) onde um 'teco-teco' Paulistinha tentou uma aterrisagem forçada e acabou capotando; criança, fui ver os destroços.
2) O T6, nunca entendi muito bem, foi quem deu o nome à Pça 14 bis (durma-se com um barulho desses!)
3) A estátua de Laocoonte e seus filhos é uma das lembranças mais fortes de minha infância no Bexiga; até hoje, quando passo por lá, procuro a estátua com o 'rabo dos olhos'.
Abraço do Ignacio
Ah, esses personagens que povoam nossas memórias e, neste palco nem sempre iluminado, inspiram lindas histórias. Muito bom, Saidenberg!
Oh, Luiz, o Ayrton era o tipo do verdadeiro relaxante em qualquer área de trabalho. Conheci alguns, de saudosa memória, incluxive eu, gostava de "aprontar". Uma ocasião, em reunião de vendedores do Matarazzo, fomos apresentados para o novo chefe de vendas, um argentino de nome (fictício) Arturo. "Mira, usteds, jo soi enbiado del próprio sr. conde i quiero ordenm i disciplina, e..." Eu levanto da cadeira fui até o ventilador, que estava ligado, estendi uma folha de papel na direção do vento, fazendo ela tremular feito uma bandeira. O argentino logo quiz saber: "que estas haciendo, Modesto?" respondi: "prometi ao cliente que o assunto dele seria ventilado na reunião de hoje. E é o que estou fazendo..." Recordação gostosa, Saidenberg. Parabéns.
Laruccia
ok
Pois é, Saidenberg, O seu amigo pode ter ido para o andar de cima. Mas, através de sua lembrança ele revive e faz das suas: Ensinou-me uma coisa importante: Janeiro que vem, faço 32 anos... Ahahahaaaaa!!!
Pessoas asssim, acabam com a monotonia e o tédio!
Obrigado por relembrar-me da DKW, que virou Taxi-mirim! E, por tabela, o "possante" Gordini e, claro, os Dauphines.
Bello texto!
Abração,
Natale
JOCA: O Laocoonte parece-me que está no Parque Ibirapuera. Digo "parece-me", porque há uma outra na Pinacoteca.
Estátuas e o túnel parece-me incompatíveis. Lembra do "auê" que deu, quando colocaram lá "O Beijo" ou "O Idílio"?
Triste também é passar por lá e ver as fontes de água e luzes que há "séculos" não funcionam mais...
Aqui, tudo se cria e tudo se destrói, ou deixa-se ao Deus dará.
Abração,
Natale
Natale,
o Laocoonte original, do Vaticano, é mais mutilado que a cópia do Ibirapuera. Mas ficou boa a restauração...da Pinacoteca não lembro. Sempre vamos lá; preciso consultar de novo o andar superior, das esculturas. Qto ao V do DKW, Joaquim, talvez porque o W soa mesmo V, em alemão. Mas, como isto se transmitiu ao popular brasileiro, não sei. Veja-se que o Volkswagen tb se pronuncia Folks, como em alemão,ou Fusca, por aqui.
Abraços.
.
Saidenberg!
Quem não teve um companheiro de trabalho, ou mesmo de estudos, como o Ayrton, que alegrava os seus dias e os dos demais colegas. Eu morei na 9 de julho, no prédio ao lado da FGV e lembro bem da Praça 28, se bem que, para mim, 28 só a partir deste seu belo texto.
E o melhor de tudo é que, com seu jeito irreverente e bom coração, o Ayrton mudou de andar, mas deixou saudade.
Abraço
.
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