quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Onde quer que você esteja


Sim! Com certeza, ao seu lado haverá um violão... Onde quer que você esteja.
Quando tentei aprofundar-me no fosso do passado, as recordações que vieram à tona eram gratas, mas não muito nítidas. Sua fisionomia estava distante; talvez, por não relembrá-la há muito tempo. Resolvi fazer uma experiência: retoquei as cores, reavivei os contornos, eis que surgiu você e pasme, escutei o som exato da sua voz!
Verifiquei, então que, se fechasse os olhos, poderia revê-lo com espantoso realismo, sentindo até a alegria e vivacidade que havia nos meus e nos seus olhos, naquelas noites recuadas no tempo.
Lembrei-me que, quando saía do meu trabalho, no prédio da Galeria Olido, você sempre estava lá, à minha espera. Vinha ao me encontro e me abraçava e esse abraço era tão bom, tão aconchegante, que eu sempre pensava que seus braços foram feitos na medida exata para me abraçarem. Mas o melhor mesmo era a mística, a poesia, a mágica que havia e que fazia com que a eternidade coubesse toda naquele segundo do seu abraço...
E os sonhos que juntos sonhávamos, quando não mais precisássemos nos despedir? Das viagens de trem que faríamos; das madrugadas que passaríamos acordados para, juntos, vermos o amanhecer? Os versos que fazíamos, as músicas que tocavam (bastava eu cantarolar baixinho) e você a transformava na mais linda canção?
Ah! As ruas que percorríamos para irmos embora: Dom José de Barros, Barão de Itapetininga e quando chegávamos ao Viaduto do Chá, começava o entardecer o sol refletia-se nos vidros dos prédios e você dizia que gostaria de ser pintor, para retratar tanta beleza... E eu o escutava, enlevada, sem dizer nada, para não quebrar a magia daquele momento. Sabe? Até hoje o procuro por lá... Procuro o passado e aqueles dias.
Recordo... Dei-lhe meus olhos, dei-lhe minha boca; gota a gota, dei-lhe meu sangue; dia a dia, dei-lhe minha vida; dei-lhe o embalo de meus pobres poemas; o tédio de meus dias longos, minhas noites de solidão...
Quem agora, silenciosa e amiga, ouve-o narrar um passado do qual não teve um dia sequer, perguntando-se com ciúmes, quem foi que chamou sua atenção para a beleza das noites e verões profundos, o gosto perfumado e longo dos caminhos solitários, a primeira viagem, a primeira noite em um trem e a primeira paisagem?
A quem pertence o coração que bate loucamente quando, em um momento de aconchego e abandono, lhe segura ternamente as mãos?
Fomos tão felizes... Você lembra?

Por Lia Beatriz Ferrero

14 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Lia teu texto é um poema puro e romantico tendo como fundo a nossa querida Sampa.
Foi delicioso ler essa jóia.
Fiquei com gosto de quero mais, ou ainda, com vontade de ouvir uma seresta.
Valeu!

Arthur Miranda - tutu disse...

Lia que coisa linda, quanta ternura, quanto romance, quanto amor, quanta paixão, Não sei se foi só eu que um dia te mandou um e-mail pedindo para você escrever para esse Blog, se foi estou me sentindo agora mais do que recompensado, e se outros escritores também o fizeram,
certamente estarão tão felizes quanto eu e com certeza achando que valeu mesmo a pena, parabéns. Ficou um enorme gosto de quero mais. Seu texto vai ficar mais cobiçado e desejado que brigadeiro em festa de aniversário ou casamento.

Wilson Natale disse...

LIA: Estupenda declaração de amor ao Amor e à vida!
Eis aí, a nossa Beatrix cantando a Dante a sua saudade.
Texto intnso,pleno das verdades que os corações conhecem, sentem.
É o passado que insiste em não ficar no passado e torna-se presente.
Parabéns,
Natale

Soninha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Soninha disse...

Olá,Lia!

Seja bem vinda entre nós. É com grande alegria que recebemos seu texto para podermos colocar aqui, neste nosso cantinho literário.
Estreando com este lindo poema,declarando o seu amor, sua saudade, estendendo à nossa querida Sampa.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

joaquim ignacio disse...

Beleza de texto. Pura poesia. Segredos não revelados, apenas firmadas as suas existências... Existe algo oculto...
Parabéns
Ignacio

Luiz Saidenberg disse...

Beleza pura, cara Lia.
Um romance na bela São Paulo de décadas atrás, e que continua vivo, como talvez a velha São Paulo, em seu coração.
Quem de nós já não teve casos parecidos, no mesmo local, o Centro, não só da cidade, mas então de toda nossa vida?
Abraços.

suely aparecida schraner disse...

Ah, essas memórias poéticas. Bela é a alma que captura poesia em cada instante vivido. Parabéns! Seja bem-vinda! Abraços.

Modesto disse...

Numa virtual ocorrência, onde nossas vidas se perdem em tentar descobrir onde começa a fantasia dentro da realidade e vice-versa, deparamos com um trecho que escapa ao nosso controle. Nesse pequeno apêndice vc, Lia, dá liberdade a seu aparente estado lúdico, sem perder a serenidade da presença de uma paixão que deixa seu coração dolorido, cheio de saudades e esperança.
Parabéns, Lia, seu texto é maravilhoso.
Modesto

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Lia, que mais posso acrescentar depois que meus amigos já disseram tudo, simplesmente maravilhoso o teu texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho)

margarida disse...

Lia, você não imagina como estou feliz de ler um texto seu aqui em Memórias de Sampa. Você sabe muito bem quando eu gosto dos seus textos. "Onde quer que você esteja" tem suavidade, sensibilidade e principalmente amor de um amor que vale a pena ter em seu coração. Nossa cidade querida além das lembranças do antes e o depois, serviu como cenário dos seus momentos de felicidade. Um grande beijo e continue conosco.

salvador montone disse...

Lia,é sempre prazeiroso poder ler seus textos, sobre qualquer tema, porque é certeza de muita poesia, sensibilidade e sempre impregnado de saudades "saudáveis"...
Felizmente temos mais um canal para usufruir desses mimos.
Parabens,

Salvador

Zeca disse...

Lia,

após uma ausência da internet e, consequentemente, deste espaço, foi com surpresa e alegria que li o seu belíssimo poema!

E agora que me cativou, espero que continue enviando outros, para alegrar nossas almas.

Abraço.

João B. Ferr disse...

Nossa... Lia!!!

Segurei as lágrimas no final. Mas “Fomos tão felizes... Você lembra?” Fantástico, tocante, que carga emocional, que beleza, que envolvente e que envolvência sua em seu poema em prosa, Lia... Deixei-me levar por sua poesia, por seu passado e adorei seu texto. Ele tem alma! Está vivo. Muito bom. Parabéns!