domingo, 16 de outubro de 2011

Música, Divina Música


Eu era garoto ainda, 12 ou 13 anos, fui assistir no cine Glória, na Rua do Gasômetro, um filme que nunca mais esqueci. Nessa época, morava na Rua Alfândega, travessa da Gasômetro, no Braz. O filme, em preto-e-branco, chamava-se “Música, Divina Música”. Não lembro o título em inglês, mas, acho que não era muito diferente da tradução. Os atores, guardo apenas o Pat O'Brien e o fabuloso violinista Jascha Heifetz e a música principal do filme era a Abertura da ópera “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini. Um padre (O'Brien) reúne uma turma de garotos pobres e esquecidos da sociedade, os irregulares de New York (se não estou enganado eram os garotos que trabalharam no famoso “Anjos de Cara-Suja, de 1938), levando-os a se interessar por música. Quem ministrava aulas de violino aos garotos era o Heifetz. Não vou contar todo o enredo do filme, por não lembrar e porque o que quero ressaltar é a música.
Quando a turminha ensaiava, a sessão de violinos, (quem conhece a música sabe) dava uma graça, um encanto tal que, pra um garoto da minha idade, vendo e ouvindo outros garotos da mesma faixa etária tocar, deixavam uma emoção que não tinha explicação. Meu irmão Santo, mais velho (já falecido), tinha muitos discos clássicos, mas faltava este.
A música exerceu (e exerce até hoje) em mim uma transformação no gosto e no prazer de se ouvir, tocada por uma orquestra sinfônica. Podem reparar, não existe nada igual a uma apresentação de uma orquestra sinfônica ao vivo. Uma filarmônica, que é mais ou menos igual a uma sinfônica, tem esse nome porque é a reunião de amigos da música, vem do grego, “fila” (amigo) harmonia (música).
Percebi que músicas em geral têm linguagem própria; algumas alegres demais, outras melancólicas, outras tristes; é por isso que a música incidental, composta pra acompanhar um filme, uma peça de teatro ou radiofonização, realça, conforme a trama, em alguns aspectos ou simplesmente acompanha um dialogo amoroso ou uma discussão. Compostas segundo o roteiro do enredo. Músicas para a história.
As que mais gosto são as histórias escritas sobre músicas já compostas. Estas são historias que procuram descobrir os sentimentos do compositor, quando as compõe. Chegam a criar climas, eventos e ocorrências de tal forma que a música em questão, pode ter sido composta em situações totalmente diferentes do que o diretor imaginou.
Tem, também, as que se ouve e fica-se imaginando qual a mensagem que o compositor quis transmitir. Os grandes críticos literários dizem que a grande maioria dos escritores tem, em suas obras, um pouco de si, uma espécie de autobiografia, “emprestando” a determinadas personagens um retrato de si mesmo. Na música não é diferente. Ouçam, por exemplo, os sambas do Lupicínio Rodriguez, com relação à “dor de cotovelo”. As composições de Herivelto Martins com suas rusgas com a esposa, D'Alva de Oliveira. Na área dos clássicos não é muito diferente. Vejam nosso grande Vila Lobos, suas composições, muitas delas voltadas para crianças, por exemplo, “O Trenzinho Caipira”. Seu gosto e prazer em ouvir Bach, criando as famosas “Bachianas Brasileiras”. Tchaikovsky, ao compor a 6ª Sinfonia, chamada a “Patética” por ter perdido sua mecenas quando ela descobriu sua homossexualidade, induzindo-o a se envenenar com água contaminada com cólera. As composições de Mendelson, que morreu com apenas 38 anos, ouçam e verifiquem, principalmente em seu concerto para orquestra e violino, nº 4, opus 64 (se não estou enganado), toda tristeza e amargura que existe na melodia. E, no entanto, ele compôs também alegrias, como “Abertura de Sonho de Uma Noite de Verão”, baseada numa obra de Shakespeare.
Por isso, um crítico musical já disse com muita propriedade que, mesmo uma marcha fúnebre tem seu encanto, beleza e, por que não dizer, alegria. A música fala, conversa com você.
Minha esposa não é muito apegada por estas músicas, porém, já a surpreendi “conversando” com as flores de nosso jardim, de tanto que ela gosta. Na música é igual, adoro ouvi-las e, quando estou escutando, não posso fazer mais nada, pra sentir o compositor expressando-se através das notas musicais, sua alegria, felicidade, seu amor por alguém ou sua dor por ter perdido alguém.
Se estou lendo, não quero ouvir nada, se estou ouvindo alguma música, não faço nada, vou saboreando seus movimentos, o que os violinos querem me falar, o que os tímpanos, os pandeiros, as cuícas, os pianos e assim por diante. Ia aos concertos no memorial da America do Sul, sempre. Agora, não dá mais.

Por Modesto Laruccia

12 comentários:

Zeca disse...

Laruccia,

parabéns pelo excelente gosto musical! Concordo plenamente quando você diz que "não existe nada igual a uma apresentação de uma orquestra sinfônica ao vivo". Também gosto muito de música e uma das minhas maiores frustrações foi ter interrompido o curso de piano após deixar o seminário. Era adolescente e, como tal, ter tomado a decisão de desistir do sacerdócio foi uma espécie de libertação interior que fez com que deixasse para trás tudo o que fosse ligado (veja bem: não à religião!) ao seminário. Mas não perdi o gosto musical e sempre procurei aprimorá-lo, mesmo sem uma formação musical mais formal.
Gostei muito deste texto!

Abraço.

Miguel S. G. Chammas disse...

LARU, ZA MUSICA SEMPRE FEZ PARTE DA MINHA VIDA. FOSSE CLÁSSICA OU POPULAR, ELA EMOLDUROU, SEMPRE, OS MEUS DIAS.
ADORO OUVIR MUSICA E, ÀS VEZES, ATÉ ARRISCO CANTAROLaR ALGJUMAS, MAS C\OM MINHA VOZ DE TAQUARA RACHADA, ELAS FICAM PIOR QUE PURGAMTE.
ADOREI TEU TEXTO.

joaquim ignacio disse...

Modesto, infelizmente não sou um ouvite de musica tão sofisticado quanto vc, vou mais pela música popular, e aí estou falando de música popular brasileira com ênfase maior no samba carioca e no jazz americano "old fashion" (Kid Oliver, Louis Armstrong, Duke Ellington, por aí)...
Seu texto me entusiasmou; vou procurar me aprimorar musalmente.
Abraço
Ignacio

Luiz Saidenberg disse...

Muito bem, Mo. Gostei muito.
Vc tem refinado e eclético gosto musical, e é muito bom que nos reporte isto. Tb sou louco por boa música, embora sequer assobie direito, quanto mais tocar um instrumento. Mas a música, qdo bela, é uma das maravilhas de nossa vida. Abraços.

Soninha disse...

Olá, Modesto!

Adoro música...a boa música. Neste contexto estão vários ritmos. Entendo que tem muita coisa boa nos vários gêneros musicais.
Mas,como você, quando opto pelas músicas eruditas,também gosto de ficarsó ouvindo, quieta,curtindo os instrumenos, a melodia...o conjunto.
Valeu,Modesto
Muita paz!

Wilson Natale disse...

Larù, mio bello:
Boa lembrança nesses tempos em que um simples teclado tem a pretensão de substituir uma orquestra inteira.
Presunção e pretensao, pois o teclado não substitui os professores, os "virtuoses" e muito menos a regência.
Minha primeira experiência no Theatro Municipal foi com a música da Vila-Lobos: Justamente o Trem Caipira e a Prole do Bebê.
No Municipal tive a honra de ver Francisco Mignoni, Eleazar de Carvalho, Magdalena Tagliaferro e tantos outros...
Sinto falta das orquestras, da Camerata, dos quartetos e da música clássica.Das óperas e operetas... Cose della italianada, acho.
Gosto de toda e qualquer música, de todo o gênero.E de orquestras que desapareceram das rádios e da televisão. Foi-se o maestro Gabriel Migliori (Record) e a orquestra da TV Cultura... Aos maestros e professores, o ôlho da rua...
Recentemente ví um professor tocando com maestria o seu violino.
E così, la nave và!...
Testo bellissimo che fà bene al mio cuore.
Abração,
Natale

Arthur Miranda - tutu disse...

Modesto, adoro uma boa musica, já cantei Carmem,Cantei Aída, cantei opera,opereta e duas operarias, mas elas jamais caíram nas minhas cantadas.
Aos 13 anos no Seminário eu aprendi a tocar instrumentos de corda, ou seja: Sinos.
Também por duas vezes tive a oportunidade e a grande Honra de Cantar no Teatro Municipal de São Paulo ( em Frente perto daquela torre da Petrobras que havia ali frente ao velho Mappin, onde finalmente cantei minha mulher)
por essa razão quero agradecer a você por essa aula critica musical, por que apesar de gostar de musica ( sera que existe alguem que não gosta??). Eu desconhecia esses detalhes musicais que você criteriosamente aborda nesse seu rico texto, Parabéns.
Acredito que deve ter havido algum engano de sua parte pois consegui a fixa técnica do filme: Musica Divina musica.
Diretor: Archie Mayo
Elenco: Jascha Heifetz, Joel McCrea, Andrea Leeds, Walter Brennan, Marjorie Main, Porter Hall
Duração: 101 min.
Ano: 1939
País: EUA
Gênero: Musical
Cor: Preto e Branco

História de um grupo de crianças pobres que tentam convencer um grande musico a a judar a escola de música da favela

Laruccia disse...

A todos, muito obrigado pelos comentários. Tutu, de fato errei quanto ao ator principal. Não trabalhou o Pat Obrien e sim Joel McCrea. Obrigado.
Pena que a crônica ficou só um dia mas, falar de música clássica num paiz de carnaval.... é esperar muito.
Obrigado a todos.
Laruccia

Wilson Natale disse...

Larù carissimo, senza tristezza, prego!
A música clássica está, bene o male, em nossas raízes. No Braz, na Mooca, no Bixiga havia sempre, nas casas e nos cortiços, um barítono ou tenor de banheiro; havia em cada casa e mesmo nos cortiços um violino, mesmo um piano de segunda-mão - gente que trabalhava na noite paulistana e exercitava as suas habilidades executando os clássicos.
Infelizmente aqui, cultuar os clássicos é muito caro. Poucos podem usufruir dos espetáculos que nos são oferecido - ou melhor, nos são cobrados a peso de ouro... Vez ou outra aparecem incentivos da Cultura, mas nunca uma lei que efetivamente dê espetáculos culturais para a população.
Nesta última viagem à Itália, em Catânia, vi a ópera La Gioconda, encenada da praça. Em Nápoles o festival de músicas - novas e velhas - napolitanas e duetos de tenores e sopranos. E as orquestras.Nas praças. Tudo isso é, na Europa, muito corriqueiro.
Aqui, Cultura significa ganhar dinheiro. Temos tantas praças e nenhuma cultura nas praças. Cultura diversificada.
Nessas tantas "Virada Cultural", vi o povão deslumbrado com o som da orquestra, com o balé clássico.E mais que isso, ví um povo capaz de se sensibilizar diante de todo o tipo de música.
Pena que os clássicos não estão na praça. Pena que os clássicos estão nas salas de espetáulos, limitada a um grupo de poder aquisitivo maior...
Falando de música somos privilegiados, do samba da caixinha de fósforo e batido na mesa do botequim à ópera, aprendemos muito e pudemos fazer nossa escolha e preferência.
O povo mesmo gosta de luxo, gosta de tudo aquilo que o deslumbre e o sensibiliza. Mas, a "Cultura" acha que não. Portanto, não é uma questão de gostar ou não gostar. Pena, não é mesmo?
Pena maior é ver, ou melhor, não ver, os nossos "virtuoses" que estão pelos países da Europa e América,recebendo os aplausos e o respeito das paltéias... Se ficassem aqui, seriam mais um desconhecido a morrer de fome...
Lascia stare Larù, viviamo noi tutta questa bella e innebrianti musiche.
Abrãção,
Natale

margarida disse...

Modesto, seu texto está maravilhoso. Eu não sabia do seu gosto pela musica, por isso você está sempre de bom astral.Eu aprecio muito as musicas clássicas, aliás todos os ritmos me agradam, até as que pratico na academia, nas aulas de street dance.Não importa se são clássicas ou as das bandas atuais,brasileiras ou não,inclusive as africanas, todas tem seu valor e espaço na minha vida.Um grande beijo.

Laruccia disse...

Quero, também agradecer novamente ao Natale (ele sabe das coisas)e a Margarida.
Corroboro com vc Wilson e com vc também, Margarida. Duas semanas atraz, saiu no "Estadão" uma entrvista com o pianista brasileiro Arnaldo Cohen, que vive já, há muitos anos, na Inglaterra (já é cidadão inglês), ele diz que no início de sua carreira, recebeu de seu representante o seguinte conselho ou sugestão: "Se vc quizer gravar e vender seus discos, vc precisa sair do Brasil". Ele imediatamente fez isso e até hoje, mora na Inglaterra. Não precia falar mais nada, né?, caríssimo fratelo.
Um baccio in testa, a te e per la Margarida.
Laru

suely aparecida schraner disse...

Que lindo, Modesto! Um texto musical recheado de lirismo e ótimas informações. Valeu!