sábado, 22 de outubro de 2011

Férias escolares


Quando criança, muitas vezes as férias escolares do mês de Junho eram desfrutadas na casa de minhas tias Maria e Zule, que moravam no bairro da Ponte Rasa.
Naquele tempo não havia quase nada, a não ser muita vegetação com algumas moradias, uma capela localizada bem no alto de um morro e uma escola cercada por alguns eucaliptos. As ruas eram de terra e o acesso para a região se fazia de ônibus, que circulava pela estrada de São Miguel Paulista.
A viagem começava no bairro da Penha de França, na Praça Micaela Vieira, e, assim que eu entrava no ônibus, procurava a janela, pois adorava ficar olhando pelo vidro e apreciar a paisagem que a antiga estrada me proporcionava.
Lembro que logo depois de passar pela conhecida curva da morte, minha tia dava o sinal e aí começava a segunda parte da viagem; agora íamos a pé subindo as ruas de terra do lugarejo, uma verdadeira maratona.
Ainda lembro o cheirinho de café e o galo cantando no fundo do quintal, da cerração cobrindo a vegetação dos pequenos vales e morros que encantavam meus olhos... Tudo isso anunciava o tão esperado dia.
Logo após o gostoso café da manhã que minha tia preparava e assim que o sol iluminava as pequenas matas da redondeza, lá íamos nós, eu e meus primos, explorar a região.
O bairro que ainda estava se formando, tinha muito verde e alguns morros que adorávamos subir e descer, correndo com braços de avião, sentindo o vento passar bem juntinho à nossa pele e esvoaçar nossos cabelos.
A sensação de liberdade era enorme, podíamos gritar e chamar pelos possíveis anjos que talvez quisessem participar das nossas brincadeiras, e depois ficar olhando para o imenso céu azul, ouvindo as aves que nos saudavam com uma linda sinfonia.
Todo o dia tinha um lugar diferente para explorar e nada ficava sem nossas pegadas.
Hora do almoço, outra delícia. A comida era simples, mas aquele sabor, cheio de carinho, ainda me dá água na boca. A limonada era feita com limão cravo e as verduras bem fresquinhas colhidas na hora, sem falar na galinhada e na gostosa carne de porco que também eram criados pelas saudosas tias.
À tarde, íamos tomar café na casa da minha tia Carmela que, cuidadosamente, preparava uma travessa de “travesseirinhos”, feitos de farinha, açúcar e erva doce, mais um grande bule de chá e, para o jantar, era a vez do pastelão com queijo branco, tomate, azeitona e orégano. Tudo isso para compensar a energia que gastávamos durante o dia.
Aos domingos, assistíamos à missa na única igreja que havia no bairro.
Durante a semana, participava também da novena de Nossa Senhora, ela ficava na casa de uma família por nove dias e no último, depois da reza, saboreávamos um lanchinho que dava força para levá-la para outra casa. Em uma dessas peregrinações caí em um buraco, pois a rua era de terra e não havia luz. Nos guiávamos pela luz da lua e as vezes por uma lanterna. Como andávamos em grupo, logo deram a minha falta e voltaram para me pegar, quando eu já estava aos gritos e chorava muito.
Hoje tudo está diferente, o bairro cresceu! Não existem mais morros e vales verdes para desbravar e nem o gorjeio dos pássaros para nos saudar. Destas férias de infância, ficaram apenas as doces lembranças, que agora fazem parte das histórias que carinhosamente conto para meus netos.

Por Margarida Peramezza

12 comentários:

Luiz Saidenberg disse...

Belas lembranças, Margarida. Vida mais simples, tempos mais amenos...
são constantes nas narrativas do pessoal que não reconhece mais a São Paulo de hoje.
Um abraço.

suely aparecida schraner disse...

Pois é Margarida. Li hoje no jornal que nosso destino será viver nas cidades.Em 1950, cerca de 30% da população mundial morava em áreas urbanas. Hose somos 50%. Daí esta transformação da qual você fala. Belo texto! Abraço.

Wilson Natale disse...

Vamos brincar?
Do quê?
Ah! A gente inventa!...
Uma simples pedra jogada, provocando marola numa poça d'água, tornaa-se uma competição!...
A gente inventava! Hoje não mais. Tudo vem prontinho para se brincar.
Férias em São Paulo. Tão bom quanto ir ao interior. Eu ia para o Sertão,na casa dos meus tio, lá no longíquo Alto de Pinheiros.
E brincávamos de tudo. A rua era o nosso mundo de aventuras e o nosso ginásio de educação física. Roupas sujas, encardidas eram nossos troféus de batalha. Tínhamos sonhos, criávamos sonhos e vivíamos...
Hoje tudo é tão "didático", tão limpo. Tudo tão prontinho e bonito.
Férias programadas, medos reais, medos vazios... Tanta proteção infundada que vai tirando aos poucos o lúdico, o telúrico de uma infancia despida de gosto pela aventura, gosto pelo tentar, ousar, descobrir.
Você viveu a aventura da viagem, andou pelas terras desconhecidas, onde estava a casa da sua tia, descobriu coisas e lutou batalhas. O sonho e a realidade muito bem fundidos, a convidar à novas aventuras, ao sol, no verde, ao ar fresco...
Deus nos livrou dos apartamentos, dos parquinhos de condomínio. Deu-nos espaço para execermos a nossa individualidade e solidariedade.
Lindo texto!
Abração,
Natale

joaquim ignacio disse...

Margarida, como a gente esperava com ansiedade às férias escolares, nénão? Assim como você, tenho algumas boas lembranças aquele tempo, férias em Santos e umas férias que passei em Alfredo Castilho em 1950. Viajamos cerca de 28 horas de trem, viagem em duas etapas: pela Sorocabana até Bauru e pela Noroeste até Castilho, uma cidade na barranca do Paranazão. Em Castilho morava uma prima de minha mãe e lá passamos 20 dias ótimos, lá se vão mais de 60 anos...
Abraço do Ignacio

Soninha disse...

Olá, Margarida!

Ah! As férias escolares! Como eram boas!
Muita saudade da casa da bisa, da casa das tias,no interior... das brincadeiras que só eram egais quando juntavam primos,amigos,irmãos... aquela farra.
Mesmo quando não viajávamos, as férias muito legais, em casa mesmo...em nosso bairro...muita brincadeira,muitas festinhas de bonecas, muitas gincanas...
Saudade!
Delícia de texto, Margarida.
Valeu!
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Marga,
minhas férias eram intensas e cheias de aventuras.
Normalmente eu as gozava na longinqua Vila Clementiono, onde fazia grandes peraltices junto a primos-amigos e jogava bola com o Joaquim Inácio (autor querido deste blog) ou, então, na extra-terrena região de Rio Pequeno, na chacara do pai de meu amigo Zilando.
Brincadeiras, todas as possíveis, imagináveis e não imagináveis.
Que delícia!

Zeca disse...

Margarida,

teu texto chega a ser poético em sua singela beleza! E me trouxe à memória as saudosas férias de infância, em Santos, em Itanhaém e também no sitio do meu tio, na distante Embú Guaçu. Era uma viagem e tanto para se chegar lá! E todos nós, na alegria da reunião de todos os primos, nos esbaldávamos correndo, pulando, brincando e também comendo muito nas horas de refeições.
Que saudade boa você me trouxe!

Abraço.

joaquim ignacio disse...

Aproveitando a "deixa" concedida pelo Miguel, citando meu nome, posso afirmar que não houve tempo melhor do qu aquele de nossa infância e comecinho da adolescência. Morar na V. Clementino nos anos 50s era ter férias escolares o ano todo. Brincávamos muito, eu, o Toninho o Clovis, a Lilian, a Iracema, o Vadão, o Wilson, o Nardo, a Nilza, a Clarice, a Cleomar e o Miguel, quando de suas visitas ou esticando as férias da escola. Marhgarid com seu texto nos propiciou lembranças boas de nossos melhores dias. Abraços a todos
Ignacio

margarida disse...

Muito obrigada pelos comentários no meu texto. Muito bom relembrar a infância e nossas ferias escolares ,todos tivemos momentos marcantes e que eram esperados com alegria e muita ansiedade. Hoje a realidade é outra.
Um grande beijo e mais uma vez , obrigada.

Modesto disse...

As férias de junho, pra nós, tinha tripla vantagens que quase não percebiamos. A primeira eram as férias, propriamente dita. A segunda, mês de festas juninas, frio, fogueiras etc e em terceiro, as visitas a parentes, principalmente se eles morassem longe, a viagem de ônibus, trem ou outro meio de locomoção. Era sempre divertido, alegria sem a preocupação de voltar logo e, principalmente quando eram parentes bem chegadaos e a emoção era compartilhada por quem ia como por quem recebia. Era uma alegria só. Alegre e feliz a sua narrativa, Marga. Parabéns.
Modesto

margarida disse...

Obrigada Modesto, pelos seus comentários, era sempre uma delicia desfrutar daquelas ferias, bons tempos. Um grande beijo.

Anônimo disse...

Olá, Margarida! Olha eu aqui... rs
Minhas férias eram diferentes das de todos vocês. Eu não tinha parentes para visitar, primos para brincar e nem lugares (passeios) onde pudesse ir. Meu "mundo" era minha casa, minha rua, minha escola... e eu era tão feliz!Talvez por não saber que, lá fora, havia um mundo tão diferente do meu! Obrigada por nos deixar participar de "seus" momentos... LIA