Anos 70
O barulho da máquina nos meus ouvidos parece rir de mim. Zomba de mim, “tirando uma com a minha cara”. Os meus olhos estão cheios de lágrimas e a adrenalina está a mil. Não consigo ficar imóvel.
Penso: - Vou matar a Waldelice! Juro que vou!
O barbeiro desliga a máquina e me diz: “Qualé, maninho! Sossega esse rabo! Parece que ta sentado num formigueiro, pô! Não adianta pirar “Mané”. Não dá para consertar a cag... que você fez na tua “lã” (cabelos), “mermão””.
Esforço-me para permanecer imóvel. O barbeiro e a máquina voltam a fazer o serviço. E a máquina, a zero, derruba os meus cabelos formando montes em torno da cadeira.
“É! Vou matar a Waldelice”!
Ah! Os meus cabelos, tão lindos...
Cabelo liso, castanho-alourado, tão liso que o “chuca-chuca” não resistia por muito tempo. Nem mesmo com o Óleo de Lavanda Johnson. Quando eu era criancinha ele era cortado, como se dizia à época, “com uma tigela”. Era só usar a tesoura para cortar o excesso, aparar a franja e pronto!
Fiquei maiorzinho e meu avô me levou ao barbeiro para que ele fizesse o meu primeiro corte profissional. Vovô queria o corte “Príncipe Danilo”. Corte usado por algum tempo até que o meu pai, sem paciência de esperar pela feitura daquele corte demorado, pediu ao barbeiro que cortasse o meu cabelo à “americano curto”.
Com esse novo corte, pareceu-me que o Inferno mudara-se de mala e cuia para a minha casa. Vovó comandava a “diabada”. Cada vez que eu voltava do barbeiro , a “fornalha reacendia”. Não adiantava enfrentar vovó. Ela podia mais. Cansado, na próxima vez que fomos ao barbeiro o meu pai foi logo dizendo: - Faça o corte “americano cheio”, bem cheio no menino.
A máquina, com seu barulho de risos fazendo o seu trabalho, debocha de mim.
“É. Vou matar a Waldelice! Bem devagar! Quero que ela sofra muito”!
Finalmente, a idade de ir sozinho ao barbeiro, lembrei. Por minha conta, eu sempre protelava a ida. Ia somente quando o meu tio Amedeo dizia que o meu cabelo estava comprido, a ponto de se fazer trancinhas, e que ele iria comprar umas fitas para pôr nas tranças “da menina”. Numa dessas idas ao barbeiro, invejando o corte de cabelo dos meus primos mais velhos, entrei e disse ao barbeiro: - Corta à “escovinha”. E a máquina, no número um fez a limpa na minha cabeça deixando, no alto, apenas uma coroa de cabelos compridos e repicados. Quando cheguei em casa foi um escândalo. Ouço os gritos da minha avó até hoje dentro da minha cabeça. Aprendi que experiências capilares, nunca mais.
Estou encharcado de suor, sentado nesta maldita cadeira de barbeiro, ouvindo aquela máquina infernal fazendo a sua destruição. Cheio de raiva, pergunto ao barbeiro: - Já falei para você que eu vou matar a Waldelice? Já?E o corte à escovinha, além do transtorno que causou não fez o sucesso que eu esperava. Foi mal. De volta ao “americano cheio” fui reparando que os cabelos das outras crianças e dos jovens estavam ficando mais cheios e mais compridos; que, aqui e ali, apareciam jovens com topetes enormes e volumosos, e costeletas. Elvis explodia nas paradas cantando “Jailhouse Rock” e sua presença nos filmes causava mais impacto que a presença do James Dean.
O meu corte americano cheio foi ficando mais cheio, o meu topete quando molhado chegava até a minha boca. Só que nada de costeletas. A barba ainda não havia aparecido...
O barbeiro me cutuca e diz: “Aí, meu. Toma essa água que “cê” ta suando demais. Putz! Lá fora deve estar uns “trocentos” graus”.
Falo alto: - Vou matar a Waldelice! O barbeiro ri e me diz: - Mata mesmo! Se quiser ajuda, pode me chamar.
Um dia o Elvis perdeu seu trono capilar. É que apareceram uns rapazes de Liverpool e os meus cabelos conheceram o esplendor, apogeu e glória.
Eu não precisava fazer nada para ser um dos Beatles! Foi só abolir a brilhantina, voltar ao velho método “corte de tigela”. Era só repartir o cabelo de lado, ou não e deixar a franja solta. Nada mais a fazer ou a usar. A não ser, em certas ocasiões, usar um monte de “laquê” para manter o cabelo durão e no lugar. E sempre, nas festas, o terninho preto, como um verdadeiro súdito de Sua Majestade. Convencia... Até que eu abrisse a boca. Porca miséria! - Some! ‘Queima o chão’, Waldelice! To chegando ai”.
Eu causava inveja nos anos 70, com o corte “Pigmalião”. Depois, com o cabelão comprido, até as costas, tipo Jesus Cristo, super star. Mas, nos anos 70 tudo mudava mais rápido que nos anos 60. Os cabelos compridos começaram a ficar ondulados, crespos, cacheados. Aposentou-se a velha touca de meia de náilon que muita gente usava à noite, para alisar os cabelos.
Passa o tempo e eu “grilado” com os meus cabelos lisos. Uma noite, no Redondo, sentado com os amigos, comentei sobre esse incômodo. Waldelice, minha amiga, cabeleireira profissional, que há anos trabalhava na Rua Augusta, dispôs-se a solucionar o meu problema. Que eu fosse domingo à casa dela para fazer uma ondulação leve. Eu ia ficar uma lindeza!
Pergunto ao barbeiro:
- Comentei com você que eu vou matar a minha ex-amiga Waldelice? Ele riu...
Domingo, lá estava eu, na cozinha da Waldelice pronto para a transformação.
Cabeça lavada, o líquido da permanente, um “bobby” aqui, outro ali; uns “bigudins”, neutralizante, fixador. E toda aquela parafernália que exige uma, ou um permanente. Nunca lembro se é um permanente ou uma.
Finalmente, chegou a ora de olhar no espelho. Meu Deus! Pirei completamente. Não sabia se estava olhando para o espelho ou para um pôster do Leão da Metro! A textura do cabelo, então, parecia a mesma de um Bom-Bril. Toquei nos fios e percebi que a coisa era pior. Era palha de aço pura. Não ganhei ondulações suaves, nem suaves cachos angelicais. Ganhei sim o que nunca quis. Um pu... cabelão “Black Power” castanho alourado. Terror puro de se ver e de se ter. Nem a Elke Maravilha iria encarar um cabelão como o meu! Peguei as minhas coisas e sai da casa da Waldelice falando um monte. E fedendo a líquido de permanente!
Em minha casa, quando cheguei, causei terror. Foi um Deus nos acuda. Tentei de tudo para fazer o meu cabelo voltar ao normal. Pensei até naqueles alisantes afro. Nada. Só tinha um jeito. Começar tudo de novo.
Agora, eu estou aqui, sentado nessa maldita cadeira de barbeiro e com a cabeça raspada a zero, lamentando o dia em que conheci a Waldelice. Piero, o barbeiro retira a capa que me cobria, passa a escova em meu pescoço e diz: - Está feito! Agora é esperar crescer.
Olho-me no espelho e o quê vejo? Vejo o Dunga da Branca de Neve, com suas enormes orelhas de... de... Dumbo! E, atrás de mim, o Piero, esforçando-se para não cair na risada, pergunta-me: - Trouxe um boné? O sol está de matar! Claro que tinha trazido! Não pelo sol, mas pela vergonha de sair por ai exibindo o meu “aeroporto de mosquitos”.
- Some Waldelice! Desapareça do mapa. Eu vou te matar!
Por Wilson Natale
21 comentários:
Pô, Natale, que texto gostoso. "Assim caminha a humanidade, a evolução do homo sapiens vista através da evolução dos cortes de cabelo"... Olha que esse pode ser um material para uma tese de doutoramento na Sorbonne, na UFRJ ou em Harvard, porque não?
Por acaso usavas Glostora?
Abraços cheios de alopécias areatas do Ignacio
KKKKKKKKKKKK
Natale, depois do susto com o comentário do Tutu, só um texto como este para me fazer rir às bandeiras despregadas (gostou da adjetivação?)
Também fiz essa trajetória capilar, só que não possuia cabelos loiros e lisos.
Meus fios capilares que hoje teimam em se dismilinguir cada vez mais, eram ondulados.
Então, os topedes a lá Tony Curtis eram mais constantes.
Enfim, cada um com seu cada qual, ou seja, cada cabelo com seu penteado ou, ainda, cada macaco no seu galho.
Ma. caríssimo fratelo mio, si po sapere chi catzo di guai o fata la piduchiosa Waldelice? Sembra una strega, una tortura per il povorelo di Natale! che pecato, laccia che io voglio fare la vendeta...é bruta ma,,, si po fare, laccia a me, capito? (com tradução é mais caro).
Roteiro cabeludo, Natale, vc gostava da filha do barbeiro, né? fala a verdade. mas mesmo assim vc fez uma narrativa correta e divertida, voltou da Itália com todo vigor que as comidas da península fizeram com vc.
Parabéns e um abraço, Wilson.
Laru
Natale, moda é moda, pensou nos dias de hoje um cabelinho a la Neymar, ou então aquele de franjinha que o Ronaldinho usava uns tempos atrás!! KKK, só rindo mesmo. Muito engraçado seu texto. Um abraço.
A história dos cabelos, e cabeleiras da nossa infância e juventude, passando, à cada fase, por uma pausa para amaldiçoar a pobre Waldelice.
Sim, pois alguém teria de ser culpado por não termos topetes à Presley, ou James Dean, tratados a gomalina extrangeira... Marlon Brando não, pois se sobreviveu a estes, carecou tão rápidamente quanto Frank Sinatra, seu parceiro em "Guys and Dolls".
Enfim, os cabelos mudam com a moda, mas inevitávelmente diminuem, então no final a culpada mesmo só pode ser a idade e não a pobre Waldelice.
Abraços.
JOAQUIM IGNACIO:
Joca, valeu o comentário!Era o tempo das "vaidades das vaidades"...Ahahahaaaaaaa!!!
Não lembro, mas devo ter usado Glostora.
Lembro de ter usado muito o Gumex. Afinal, Dura lex sede lex e, no cabelo, só GUMEXXXXXX!!! E, depois dele, o Brilcream (nem sei mais como se escreve).
Abração,
Natale
MIGUEL: Conta isso direitinho... Essa coisa de depregar a bandeira, não seria um caso de estupro?
Ahahahahahaaaaaaaaa!!!
Seu cabelo era ondulado porque querias. Você, antes de dormir, não molhava os cabelos e enfiava e enfiava uma touca feita de meia de náilon?
Todos nós falamos em cabelos e lembramos daquele comercial de shampoo:
- Ei, ei! Vocês se lembram da minha voz?...
- Pois é, continua a mesma!
- Mas, os meus cabelos,caíram todos... Buáááááááá!
Abração,
Natale
PERAMEZZA:
Moda é moda e, em algum momento da nossa vida, nos tornamos prisioneiros dela.
O cabelinho do Neymar, nada mais é do que o estilo "escovinha" pós-moderno (odeio essa palavra)com os cabelos do alto da cabeça mais longos e irregular.
O corte do Ronaldinho não era corte. Era leseira total... Talvez demência. Ahahahahaaaaaaaa!
Abração,
Natale
LARÙ, carissimo: Il vecchio barbière não tinha filha.Aposentou-se e deixou o seu posto na barbearia para o filho - o mesmo que pelou a minha cabeça!
E, bello, non mi parli di tutta quella mangia. Parlare su questo mi fá sentire una brutta nostalgia.
Bacioni,
Natale
SAIDENBERG: É a lei da gravidade, tudo que sobe tem que cair. E cabelos caem.
No meu caso, me livrei da calvície mediterrânea. Mas, como tenho antiga descendência de franceses e alemães imigrados para a Itália (isso lá por 1790),a tendência são as entradas laterais. Ahahahaaaaa!
Ninguém passa ileso pela vida!
Abração,
Natale
Owww Wilson...
Não mate a Waldelice, não! Ou melhor, mate sim... Mate a tendência do mesmismo e faça renascer uma Waldelice renovada,repaginada, com novas técnicas e novos recursos para os cortes dos cabelos.
Hoje temos o cabelo que quisermos, não é mesmo?!
Mas,cada época com a sua "cabeça".
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!
Mais do que nunca é preciso textos alegres como o seu!
tadinha da Waldelice!
...e assim os cortes de cabelo vão e voltam.
abraço
SONINHA: Não matei a Waldelice, não. Elamudou-se para o Rio de Janeiro - não por minha causa - ahahahahahahaaaaaa!!!
Continuamos amigos.
E a "carequice" forçada não foi de todo ruim. Rendeu algo positivo. Muitos perguntavam se eu tinha virado Are Krishna... Ahahahaaaaaaa! Vai um incensinho aí?
Abração,
Natale
MARCIA: É da vida! Entre erros e acertos, vamos vivendo. Carecas ou não (risos).
E a moda vai e vem. Teve até a recente moda dos carecas!
Abração,
Natale.
Natale,
nada como um texto tão bem humorado para tirar-nos do sério e fazer-nos rir muito, até mesmo das nossas próprias experiências. Afinal, qual de nós não passou por diversos problemas capilares, sempre tentando seguir a moda do momento?
Eu também, dono de bela cabeleira castanho alourada, fazia o possível para tratá-la com todo o carinho que ela merecia. E, felizmente, não tive uma Waldelice em minha vida! Mas as tais meias de nylon... foram constantes em minha vida adolescente, pelo menos enquanto durou a moda dos cabelos mais lisos que cabelos de japonês. Ah, se naquela época já tivessem inventado as tais chapinhas!!!
Mas hoje, ainda livre da calvície, mas imune aos excessos da vaidade, me contento em sentar na cadeira do barbeiro (sim senhor! ainda corto os cabelos num antigo barbeiro de verdade!) e mandar passar a máquina 4 por toda a cabeça. E a bela cor castanho alourada cedeu seus encantos aos fios brancos que vão clareando cada vez mais a minha cabeça.
Abração.
ZECA:
É assim mesmo o tal resumo da ópera! cabelos brancos, com a tal neve dos tempos...Ahahahaaaaaaaa!
E a gente vai levando.
Eu fazia todo o tipo de loucura com o meu cabelo que nem sei como é que ele ainda permance.
O bom dos dias atuais é que cada um usa o cabelo do jeito que gosta ou quer.
Abração,
Natale
Bela historia Natale, Ri muito. A moda e a nossa vaidade as vezes nós leva de volta ao passado, pensando se encontrar no futuro. Quem nunca teve um problema com seu cabelo, Que atire a primeira peruca,(ou tesoura).rsrsrs
PARABÉNS. KKKKKKKKKKKKKKK.
ARTHUR:
Ou que atirem o primeiro vidro de tintura... Ahahahahaaaaaaaaa!!!
A moda existe porque o ser humano nunca está contente.
Ai inventam, a gente resiste e acaba se entregando.
Valeu!
Abração,
Natale
E faltou a famigerada chapinha. Eu gostei e relembrei. Abraços.
SUELY: De vez em quando, quando o meu cabelo estava bem comprido, a minha "chapinha" era o ferro elétrico... Lembra? Ahahahaaaaaaa!
Abração,
Natale
Maravilha de conto, adorei! Até compartilhei no facebook!Bj
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