domingo, 4 de setembro de 2011

Vida de artista


20 horas, 1973, eu cansado, depois de passar quase o dia todo ensaiando e gravando o programa DEU A LOUCA NO SHOW, nos estúdios da velha TV Tupi paulista, no Alto do Sumaré, ao lado de grandes nomes do cenário artístico brasileiro, como José Vasconcelos, Jorge Loredo (Zé Bonitinho), Ary Leite, Neide Aparecida, Ronny Cócegas (popular cocada), Wanda Moreno, Miriam Rodrigues, Geraldo Alves, Roberto Roney, Teresinha Elisa e ainda a direção do saudoso e querido ator e diretor Paulo Celestino. O meu prazeroso, mas estafante dia de trabalho estava encerrado, apesar dos cachês atrasados, a velha Rede Associadas antigo canal 3 e depois canal 4, infelizmente caminhava para o seu triste fim, não sem antes ter sido o Alicerce e o Berço de grandes profissionais, das atuais redes de televisão do Brasil.
Saí da emissora ainda com aquele stress de gravação, parei na padaria ao lado da TV, muito famosa na época pela frequência diária de muitos artistas de cinema, teatro e televisão, principalmente pelas atrizes e atores das novelas da hoje extinta Tupi, e que até hoje ainda circulam em nossas telinhas em vários canais, como Laura Cardoso, Lima Duarte, Irene Ravache, Paulo Goulart, Nicette Bruno, Eva Wilma, Luiz Gustavo e tantos outros. Bati um papinho enquanto saboreava um café, deixei a padaria e, exausto como estava, resolvi caminhar um pouco pelas ruas do Sumaré, para rever lugares onde em criança, saindo da Freguesia do Ó, a pé, eu e vários amigos íamos jogar umas peladas, com companheiros que moravam na Vila Pompéia.
Então, sempre caminhando pela Rua Prof. Alfonso Bovero, entrei na Bruxelas e Rua Havaí, alcancei a Capital Federal, voltei e cheguei à Ruas Caraíbas; minha intenção era caminhar até a Rua Turiassú e ali em frente ao Estádio do Palmeiras (que horror pois sou corintiano), pegar um taxi e rumar para a minha querida Freguesia do Ó.
Caminhava assim distraído, agora já quase refeito do stress de um dia de ensaios e gravações, quando ao passar em frente a uma casa, notei uma senhora que debruçada sobre o parapeito da janela, naquela gostosa noite enluarada de verão paulistano, acompanhava-me com seus olhos atentos.
- Moço! Moço! (na época eu era mesmo) ela falou, fazendo um sinal com as mãos, espere um pouco.
A mulher desapareceu da janela, reaparecendo em um terraço e, descendo os degraus da escada de acesso a casa, parou frente a um velho portão de ferro onde eu estava e me perguntou com seu cativante e simpático sorriso:
-Você trabalha na Televisão?
- Sim minha senhora, por quê?
- Ai meu Deus! Que maravilha! Minha idosa mãe adora o senhor, não perde um só programa seu, ela não tem condições de sair da cama e ela adoraria conhecê-lo pessoalmente. Será que não dá para o senhor subir e ir até o quarto dela, que eu quero que ela veja o senhor; tenho certeza que ela vai ficar muito feliz, coitadinha.
-É prá já, minha senhora. Respondi sem titubear. Então, acompanhando aquela senhora, subi aquelas escadas me sentindo o Bom Samaritano do Evangelho. (Seria por certo, talvez, a minha única boa ação da semana).
Quando cheguei ao quarto, topei com uma senhora perto dos seus 85 anos, miúda e magrinha, com grande meiguice no olhar, assistindo uma televisão preto e branco, com uma imagem horrorosa, cheia de chuviscos e fantasmas, imagens estas que há muito eu não via mais em aparelhos de TVs, na cidade de São Paulo.
A filha falou com sua idosa mãe ali deitada, dizendo:
-Mamãe, olha que bacana! Olha quem eu encontrei para a senhora! Esse moço que trabalha na Televisão.
A velhinha sorriu, olhou para mim com aquele olhar generoso de mãe agradecida, com muito carinho falou: -Moço o senhor trabalha em televisão? “Por favor, será que dá para o senhor consertar essa televisão prá mim, olha só prá isso! E “mostrando o aparelho acrescentou: -” Não da prá gente ver nada direito”.
A filha se apressou em pedir desculpas. Ofereceu-me um café, que não aceitei, pois havia acabado de tomar um, poucos minutos antes.
Ela me acompanhou até o portão e na despedida, ainda em tom de desculpas, me disse: -Desculpe a minha mamãe viu Seu Raul Gil... ???
Do jeito que a imagem e a sintonia daquele aparelho de televisão estavam, não sei como ela não me confundiu com o GRANDE OTELO... O que por certo seria até uma grande honra para mim ou para qualquer outro artista brasileiro.

Por Arthur Miranda (tutu)

10 comentários:

joaquim ignacio disse...

Texto muito gostoso, humor bem conduzido, ironia na medida certa, não fosse voce um profissional. A narrativa nos conduz (mostra, também) às vicissitudes (ou desvarios) que acabaram com a antiga PRF3 TV, TV Tupi de São Paulo.
Gostei muito.
Abraço

Soninha disse...

Olá, Arthur!

Como sempre,seu bom humor e alto astral vem rechear nosso blog com muita alegria.
Texto super agradável.
Mas,você bem que poderia consertar a TV da senhorinha,né?! rss
Valeu, Raul...ops...Arthur! kkkkk
Muita paz!

Miguel S. G. Chammas disse...

Tutu, a unica coisa que eu sei que não aconteceu nesse dia é você ter respirado o olor suave que vinha do Parque Antactica, caso contrário teriamos mais um palmeirense ferrenho em nossas fileiras.
Outra coisa foi o diálogo que ela teve com a filha depois de sua saida, foi mais ou menos assim: É minha filha, simpático mesmo o Chocolate...igualzinho ao que aparece na TV...rsrsrsrsrs

suely aparecida schraner disse...

Ha,ha,ha. Essa foi boa. Delícia de texto!

Luiz Saidenberg disse...

Ótimo texto Tutu. Com direito a um passeio pela região em que moramos, quando Marcia e eu nos casamos. E ao estrelato, à fama de astro, ao reconhecimento público ! Não é mesmo, Raul????

MLopomo disse...

Tutu: Você estava carregando o banquinho naquele dia?

Zeca disse...

Tutu,

a leitura desta deliciosa crônica nos leva a um passeio por uma bela (ainda hoje) região de São Paulo, que não foi conspurcada pelos horrores arquitetônicos do "progresso". E por uma época que resiste em nossas lembranças, alimentada pelas nossas saudades, onde uma senhora ainda podia chamar um estranho que passava pela calçada e convidá-lo para entrar em sua casa, sem receio do que sabemos hoje que pode acontecer em casos assim. E, finalmente, presta uma merecida homenagem à precursora da TV brasileira, nomeando parte dos participantes desse acontecimento que ajudou a mudar o mundo.
Parabéns! E continue nos presenteando com suas memórias e muitas histórias.

Abraço.

Modesto disse...

Que linda crônica, Arthur, ironia e informações muito bem dozadas, mostrando como se conta um relato adicionando comentários preciosos de sua juventude nos primópdios de sua profissionalização. Tutu, vc indo pra casa, se a moça tivesse confundido vc com Ademir da Guia, vc se desculparia mas, não entrava na casa dela. Parabéns, Arthur.
Modesto

Wilson Natale disse...

Arthur:
Se você não sabia, agora sabe: TODOS OS CAMINHOS LEVAM AO PALESTRA!!!... Rá!
Pois é!... Depois de dar um duro, aguentar aquele mundo e luzes quentes prá danar; parar, repetir, repetir mais um milhão de vezes, você sái à rua e tem seus quinze minutos de fama! É reconhecido como um técnico de televisor! Ahahaaaaa!
Vida de artista é assim mesmo, "Seu Raul Gil"...

Adorei o texto!
Abraços,
Natale

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Tutu, estou de volta!!! as dores nos dedos já melhoraram mas não posso abusar, parabéns pelo texto, abraços, Nelinho.;