Na represa Billings, perto da Escola de Emergência São Benedito, tinha a canoa do Zezinho. Ao menos uma vez por semana, ela e ele remavam até o outro lado. Uma cachoeira e as casas dos ricos eram as atrações. Navegar não é preciso.
E tinha também o bonde. À noite, o curso clássico, no Alberto Conte. Chegou março de 1968 e o bonde morreu. Bem ali, no Largo 13, onde, hoje, centenas de camelôs e seus clientes de pouca grana e muita fama se movimentam. Essa massa humana movimenta-se ainda mais rápido quando chega o "rapa". Que força nas pernas, meu! Que categoria nos braços com toda aquela tralha! Quanto equilíbrio na corda bamba da vida. Nessa olimpíada, essa turma é ouro. Ouro de tolo.
Numa quase meia-noite, ela no ponto de ônibus da Praça D. Benta. Bem atrás da Santa Casa de Santo Amaro, do lado do necrotério. A pilha de livros nas mãos. Pra quê tanto caderno, meu Deus? O ônibus chega e vem cheio. Lugar só para um pé no degrau. Mas, dá pra subir. O outro pé fica pendurado. Material num braço e o outro com a mão livre pra segurar na porta. O ônibus parte e faz a curva para pegar a Rua Isabel Schmidt. O peso do mundo desaba sobre ela. A gritaria é geral. O motorista, que não era surdo nem nada, pára. Mas se engana quem pensa que ela caiu. O homem ao lado, agarrou seu rabo de cavalo e a manteve suspensa no ar. Material escolar estatela-se no chão. Tudo recolhido, segue transportada. Lugar mais à frente do ônibus apareceu do nada. "Que rabo forte, hein?" - um falou. "Essa foi por pouco".
Táxi era coisa rara, ainda mais praquelas bibocas. Não iam lá por dinheiro nenhum. Transporte certo era o "SPédois". Em tempos de Karman Guia.
Agora todos plugados, distâncias encurtadas em muitos megabites e esta demora para chegar. Os carros, bibelôs de asfalto. Da canoa do Zezinho à cidade dos helicópteros, cuja frota só perde pra Nova Iorque.
Ainda assim, 1/3 dos deslocamentos nessa cidade ainda é a pé.
Por: Suely Aparecida Schraner
19 comentários:
Suely, Bom ler suas historias pois falam de uma São Paulo que sempre haverão de me dar saudades.
Até eu se estivesse presente gostaria de segurar esse Rabo.
Tem razão, Suely. Ainda vamos no SP2. Pegar o "borrachão" (ônibus) só quando tem, só quando se tem dinheiro, ou cartão carregado. Vamos no "borrachão" mesmo! No borrachão do tênis "importado" que o camelô nos vende por uma "merreca", no borrachão da sandália que não é havaiana...
E é, realmente, assim que caminha a humanidade.
Abração,
Natale
Suely, aquela curva da praça D. Benta realmente era e é perigosa se feita em velocidade incompativel,ali de um lado é a Santa Casa e e do outro lado antigamente era o Frigor Eder, hoje banco Itau, Outro detalhe a praça D. Benta tinha tres grandes arvores frondosas que de manha quem esperava onibus ali, estava sujeito a levar carimbadas de pombos, boas recordações, parabéns,Estan
Suely, mesmo sem morar por aquelas bandas, quando solteiro dei por lá meus pulos e piruetas.
Muitas vezes madrugada alta, outras poucas ao cair da noite.
Linda descrição,sintetizada com todo o bom gosto.
Bela crônica, Suely, sobre os velhos e novos tempos de Sto. Amaro, que vc conhece como poucos. Mas sempre a dura e sofrida vida do povo daquelas bandas. Acho que o Pédois é mesmo o melhor e mais seguro transporte. Aliás, pratico-o sempre que posso, pois nada custa e só faz bem, a corpo e alma. Abraços.
Sua narrativa difere das demais na modernidade em apresentar versos "jogados" na tela como um trabalho surrealista. A "pincelada" da modernidade contrasta com a triste situação da moça, "pingente" sem o saber e quase sacrificada pro deus da péssima condução que lá exitia. Parabéns, Suely.
Modesto
Olá, Suely!
Embora com muito mais gente, penso que hoje se tem mais opções para os transportes.
Vida dura para quem tem que usar o busão, o metro, o trem,lotação, etc... Mas, faz parte, né!
Lembrei de quando eu vinha, tarde da noite, do colégio e tinha de usar o busão lotado...nossa! Já na faculdade, era o Metro...lotado tb.
afff!
Obrigada.
Muita paz!
Suely!
Hoje me considero um felizardo! Afinal, depois de alguns dias afastado da telinha, tive o privilégio de ler algumas crônicas deliciosas, como esta sua, que acabo de ler!
Que gostosura de narrativa! Como bem comparou o modesto, uma obra de arte e das bem modernas! Gostei muito! Principalmente por saber muito bem do sacrifício que se fazia (e ainda se faz) para poder "usufruir" (se é que cabe essa palavra!) do transporte coletivo, eternamente insatisfatório, incômodo e desconfortável. Também eu nos tempos de estudante, subia num ônibus lotado, carregado de cadernos e livros e lá ia, tentando manter o equilíbrio sobre um único pé, já que o outro não encontrava lugar onde apoiar-se. Mas, de qualquer forma, vistos a partir de hoje: "bons tempos, aqueles!"
Parabéns!
Abraço.
Suely,até hoje prefiro fazer tudo usando meus proprios pés. Sou bairrista e procuro usar os beneficios que o bairro oferece. Que sorte a minha, só tenho que agradecer a Deus. Acho que o povão sofre sim com a falta de transportes de boa qualidade.Gostei muito do seu texto...um grande beijo
Arthur, bom ler seus comentários. E, agradecida pela solidariedade demonstrada. Abraço.
Natale, boa essa referência do “borrachão Xing Ling”.E assim seguimos andando e escrevendo um tantinho assim. Abraço e muito obrigada.
Estan, eu também comprei muita salsicha no Frigor Eder. Boas as suas lembranças. Uma das árvores ainda continua lá. Grata por passar por aqui. Abraços.
Estan, eu também comprei muita salsicha no Frigor Eder. Boas as suas lembranças. Uma das árvores ainda continua lá. Grata por passar por aqui. Abraços.
Miguel,
Menino, destes pulos e piruetas e como diz o ditado “Deus faz e o Memórias de Sampa junta”. Muito obrigada pelo comentário elogioso. Abraço.
Luiz Saidenberg,
fico tão contente com suas observações! De fato o PéDois é um ótimo meio de transporte embora o sonho de desejo da maioria, seja mesmo andar dentro da "lata" e permanecer refém do volante. Grata e abraços.
Modesto, que bom que você gostou. Sua alma é pura poesia e seu olhar enxerga por um prisma de alta sensibilidade e generosidade. Eu agradeço comovida.Abraço
Verdade Soninha. Os meios de transporte aumentaram e as pessoas se multiplicaram. Daí que é impossível escapar de ser uma “almôndega humana” nos trens, metrôs, ônibus e quetais. As pessoas se adaptam (ainda bem). Valeu e muita paz pra você também, sempre assim tão amorosa e leitora assídua. Abraço.
Zeca, fico tão lisonjeada, que só vendo. É cada notícia boa quando me ponho a ler estes comentários! É com o coração cheio de ternura que agradeço este carinho. Fala-se tanto em mobilidade e os meios de locomoção evoluíram muito desde o cavalo até os foguetes. Porém, a humanidade aumenta exponencialmente e tudo fica cada vez mais apertado. A gente vai longe, né não? Grande abraço.
Grande Margarida! É bom poder usar os próprios pés e valorizar o caminhar pelo bairro, pela cidade,pelo mundo,apesar de. Acho que a melhor maneira de agradecermos por termos pés e pernas saudáveis e sair andando por aí. Valeu! Abraço.
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