quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vovô Nonô

No dia que o Paulo nasceu lá estava você. Chorava e me dizia: “Obrigado por ter me dado um neto!”. Tão meigo, tão sensível... De padre a "coroinha", no alto da sua cabeça. Nasceu vovô. Tão semente. Tão legal. Brincava com a gente, brincava menino: "Vinha vindo por uma estrada, topei com um pé de jaca, e toca a apanhar pêssego maduro! Vortei. Vortei prá trás...". De sargento e eletricista a zelador da Biblioteca Kennedy, na Avenida João Dias.
Na volta atrás, um dia de carnaval. Nós, assanhadas para ir ao salão do SAI Interlagos. Você se prontificando: “Vou junto, para tomar conta de vocês". Chegando lá, só vendo: foi o primeiro a cair na dança e o último a parar. Nem para tomar um trago e matar a sede. Dançava, cantava e pulava ao som da orquestra. "Tomara que chova três dias sem parar". Vontade de ir embora? Nenhuma. E o povo: “Que energia, hein vovô?”. Lembra que você tirou a moça da mesa ao lado para dançar? Nem viu a cara do marido dela. Tomamos conta de você.

Parece que tô vendo: você subindo e descendo a rua com o neto de dois anos pela mão. “Vou dar uma canseira nele, senão num dorme!”. E te vejo brincando. As crianças fascinadas. As netas agarradas. Você chorando à toa. Tão à flor da pele. Fazendo arte. Espantando solidão. Celebrando amizades. De padre Lúcio, da Santa Casa de Santo Amaro, a chá da tarde com Júlio Guerra. O quadro por ele presenteado, eternamente na parede de sua sala. Maior orgulho. Tanta fala, tanta vida. Seus intermináveis passeios pela Alameda Santo Amaro e tantas paradas obrigatórias. Simpatia pra dar e vender.

Um ritual de passagem. Você tomando sol. A rua fazendo fila para cumprimentá-lo. Boas vindas, do retorno do hospital, já morando em Leme. A Lúcia preparando a sopa de carne na Sexta-Feira Santa. "Ele pode", disse ela. E o seu penico, que tinha nome e sobrenome? "Tonico Bastos", antigo desafeto, político regional.

A UTI. Você se preparava todo. Não tanto na parte visível do corpo, porque nem tinha esta parte visível. Uma infindável memória de dias melhores na pele. Sobretudo o fumar, que lhe dava, digamos, certa nobreza de estar em si mesmo. Um inquilino perdulário daquele metro e sessenta e cinco de altura. Agora um lagarto. Você ali, preparando-se lentamente, no andamento do fôlego. Ali, vivendo a véspera indecisa. Trocando a fronha, quem sabe a senha. Ali, ouvindo um murmúrio de fora, de lá daquele vento brando na relva da coxilha que já não via mais.

Agora é só saudade. Sonhador que volta ao sonho.


Por Suely Aparecida Schraner

7 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Suely, quanto lirismo!
A memória aliada ao bem escrever, nos põe as emoções à flor da pele.
Coloquei-me, ousadamente, no lugar do vovô nonô, e me senti homenageado tanto quanto ele, claro, por filhos e netos diferentes, mas sempre filhos e netos.
Bem, acho melhor parar de comentar, os olhos já se alagaram e a continuar assim, logo logo transbordam.
Parabéns mais uma vez!

Miguel S. G. Chammas disse...

PS - Tenho dois contos que pincelam esse tema com cores diferentes,"O ponto Final"e " Feliz Aniversário"qualquer hora te mostro.

Soninha disse...

Olá,Suely!

Sou sua fã...adoroseus contos,suas histórias,seus poemas!
Que bacana o Nonô passar por sua vida como pai, não é?!
Sabe, sinto tanta saudadedemeu amado pai, que já estáládo outro lado da vida...foi uma avozão também...
Também sinto saudade de meu avô...
São referenciais muito bons em nossa vida e jamais os esqueceremos.
Valeu,Suely!
Obrigada.
Muita paz!

Zeca disse...

Suely!

Quanto carinho, quanto amor, quanta saudade são transmitidos neste belíssimo poema em forma de prosa com que acabou nos presenteando!

Abraço, emocionado.

Modesto disse...

Homenagem a um vovô é sempre o ponto inicial de uma paixão que, aparentemente parecia apagada. Porém, com novos personagens da eterna busca da felicidade, eis o amor se materialisando novamente no seio de uma família bem estruturada. Parabéns, Suely.
Modesto

Luiz Saidenberg disse...

Beleza, Suely. Verso e prosa. Gosto muito dessa escrita editada, que omite partes desnecessárias, deixando ao leitor a tarefa de integrar-se e concluir o pensamento. Seria talvez, Zen, no Japão. E seus escritos, haikais? Abraços.

Wilson Natale disse...

Suely, bom ler você!Sabe, sou meio criança ainda! Adoro ver figuras.E você desenha tão bem, transformando palavras em figuras, imagens!
E o Seu Nonô é lindo, pois é pai e avô. É, não foi, não será. É e É ainda! É a verdade da vida, mostrando a todos que a boa semente produz farta colheita. Principalmente de AMOR.
Feliz é o Seu Nonô. É, porque sempre É, pelo que deixa de amor no coração de cada um.
Abraçao,
Natale