Não tenho andado muito motivado a escrever sobre o que quer que seja, embora continue lendo, fielmente, todos os textos aqui publicados.
Nem mesmo o convite para enviar um texto em comemorar ao “mês dos pais” me motivou! Mas o texto do amigo Miguel, com sua bela história envolvendo o amor familiar e o amor incondicional entre pais e filhos conseguiu me comover e me deu a chance de tentar, aqui, contar uma história familiar que envolve também o abandono e a adoção de uma criança.
Nos idos de 1940, dona Tamires, casada com um homem que não amava, já que fora um casamento arranjado pelos seus pais, teve um menino, fruto desse casamento sem amor. O garoto era lindo, gorducho, sorridente e seu nome, dado pelo avô materno, era Cesar. Dona Tamires era uma boa dona de casa e ótima mãe. Alimentou o filho em seus seios durante os primeiros seis meses e, depois, começou a incluir mamadeiras e papinhas de legumes e carne desfiada. E Cesar crescia saudável, feliz e satisfeito.
Cesar jamais conheceu seu pai! Foi abandonado pela mãe e deixado, sozinho, em seu berço, enquanto o pai trabalhava. Dona Tamires, não se sabe como, havia conhecido um homem por quem se apaixonara perdidamente e, não resistindo aos apelos do coração, fez o que costuma ser condenado por todos: abandonou o próprio filho! E foi ser feliz!
Cesar foi encontrado sujo e faminto, horas depois, por dona Adelaide, a avó materna que morava na casa vizinha e estava incomodada com o choro insistente do garoto. Encontrou a porta aberta, chamou e, como resposta, apenas o persistente pranto do neto, que lhe cortava o coração. Entrou e se deparou com o bebê, faminto, sujo de urina e fezes e, claro, assustado pelo abandono. Pegou-o no colo, limpou e trocou suas fraldas, deu-lhe uma mamadeira e, na ausência da mãe/filha, levou-o para casa, carregando no peito, com o neto, maus pressentimentos. Dona Adelaide contou o ocorrido ao senhor Benjamin, seu marido, que sentiu o mesmo mau pressentimento da esposa. Cuidaram do neto até a volta do genro, que não sabia nada a respeito do sumiço da esposa, tão espantado quanto os sogros.
Como homem rude, que trabalhava duro numa oficina mecânica, resolveu deixar o filho com os avós até descobrirem o que havia acontecido. Os dias passavam e dona Tamires não dava sinal de vida. Procuraram, deram parte na polícia, vizinhos e amigos foram alertados e nada. Naquele tempo, numa pequenina cidade do interior paulista, se houvesse acontecido o pior, logo se saberia. Mas nada se soube.
O tempo foi passando e Cesar foi crescendo, cuidado e alimentado pelos avós. O avô, dono de uma chácara de flores, era seu companheiro e o ensinava a cuidar delas. O pai, desconsolado, sumiu também! Abandonou a casa, o filho, o emprego e sumiu pelo mundo, nunca mais dando notícias. Da mãe, ninguém sabia também...
Cesar tornou-se o filho caçula da família. Meu pai, seu tio mais novo, era vinte anos mais velho que ele. E com o casamento dos filhos, o casal de velhos ficou com o neto, criado como filho, como companheiro inseparável do pai/avô, que lhe deu todo o carinho que ele precisava. E assim, cresceu, casou, teve três filhos e, um dia...
Eu, com dezesseis anos, trabalhando na prefeitura e fazendo o cadastramento das casas, entrevistei uma senhora que vivia, com duas filhas e o marido, em uma casinha simples, não muito longe da casa dos meus avós. Seu nome era Tamires e, não sei explicar por que, gostei dela e ela de mim. Não lembro como, mas o meu trabalho envolvia o preenchimento de um questionário com os dados familiares e ela acabou me contando sua história. Eu, conhecedor da história do meu tio/primo, matei a xarada! Ela era a minha tia, que havia desaparecido anos antes de eu nascer!
Calei-me e, em casa, à noite, contei aos meus pais o ocorrido. Meu pai teve uma reação violenta, como era comum: não queria saber “daquela mulher” e que ela continuasse vivendo a vida dela e deixando a família dele em paz! Minha mãe preferiu conhecê-la e fomos, no sábado à tarde, até a casa dela, onde tudo se esclareceu!
Ela vivia um casamento infeliz, mesmo amando o filho. O marido era grosseiro e a tratava muito mal, sem respeito e sem nenhuma consideração. Um dia se envolveu com o homem que vendia peixes em uma carroça e que passava, semanalmente, pela sua casa. O amor entre os dois era enorme e resolveram viver esse amor. Porém, como ele era muito pobre e o dinheiro ganho com os peixes não seria suficiente para sustentá-la e ao menino, ela resolveu deixá-lo para ser cuidado pelos avós, que tinham mais recursos e não o desamparariam. Seu maior erro foi, talvez, não ter deixado um bilhete de despedida, uma explicação. Mas se levarmos em conta a época em que ocorreu o fato, até isso é perdoável, pois as mulheres não tinham muito acesso à educação formal e mal sabiam escrever o nome...
Foram para outra cidade, onde viveram em harmonia e criaram uma nova família. As filhas não substituíram o filho deixado para trás, mas a certeza de que ele estava sob os cuidados dos avós a tranquilizava. E quando puderam, voltaram para o bairro, onde ela podia saber do filho e até mesmo vê-lo, de longe, de vez em quando.
Minha mãe convenceu meu pai a receber a irmã e com ela se reconciliar. Não foi muito fácil, mas aconteceu. Meu pai não quis receber o “cunhado”, apenas a irmã e as sobrinhas. Conversaram e se entenderam – mais ou menos, pois ele carregava na alma o ressentimento de uma vida. Mas a reconciliação foi feita. Agora, faltava contar o caso aos meus avós.
Não acompanhei as conversas entre meu pai e meus avós, mas os três conversaram com o César que perdoou a mãe, mas não quis vê-la, não quis conhecê-la. E assim ele viveu, chamando o avô de pai e a avó de mãe, cuidando da sua própria família, até o dia em que as dores que carregava no coração o levaram, ainda jovem, com quarenta e poucos anos...
Por Zeca Paes Guedes
5 comentários:
Zecamigo, mais uma história da vida!
História cheia de amor, de raivas, enganios e desenganos.
Na verdade, o sentimento mais ressaltado nessa história é o amor, amor de pai, amor de mãe, amor de avós, de tios e, principalmente, como no meu caso, amor de filho.
Me emocionei também. Parabéns....
Quanta insensatez, paixões irrefreadas, falta de critério e justiça vemos neste mundo. Contando até parece novela, dramalhão. Mas a humanidade é mesmo assim, e a nós, que procuramos preservar ainda um pouco de sanidade, nada resta senão aceitarmos tantas desgraças diárias, muitas vezes em nossa família. Por sorte, como no seu caso, ainda existem boas pessoas,ou perderíamos realmente toda esperança. Ânimo, amigo, que sentimos falta de seus belos textos.
Abraços.
Olá, Zeca, querido amigo!
Realmente, os avós fazem toda a diferença na vida das crianças e, neste seu caso, foram essencial para Cesar.
Ser avó ou avô é ser PHD em paternidade e maternidade.
Muito bonita esta história! Tomara ainda possamos ter mais notícias de Cesar e sua mãe biológica. Quem sabe ele ainda poderá vê-la, nãoé mesmo?!
Agora, quanto a você...humpft!
Nada de ficar sem escrever, heim!
Sem perceberos direito, acabamos tomando um compromisso com os leitores...escrever sobre Sampa,através dasmemórias de cada autor, é compromisso com a própria Sampa e com todos os que querem saber sobre suas histórias.
Não deixe de nos enviar seus textos,por favor,ok?!
Você, assim como todos os auores, são muito importantes.
Vamos na Esperanza???
Já temos muitas adesões e, desta vez,penso que será uma ótima oportunidade de conhecer os amigos autores.
Venha à Sampa, amigo. Venha na rodada das redondas,por favor.
Fique bem.
Muita paz! Beijossssss
Zeca bela historia! carregada de emoções e paixão, da um belo romance. Agora imagine, como podemos ficar sem essas belezuras que você produz, Não nos prive disso jamais, e por favor apareça no próximo encontro das redondas, me avise e eu te pego na rodoviária, Mas não falte.
Zeca,
Amei o texto!
As verdades da vida em toda a sua crueza. Mas ao mesmo tempo toda a verdade do carinho e abnegação.
E a verdade ácida do desfecho - nunca tudo acaba bem.
O tempo é o senhor do perdão.
A moral então, verissíma: Pais são aqueles que nos criam com todo amor.
PS: Não faça isso conosco! Não faça isso com você mesmo. Continue escrevendo.
Abração,
Natale
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