segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Encontros e desencontros.


Desmesurada cidade que é, São Paulo dá raras oportunidades de reencontro para colegas de bancos escolares. Quase todos nós, veteranos da vida, temos uma acentuada nostalgia para com nosso período da juventude, na tranquila cidade que já foi esta, e no despreocupado convívio com os amigos de escola. E não sou exceção a esta quase regra.
Já havia procurado alguns deles, sem sucesso. Busquei por décadas, mas como encontrar?
Cheguei a crer que jamais os veria novamente. Mas, chegou a internet e as coisas mudaram em todos sentidos, também nestas buscas.
E aí, vencendo as distâncias, o imenso tempo decorrido, uma vida inteira de perdas e ganhos, repentinamente se torna possível reencontrar os velhos amigos, a um simples toque de teclado. Ploc, um segundo e as probabilidades aumentam espantosamente.
Se não temos sucesso, de algum modo ELES acabam por nos achar.
Lembro-me bem do período em que estudei, curso noturno, no Colégio de Aplicação, na Rua Gabriel dos Santos.
Tive poucos, mas bons amigos; o ambiente, apesar do adiantado da hora, era amigável e ameno.
Ás vezes, a turma da classe se reunia para ver o bang bang da ocasião, filmes de guerra e outros, nos vários e bons cinemas da redondeza. Ou, tomar uma cervejinha com pastéis, ali mesmo no pedaço.
Como diz o velho clichê, mais que batido, bons tempos...
Depois, a maturidade e a diáspora. A loucura da vida urbana, empregos, novos compromissos, amizades e amores. Então, adiós muchachos compañeros de mi vida, farra querida... para nunca mais.
Será mesmo? Ledo engano, pois da terrível tela da internet, como a do Grande Irmão de "1984", de George Orwell, nada escapa. E, como dizem, um belo dia, abrimos uma mensagem inédita. E o nome é familiar, apesar de cinco décadas. Um velho amigo de colégio. Pronto, fomos descobertos.
Este, encontra-se fora de São Paulo, mas, imediatamente se comunica com outro amigo que mora aqui, até perto de casa. Inopinadamente, ele resolve visitar-me. Quanta alegria em revê-lo, ainda nesta vida. Convida-me para um almoço- outra coincidência- que será para o dia seguinte, da turma de outro colégio, mas ao qual ele e minha turma mais chegada da Gabriel dos Santos haviam participado.
E lá vou eu, entusiasmado, mas, de início, noto a diferença: bem diverso das expansões de alegria e fartos brindes, tão comuns nos almoços publicitários, ali são todos bem comportados. Falam baixo e comedidamente, e a meia Heineken que pedi foi o único álcool que tocou a toalha da mesa, durante as várias horas que passei lá. Circunspectos e com sérios comentários, observam velhas fotos amarelecidas, 5X5, de seus tempos de grupo e futebol.
Com minhas brincadeiras e ironias, sinto-me como o único "mau” elemento presente.
Logo eu, tão tímido e calado naqueles tempos colegiais... O mundo dá muitas voltas mesmo, e sinto que os caminhos ali trilhados, todos com sucesso, foram bem diferentes dos meus. As afinidades, que poderiam ter surgido do compartilhamento escolar, já não existem.
Tenho a impressão de estar num conclave de seminaristas... Estas impressões foram acentuadas depois que enviei fotos do evento aos mais íntimos. E, para aquecer o novo relacionamento, desenhos e alguns textos. Um só deles dignou-se a responder-me, meses depois. Não têm também o hábito da réplica e do retorno virtual.
Eu entendo que, quando se trata de um ascético e genérico PPS, tudo bem, mas não responder a mensagens e trabalhos pessoais? Tudo legal; são boas pessoas, mas nossa amizade não continua a mesma.
Esses 50 anos de distância, uma vida toda, foram demasiados, e fazem-me lembrar uma cena do belo filme de Ettore Scola, "Nós que nos amávamos tanto", quando dois amigos, de destinos e mentes também bem diferentes, encontram-se na Piazza del Popolo, em Roma, após 35 anos de ausência. Um deles, Antonio, convida o outro para jantar no restaurante de sua juventude, e despede-se. O advogado Gianni, representado por Vittorio Gasmann, murmura: até mais 35 anos, Antonio. Ou seja, nunca mais!

Por Luiz Saidenberg

9 comentários:

Laruccia disse...

Aí está, Luiz, 50 anos não são suficientes pra se esquecer uma boa amizade, mas infelizmente, a natureza humana tem reações inesperadas e aquilo que deixou vc contente em rever ou ouvir um antigo colega de escola, se transforma em reações como essa de "...será que depois de tantos anos encontro, de novo essa cara chato...?".
Uma narrativa cheia de interessantes eventos, que só enriquecem nossos restantes anos de existência. Parabéns, Saidenberg.
Laruccia

Wilson Natale disse...

Assustador, não é mesmo Saidenberg?

Antes havia a juventude, os sonhos por realizar. Havia a cumplicidade dos que se preparavam para lutar, dando apoio uns aos outros.

Décadas depois,guerreiros maduros, cansados das batalhas, reunem-se temendo relembrar a juventude para não revelar sonhos e esperanças frustradas.

Ah! Os velhos colegas da Juventude... Que fiquem na juventude em nossas memórias!

Assim diz um ditado italiano:
"C'èra una volta e non c'è più".
"Era uma vez e não é mais".
É assim que começa e termina a história das amizades que fazemos pela vida, embora, em algumas, se é "feliz para sempre"!

Teu texto é ótimo! Lendo-o,percebi o quanto fui abençoado. Tenho 3 amigos, mais que de infancia. De berço! Unha e carne, longe e perto, onipresentes a 60 anos. E pensar nisso foi revitalizante.

Abrção,
Natale

Zeca disse...

.
Saidenberg!

Parabéns por mais esta bela crônica, escrita com o coração saudoso, como é o da maioria de nós!

Curiosamente, estive pensando neste tema dias atrás! Saudades fora de hora de alguns bons amigos da juventude que a vida conseguiu separar. Mas nem a saudade, nem a curiosidade conseguiram fazer com que os procurasse pelo "amigo/inimigo" Google, pois pensei que esses mais de quarenta anos de separação poderiam não ter conservado aquela bela amizade da qual sentia saudades. Assim, como bem disse, em seu comentário, o Natale, "Ah! Os velhos colegas da Juventude... Que fiquem na juventude em nossas memórias!"

Abraço.

.

Arthur Miranda disse...

Amigos de juventude e infância? melhor não te-los.
Eles mudam de fisionomia,de pensamento e de aparência, e nós também.
E então depois de 20 30 anos não resta mais nada.
Assim como o Zeca, faço meu o pensamento do Natale. "Ah! Os velhos colegas da Juventude... Que fiquem na juventude em nossas memórias!" .
E parabéns Saidenberg por mais esse tiro certeiro no Alvaro, verdadeiro tiro com marca Olímpica.

Miguel S. G. Chammas disse...

Luiz, li teu texto com admiração e,ao final dei, mais uma vez, graças a Deus por me fazer tãorico de amizades.
Tenho amigos que, mesmo não estando em convívio diário, são a expressão da alegria e da amizade. Fazemos algumas reuniões durante o ano e beberivemos com prazer.
Além domais, salve a RODADA DE REDONDAS COM AUTORES REDONDOS OU NÃO!
Nessas ocasiões, um grupo cada vez maior de velhos novos amigos se reune, bebe, come, brinca Yolanda, e toca trombone na danda!

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. Mas, meus ex colegas foram mesmo uma decepção. Nada comparável a um Encontro de Redondas e Redondos, que está cada vez melhor.
Parecia mesmo um seminário, ou velório. Como disse Gianni a Antonio, em Nós que Nos amávamo-nos tanto:- Fino altri 35 anni, Antonio. O sia, mai piú!

Soninha disse...

Olá,Luiz!

Sempre bom ter amigos, ontem e hoje.
Cada um deles ficará guardado, seja no coração ou na memória... E que se lembrarão de nós,de uma forma ou de outra, assim como nós também nos lembraremos deles da maneira como conseguirmos.
"Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito..." já dizia a canção popular. Creio que é por aí mesmo!
Belo texto.
Obrigada.
Muita paz!

suely aparecida schraner disse...

Ai que decepção esses amigos que não dão retorno. Eu gostei muito da sua crônica.Um retrato saboroso de época e situações. Abraço.

suely aparecida schraner disse...

Ai que decepção esses amigos que não dão retorno. Eu gostei muito da sua crônica.Um retrato saboroso de época e situações. Abraço.