BOCA-SUJA F.C.
- “Passa logo essa bola, turquinho de m..., antes que esse “panhó” (espanhol) filho da... tome ela de você, cazzo”!
- “M... é você, seu p..., italiano carcamano! Pega na minha “zabra”, seu monte de “hara”!”
E o espanhol:
- “Não sou teu irmão,”cabrón”. Seu italianinho mafioso”!
- “Vai tomar no ..., panhó piolhento!
Moshé grita:
- “Se vocês continuarem brigando, pego a bola e vou embora”!
- “Vai! Leva a bola. Aproveita e enfia ela no “rabo”, judeuzinho cagão”!
- “Vou enfiar é no seu “rabo”, seu monte de bos... Fascista”! Vai-te f...”!
- “Vai cagá”!
- “Vai você”!
E a partida continuou até que os gritos de nossas mães chamando por nós “deram o apito final” e fomos para as nossas casas felizes e contentes. No dia seguinte, com toda a certeza, haveria uma nova partida, muitos xingamentos, muitas ameaças que raramente chegariam às vias de fato...
Era assim que vivíamos naquele tempo. “Bocas de privada de botequim” que éramos, pelo puro prazer de xingar nos ofendíamos mutuamente. Não havia preconceitos. A nacionalidade era apenas um complemento a individualizar o ofendido.
Naquela Babel que era a Mooca, Babel tão diferente da bíblica - pois todos se entendiam - os preconceitos eram raridades. A Imigração reduziu cada imigrante à sua humanidade e os nivelou. Amornou os nacionalismos ufanistas e os patriotismos extremos.
E lá estávamos nós, na Mooca, vivendo nossas vidas, misturando idiomas e dialetos. E vivendo, como se diz hoje, “entre tapas e beijos”. Não me lembro de nenhum de nós “ficar de mal para toda a vida”.
Vivíamos!
Nós – os “oriundos” - Filhos dos imigrantes.
E na Mooca estavam os brasileiros, os portugueses, os italianos e espanhóis. E os “turcos” que para cá vieram após a queda do Império Turco, depois da Primeira Guerra Mundial.
E os “turcos” eram os turcos, os sírios, os libaneses, os armênios e os judeus sefarad ou sefardi que ao tempo da primeira guerra saíram da Europa, se fixaram no Império Turco e, depois, vieram para cá.
E, bem lá no Alto da Mooca, viviam os “Bicho d’Água” (Como se não fôssemos também bichos d’água.) . Eram os lituanos, os “ungaresi” (húngaros), os poloneses, os romenos e ucranianos. E alguns russos.
Portanto era nessa Mooca-babel de nacionalidade variada, de todos os credos e todas as crenças, que vivíamos a “babelar”...
Saudade!...
Tempos depois, relembrando os dias de infância, descobri que muito antes do Papa João XXIII e do Concílio Vaticano II, nós exercitávamos o Ecumenismo.
A Mooca era ecumênica. Principalmente na hora dos “apertos e necessidades”. Passava por Santo Agostinho, por Lutero e ia de Kardec ao Pai João... Enfim: Acendia velas nas igrejas, cantava Salmos, recebia “passes” e despachava “ebós” nas encruzilhadas!
Eu, nesse ecumenismo, assimilando as lições da Bíblia, Torah, lições do Talmude e do Coram, ou Alcorão fui-me transformando em Ave, Shalom, Salaam...
Todo o domingo eu ia à missa na Igreja de San Gennaro, na Rua da Mooca. Finda a missa eu desgarrava de vovó e corria em direção à Primeira Sinagoga Brasileira, na Rua Odorico Mendes, encontrar parte dos meus amigos. Juntos, corríamos até a Avenida do Estado, atravessávamos a ponte sobre o Tamanduatei e íamos à Primeira Mesquita Brasileira. Pronto! Toda a turma reunida.
E no domingo, o resto da manhã era de “futebór”, a tarde era de cinema ou de Parque Shangai...
Segunda-feira, depois do Grupo Escolar, Boca-suja F.C.:
- “Passa essa m... de bola, seu panhó “senza coglioni”!”
- “Vai-te f..., italianinho perna-de-pau”!
- “Vai Moshé, pé-de-chulé! Não deixa o turco pegar!”
- “Pé-de-chulé é a mãe, ‘taliano’ sovaquento”!
- “É, isso mesmo! – diz o turquinho - Sovaquento cheirando “charmuta” suja!...
A vida continuava.
Afinal era a Mooca, bello! E ôrra, meu! Cumu nóis era felice!...
Por wilsonnatale
17 comentários:
Maravilha de texto meu8 amigo oriundi!
Depois do longa e agradável passeio pela "bota européia", você nos brinda com este texto ecumenico de grande valia.
Alvíssaras ele voltou!
Aproveito o comentário do meu texto para avisar a todos que, de volta da Itália, li e comentei todos os textos. Vão lá, "oiá"! (risos)
Abração,
Natale
MIGUEL, valeu!
Era bom demais, aqueles tempos!
Tanto aprendizado, tantos costumes e tradições absorvidos. Dentro de cada um de nós estava (e está) o mundo todo.
Claro que, "todos`éramos poliglotas" em palavrões... (risos)
Abração,
Natale
É a Torre de Babel, mesmo!
E o Senhor, em Sua ira, mandou-lhes várias línguas, para que se confundissem e se desabasse a torre infame...mas aqui não daria certo, pois somos todos poliglotas-ou trogloditas, como disse certa vez minha filha, quando pequenina.
-Papai, vc é um troglodita!
E tinha razão. Belo retorno, Wilson. Benvindo ao clube.
Que infância e adolescência braba mas divertida, sr Natale. As crianças e jovens de hoje não entenderiam o tipo de alegria e felicidade que nós tínhamos (gosávamos) naqueles tempos. Outros tempos, outros costumes; os processos tecnológicos atuais mataram aquela alegria dos dedões estourados e joelhos arranhados...
Ignacio
Natale, de volta com a bola toda, verdadeiro Messi da escrita, parabéns pelo texto pela volta. E para citar um termo usado nas Santas Escrituras.
Regozijai toda a criatura
alegrias entre nós se espalha
o companheiro Natale,
Voltou para nós da Itália.kkkkk.
Mas que belo retorno, Natale!
Trazendo como presente um belo e saboroso texto como esse! Você mostra claramente como nós, brasileiros, construimos nossa cultura particular, formada de um pouco de cada um dos que para cá vieram em busca de novas oportunidades.
E que venham novos textos! Para nosso deleite!
Abraço.
Olá,Wilson!
Seja bem vindo! Que bom que está devolta e cheio de boas novas,com certeza, não é mesmo?!
Vindo do velho mundo só pode ter trazido na bagagem um tesouro imensurável que é a cultura daquele povo... Seus olhos serão nossos,pois quereremos que você nos conte tudo e bom que viu por lá.
Sobre seu delicioso texto, me fez lembrar de quando os moleques de nossa rua iam jogar uma pelada...falavam palavrões de monte e as meninas (cricas),ao ouvirem, mesmo que de longe, já iam logo dizendo que iam conta tudo para as mães...daí vinham aqueles sinais(com os dedos e com os punhos) dos meninos para as meninas...rss
Mas,um pouco de tudo, de cada culturadesta missigenação da qual o Brasil foi submetido e que só o enriqueceu.
Bacana, Natale!
Obrigada.
E não perca a próxima rodada de redondas....a última foi MARAAAAAAAA.
Muita paz!
SAIDENBERG, O TROGLODITA: vc me "fazeu" eu lembrar do meu irmão. Quando um italiano da gema, amigo de um nosso vizinho espanhol, elogiou o quanto meu mano falva bem o Italiano. E o espanhol disse a ele que omeu maninho tambem falava muito bem o Espanhol. O italiano exclama: Então você é um poliglota! Meu irmão ficou vermelho de ráiva e disse ao italiano: "Polingrota" é a pqp! Ahahahahaaaa!!!
Quanto a Mooca ela era, junto com o Brás,um outro mundo para os "forastiere" e até para a gente de outros bairros.
E eu acho que sei porque Deus não destruiu a Mooca! Ele tinha medo da italianada! Ahahahahaaaaa!
Abração,
Natale
JOAQUIM: E quanta unha encravada e infeccionada que o farmaceutico tinha que retirar... É. Futebol com pé descalço, só podia dar nisso!(risos)
Você tem razão. Outros tempos, desenvolvíamos a criatividade; realizávamos, sonhávamos. Tudo era telúrico e lúdico ao mesmo tempo: o campinho, a pracinha, o quintal, a rua. Cenário perfeito bara brincar e jogar jogos inventados.
Hoje o computador é o mestre e senhor da criançada. Que sigam o mestre, então.
Abração,
Natale
Ahahahaaaa!
ARTHUR; Valeu!
Vai que eu acredite nessa sua propaganda enganosa e abra uma portinha para receber dízimos... Ahahahaaaa! A culpa vai ser toda sua!
Abração,
Natale
ZECA: Valeu!
O texto serve a preservar como memória uma Mooca que já não existe mais. Serve também a valorizar o legado desses povos que vieram para cá e nos deram um mundo de usos, costumes e tradições.
E, o mais importante foi falar da criança que eu, todos nós fomos.
Abração,
Natale
SONINHA: A viagem foi além da minha espectativa. Foi ótima!
Quanto ao texto, não sei se felizmente ou infelizmente, as meninas eram mais velhas e se ouvissem um palavrão mais grosseiro que o abitual, não se intimidavam. Partiam para os bofetões (risos).
E, na próxima rodada, farei o possível e o impossível para estar presente.
Abração,
Natale
Wilson Natale belíssima viagem a sua!Tenha um ótimo retorno!
Obrigada pelo email e mais uma vez agradeço o seu texto.
Como sempre um senhor texto que sempre encanta olhos e coração.
abraço grande
Valeu, Márcia!
Sempre às ordens.
Abração,
Natale
Viva, "Virso", vucê vortou, porca miseria, i num mi avisô, mascalzone, farabuto, mi dexô pensa qui vucê non vortava mais...ahhhh, mi conta, belo, como está a filial do Braz.
Oi Wilson, estou contente com sua volta, uma viagem a Itália é sempre um acontecimento pra se contar sempre, portanto, mãos a obra. Seu texto é muito gostoso de se ler e com faz o gado, a gente engole tudo, depois vai ruminando o que leu e saborear duas ou três vezes o mesmo apetitoso prato. Parabéns, Natale
Laruccia
Larù, caro, caro! Tão bom quanto ter ido à Itália é voltar e encontrar todos vocês, sempre amigos gentís.
Valeu o cimentário e a acolhida!
Abração,
Natale
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